Vivência e Sobrevivência
* Juarez Chagas
Graças a Deus e à sorte, termina bem o episódio dos mineiros chilenos confinados que, virou novela real, mas que não se pode esquecer foi causado e protagonizado pelo próprio homem. A mídia do mundo inteiro prioriza o assunto durante esses últimos dias, inclusive com disputas de “furos” de reportagens sensacionalistas entre a própria classe da comunicação. As empresas cinematográficas se preparam para transformar a realidade em ficção. As especulações preparam suas teias. Tudo isso era de se esperar.
Mas, pelo menos uma pergunta lógica deveria ser respondida com responsabilidade: Por que ocorreu a tragédia nas minas do deserto de Atacama? Poderia ter sido evitado ou foi real e simplesmente negligência, ganância e descaso com a segurança do trabalho?
Geograficamente, o deserto do Atacama está localizado na região norte do Chile, tem cerca de 200km de extensão e é considerado o mais alto e árido deserto do planeta e, por essa razão, existem poucas cidades e vilarejos na região, sendo San Pedro do Atacama, com aproximadamente 3 mil habitantes, uma das únicas que dá vida ao inóspito lugar.
A história deste deserto acha-se, ao longo do tempo, ligado às mais diversas situações de risco e tragédias, além de já ter sido palco para passeatas e greves contra fome, acidentes pelas precárias condições de trabalho e, consequentemente, mortes de mineiros massacrados e metralhados como resultado de repressão e injustiças sociais, trabalhistas e morais, contra essa categoria. Seu passado é negro e a promessa política para sua solução é parda.
Assim, mantêm-se quase sinônimo, no decorrer do tempo, de exploração, drama e morte, tornando esta região deserta um lugar quase proscrito, sendo sua terra vista por todos aqueles que dali dependem, como que regada por suor, sangue e lágrimas.
Entretanto, aí é que surge o paradoxo, pois apesar de árido e inóspito, o deserto do Atacama possui riquezas cujas dimensões poucos conseguem imaginar. São quantidades espantosas de minérios valiosos como ouro, prata, cobre lítio e enxofre mesclados com suas terras e camadas geológicas, tendo sido no passado este deserto um dos maiores produtores mundiais de salitre.
Em consequência disso, lugarejos e pequenas cidades surgiram do nada, atraindo salitre sintético que foi descoberto e manuseado de tal forma que o salitre natural perdeu seu posto e importância, fazendo com que, num pequeno espaço de uma década, as cidades outrora luminosas, transformaram-se em cidades fantasmas e sombrias, na verdade, vazias e cheias de cemitérios. Com estas cidades em busca de riqueza fácil e sobrevivência, vieram a inveja, intriga, sabotagem, descaso e morte.
Por outro lado, o lugar, mesmo pobre, estava predestinado a ostentar riquezas e então, descobriram a maior mina de cobre a céu aberto, em todo o mundo, riqueza esta, responsável por 8% do PIB do Chile.
Infelizmente, ocorreu um desabamento na mina de onde eles extraiam cobre e ouro, soterrando 33 mineiros, a 700 metros de profundidade. Isso aconteceu porque o principal acesso ao túnel ruiu. Só então, as autoridades chilenas iniciaram os socorros, monitorando 24 horas os mineiros. Especialistas em saúde, mineração, telecomunicações e segurança deram orientações, todos se mobilizaram e acompanham os trabalhadores até o final feliz.
No que diz respeito à especulação, falta de ética de algumas redes de comunicação jornalísticas, tanto tablóides quanto televisivas, o fato lembra o filme de Billy Wilder (Ace in the Hole, USA, 1951), onde o repórter Charles Tatum, vivido por Kirk Douglas armou toda uma situação para ficar famoso, especulando a possibilidade de prolongar a permanência de um mineiro preso numa mina, no Novo México. A propósito, já escrevi dois artigos sobre esse filme, os quais devem estar na internet, sendo que um deles com mais de 2 mil visitas acha-se disponível no http://pt.shvoong.com/humanities/1745709-montanha-dos-sete-abutres/
O resto da história sobre o resgate, todos sabem muito, pois os 69 dias em que os 33 mineiros ficaram embaixo da terra na Mina de San José, agora fazem parte da história, não só do país, mas do mundo, após um resgate fantástico, totalmente bem sucedido e, orgulhosamente e felizes, celebram a vida, como nunca fizeram antes.
O que poucos sabem, além dos próprios mineiros, é que durante esse tempo, alheios ao mundo fora da submersão da mina, esses homens aprenderam a conviver com a possibilidade da morte a qualquer momento. A experiência, na alma e na pele, de vivência e sobrevivência trouxe à tona o espírito de solidariedade do mundo todo, mas precisa também trazer à luz da razão que a índole humana precisa ser repensada e revista e não ficar soterrada nas profundezas do âmago da incompreensão.
*Professor do Centro de Biociência da UFRN