* Juarez Chagas
Temos visto as mais variadas representações da morte através de suas alegorias, símbolos, pinturas, vanitas e esculturas das mais diversas possíveis, entretanto nenhuma se assemelha a qualquer outra alegoria já feita, no que diz respeito ao aspecto escultural do que a encontrada no Convento de São Francisco, em Évora, Portugal, uma histórica cidade portuguesa, situada em Alentejo (Sul de Portugal), aproximadamente a 130km de Lisboa e considerada importante reduto histórico e cultural, percurso esse que fiz de carro em pouco menos de duas horas.
A visita foi importantíssima para minhas pesquisas sobre Tanatologia, não só pela representação inédita ali encontrada, mas também pelo valioso testemunho, através dos séculos. Na verdade, foram dados in loco, tudo devidamente registrado, pois é permitido filmar e fotografar. Arriscaria denominar esta capela única em todo o mundo como uma espécie de "alegoria viva da morte" (viva no sentido enfático da palavra, pois apesar da construção da capela ser praticamente com material de esqueletos humanos, a idéia viva de seus donos, permanece) onde suas colunas, paredes e parte do teto são construídas com partes dos próprios esqueletos de corpos mortos, outrora enterrados nos cemitérios das igrejas, capelas e conventos da região e suas vizinhanças, totalizando mais de cinco mil esqueletos ali compactados na arquitetura da famosa capela que, recebe quase que diariamente centenas de visitantes vindos de todo o Planeta. Ali, sente-se o clima pesado da presença da morte e, ao mesmo tempo, advêm imediatas reflexões sobre a finitude humana num misto de reverência, respeito e medo da presença da morte e da vida, como se ambas se confrontassem, amistosamente, nesse ambiente sagrado.Existe uma frase encimando a porta de granito à entrada da Capela chamando a atenção para todos que por ali passam, com o seguinte teor: "Nós ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos". A frase não merece comentário e sim reflexão.
Esta Capela que a princípio parece, para a maioria dos visitantes, assustadora aos poucos vai acomodando a emoção e introspecção da pessoa que, de uma forma ou de outra, passa a perceber que a morte é parte da vida, no sentido oposto, como que tentando evidenciar através de sua estrutura física toda a alma e subjetividade que ela emana. Diz ainda a placa granítica que os fins e objetivos da Capela construída pelos religiosos foi, a princípio, no intuito de servir de consolo a uns e de notícia e curiosidade a outros, de tal forma que ninguém ficasse indiferente a uma capela erguida com restos mortais do próprio ser humano, onde também se destinou à meditação e oração da comunidade ou de quantos ali vão para o encontro com a reflexão de sua própria finitude.
A Capela foi construída no século XVI pelos franciscanos e cujo monumento físico e arquitetura é formada por três naves de quase 20 metros de comprimento por 11 metros de largura, tendo largas frestas do lado esquerdo por onde entra luz natural. Suas paredes e pilares são revestidos de ossos e caveiras unidos por cimento pardo. Suas abóbadas rebocadas de tijolos brancos são pintados com motivos alegóricos à morte.
O monumento é na verdade de arquitetura penitencial de arcarias ornamentadas com filas de caveiras, cornijas e naves brancas, como bem descreve a referida placa de apresentação. Dentre os cinco mil crânios ali existentes e vindos de várias igrejas da cidade, está a de um abade brasileiro, cuja referencia, também se faz presente.Dizem que Évora não é só dos alentejanos, nem dos portugueses em geral, pois foi declarada Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO, em 1986. Portanto Évora é uma cidade eterna. O provérbio de que "As Instituições ficam e os homens passam" pode ser sentido com mais propriedade na Capela de Évora do que em qualquer outro lugar.
* Professor do Centro de Biociências da UFRN (juarez@cb.ufrn.br)