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20 de set. de 2008

HAJA SACO!

Haja Saco!
(Publicado no O Jornal de Hoje)
*Juarez Chagas
Hoje vou abrir uma exceção nos meus artigos científicos e literários para fazer uma observação de cunho pessoal, evidentemente respeitando o outro lado, mesmo sem concordar com o mesmo. É claro que a exclamação do título do artigo poderia ter sido mais amena, tipo “Haja paciência!”, ou algo assim. Mas, convenhamos, é preciso mais que muita paciência para suportar, aceitar ou conviver com certas coisas, independentemente de nossa vontade.
Vejamos dois exemplos pertinentes: como se não bastassem as campanhas políticas com toda sua maquiagem (não estou me reportando a questões políticas específicas e sim sociais) e o horário político obrigatório, com a quase totalidade de seus candidatos usando e abusando de hipocrisia, mentira, demagogia...como se fossem as mais naturais das coisas, vem aí o tal BBB9, ou seja, a 9ª versão do Big Brother Brasil. Se um desses exemplos já é demais, imaginem os dois associados, pois estaremos vendo ambos simultaneamente, em dose dupla, por esses dias.
No que diz respeito aos candidatos, é impressionante como eles “descobrem” todas as formas e fórmulas de resoluções de problemas pessoais, coletivos, municipais, estaduais e nacionais em épocas de eleições. Parece até uma safra de resoluções pra tudo que é problema. E o pior é que o povo ainda acredita e, muitos não são apenas coniventes ou omissos com essa realidade vendendo apenas seu voto, mas também a consciência e, por outro lado, quem compra, por força da “esperteza” e do hábito doloso, pendura a dívida no cordão do débito com a moral e a justiça para com o próximo e consigo mesmo.
Quanto ao tal BBB9 que infelizmente vem aí, mas que por outro lado, felizmente, mesmo para as pessoas que não gostam, e ainda tenham que aturar outras versões por mais três anos, está previsto que a TV Globo só produzirá o programa até 2011. Só?!
É bom lembrar que no início deste Ano, tivemos a versão anterior do BBB. Isso significa sucesso do programa e aceitação do mesmo pelo povo. Nessa época eu escrevi alguns artigos sobre o assunto no nosso Jornal de Hoje e um outro artigo num site português (http://pt.shvoong.com/humanities/1745709-montanha-dos-sete-abutres/), o qual também se acha no Google sob o título de A Montanha dos Sete Abutres e a Casa da Hipocrisia, onde uma analogia deste filme é feita com o BBB. O artigo está com quase mil visitas e das 5 estrelas, recebeu 4, na avaliação dos leitores, o que significa dizer que, a comparação não só foi bem aceita, mas também embasada segundo comentários dos leitores sobre este programa.
Mas, por falar em aceitação pelo povo sobre seus representantes políticos, programas televisivos e outras questões sociais, isso me faz lembrar o Artigo 1º de nossa Constituição da República Federativa do Brasil, onde em seu Parágrafo Único diz que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Ora, qualquer pessoa poderia concluir que se o poder emana do povo, para o povo e pelo povo, como normalmente em tom convincente e de barganha alardeiam os políticos usando o teor da constituição, por que então o povo não usa o poder para poder? É também factível que querer é poder? Estando as duas respostas corretas e positivas, só resta aceitar que a minoria está errada (no caso em discussão em não aceitar o engôdo político e nem gostar do BBB) e o povo, que é maioria, está certo e, portanto, tem o que merece, de fato e de direito e segundo o seu poder. E, enquanto tudo continua o mesmo sob o sol que brilha, haja saco!

*Professor do Centro de Biociências da UFRN (juarez@cb.ufrn.br)

A MONTANHA DOS SETE ABUTRES E A CASA DA HIPOCRISIA

A Montanha dos Sete Abutres e a Casa da Hipocrisia
(Publicado no O Jornal de Hoje e http://pt.shvoong.com/humanities/)

*Juarez Chagas


Os mais jovens e distantes da área jornalística, certamente nunca ouviram falar na Montanha dos Setes Abutres, um filme dramático, cuja repercussão nos anos 50 e 60, atingiu a mídia em cheio e a fez repensar a ética e a moral da imprensa, inclusive servindo como referência para vários cursos de jornalismo, mundo a fora.


O filme dirigido pelo austríaco Billy Wilder (Ace in the Hole, USA Paramount, 1951) conta a história de Charles Tatum, um jornalista inescrupuloso, magistralmente vivido por Kirk Douglas, o qual após perder vários empregos em grandes jornais, consegue esconder sua mediocridade e má sorte trabalhando num pequeno jornal, no Novo México, para lá enviado por seu editor para cobrir, a contra-gosto, uma caça às cascavéis que se concentraram no pequeno lugarejo. Claro que caçar cobras e lagartos e estampá-las num jornal nunca fora a ambição de Chuck Tatum. Isso era muito pequeno para ele, que se mostrava mais venenoso que as próprias cascavéis, quando se tratava de vencer na vida.

No desenrolar da história, observa-se notoriamente o caráter (não é certo se dizer que alguém não tem caráter ou personalidade, pois na verdade todos têm, sejam estes bons, duvidosos ou ruins) de Tatum, o qual destaca a notícia em detrimento da verdade e valor real dos fatos. Tanto assim é, que o mesmo debocha sarcasticamente de um aviso afixado no quadro da redação onde trabalha, “Diga a verdade!”.

Enquanto isso, entre uma migalha e outra, ele aguarda sua grande oportunidade para o grande “furo” de sua vida (daí o título do filme Ace in the Hole, que significa literalmente “Um Ás na manga”, ou um bom trunfo guardado...).

Finalmente, chega a grande chance de Chuck Tatum quando Leo Minosa, um homem simplório dono de um posto de gasolina, fica preso na caverna da "montanha dos sete abutres" , que servira de tumba a antepassados indígenas. A partir desse momento, Tatum arma um verdadeiro “circo” em torno do fato para ganhar notoriedade e, talvez até um prêmio jornalístico. Convence, chantage­ia autoridades locais e retarda em uma semana um resgate que poderia ser feito em poucas horas. Pior ainda, consegue manipular e controlar a inescrupulosa mulher de Leo (Ian Sterling), convencendo-a a não abandonar o marido soterrado e também, induzindo até o ambicioso xerife local, o qual estava somente preocupado com sua reeleição. Na verdade, foi criada uma trama de interesses, “comprada” pela opinião pública, que logo se manifesta em torno do acontecimento, tornando-se o contra-ponto da história.
Mesmo ainda numa época remota, comparando-se com o que temos hoje em termos de comunicação, A Montanha dos Sete Abutres é um excelente exemplo de como o público é levado a reagir frente a situações de extrema comoção ou sensacionalismo, especialmente quando veiculadas à exaustão pela mídia. No filme, à medida que o fato ganha importância, mais as pessoas se aglomeram ao redor da montanha, aguardando o desfecho final. A população elege Leo Minosa seu amigo preferido, apesar de o conhecerem apenas por uma foto publicada no jornal. O marketing e o comércio, também se fazem presentes, pois até um parque de diversões é instalado ao redor da montanha. O drama humano junto às circunstâncias reais ou inventadas pelo repórter para a trama e a abordagem sensacionalista embebedam o público, fazendo-o participar do fato, de fato, muitas vezes até coniventemente.
Na verdade, lembrei-me desse filme (e agora vem a segunda parte do título do artigo, a casa da hipocrisia) por ocasião da divulgação do BBB9, nos jornais e televisão, pois se formos fazer uma grosseira analogia entre ambos, vamos encontrar muitas semelhanças, principalmente no que diz respeito a escrúpulos (melhor dizendo, falta de), manipulação e especulação da mídia, usando pessoas sob a hipocrisia (porém real e fabricado) de um gordo prêmio, pago totalmente pela população consumista que se deixa levar por ilusões, mentiras e intrigas, maldosamente “fabricadas” com intuito de ibope, ganância e outras questões que só denigrem a essência humana.

É claro que no caso do filme, o premiado seria apenas o jornalista e, no máximo, a mulher da vítima e o xerife local. No caso do BBB, os finalistas, os promotores e a mídia, indiscutivelmente. Isso sem considerar os “estragos”causados às Natureza e Condição Humanas sob um confinamento velado (em sua mais “famosa” casa, como dizem os organizadores), para se arrancar comportamentos atípicos ou simplesmente para mostrar do que o ser humano é capaz, mesmo sob a condição de animais de laboratório.

Analisem a frase do diretor do programa Boninho disse ao lançar o BBB8, publicado num jornal da época, quando perguntado: “O que vocês farão nesta nova edição, para inovar um programa que já está no ar há oito anos?”. Vejam a resposta: “Tudo que for possível, não existe limites ou regras que devemos seguir”.
Isso só acontece porque tem público e grande e vale salientar que é este mesmo público quem patrocina (cada ligação que custa menos de 0,50 centavos e que muita gente deixa de comprar um pão para votar e que no total rende mais do que colaborações para o Criança Esperança, enchem os cofres dos patrocinadores e da tv responsável pelo programa) este “ilusório espetáculo”, onde as regras estimulam incentivar as “qualidades duvidosas e habilidosas” de seus participantes que devem “eliminar” seus concorrentes de qualquer jeito num “jogo de atitudes” que em nada acrescenta à índole do ser humano. Realmente, o povo tem o que merece!

* Professor do Centro de Biociência da UFRN(Juarez@cb.ufrn.br)