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26 de jun. de 2008

O HOMEM VITRUVIANO


O Homem Vitruviano
(Publicado no www.jornaldehoje.com.br)
Juarez Chagas

Há muito é sabido que o homem tem tentado, ao longo da trajetória da humanidade, representar o equilíbrio do ser humano com a Natureza através de algo que realmente contemple essa união. Evidentemente, que não tem sido fácil. Ora, se o próprio homem não tem andado em harmonia e em sintonia com a Natura Mater, como poderia representar bem esse equilíbrio?
Muitas tentativas foram feitas e muitos projetos realizados, isso ainda por volta da Idade Média, porém nenhum deles se aproximou tanto quanto o Homem Vitruviano, o qual é ícone tanto da cultura renascentista quanto da cultura moderna, no sentido do equilíbrio do homem com a Natureza
Assim sendo, os primórdios do Homem Vitruviano foram descritos pelo arquiteto romano Marco Vitrúvio (c.70-25 a. C.) em sua obra intitulada Os Dez Livros da Arquitetura, apresentado-se como um modelo ideal para o ser humano, cujas proporções são perfeitas, segundo o ideal clássico de beleza. Entretanto, com o passar do tempo a descrição gráfica se perdeu, sendo resgatada na Renascença, na arte de Leonardo Da Vinci (14521519), indubitavelmente, um dos maiores gênios da história da Humanidade.

É interessante lembrar que a vida e obra de Da Vinci são tidas como os momentos mais deslumbrantes da humanidade, principalmente por ter marcado o Renascimento como nenhum outro movimento em toda a história do ser humano. Para termos uma idéia da genialidade de Da Vinci, relembremos seus conhecimentos e habilidades, pois dentre as quais ele era cientista, inventor, engenheiro, mecânico, arquiteto, urbanista, botânico, anatomista, fisiólogo, químico, geólogo, cartógrafo, físico, escritor, músico, desenhista, precursor da aviação e da hidráulica, embora tenha sido mais reconhecido como pintor, por causa da quantidade, qualidade e importâncias de suas obras.
Dez anos antes do Brasil ser descoberto (apenas para comparar o fato, mostrando que o Brasil surgiu após a Renascença, embora noutro Continente), Da Vinci retomou, por encomenda, as ilustrações que apresentavam as teorias de Vitrúvio, sobre seu trabalho “L’Uomo di Vitruvio” e concluiu o Cânone das Proporções, como passou a ser chamado.
Mas, tem um importante detalhe pelo qual Da Vinci foi o mais bem sucedido dentre os outros artistas da época que também tentaram concluir a obra de Vitruvio. Ele era anatomista e, sabe-se hoje que, apesar da proibição da Igreja, ele exumou cadáveres, tendo sido um dos primeiros anatomistas a dissecar o corpo humano, mesmo antes de Vesalius. E ninguém entende e conhece realmente a anatomia sem a sua devida dissecação.

Ninguém desenharia tais proporções como ele o fez, sem o real conhecimento da anatomia, muito embora o maior desafio não tenha sido as proporções do homem e sim, adaptá-las dentro das formas geométricas, para representar tal idéia do homem e universo.

Na verdade, o Homem Vitruviano é um pentagrama humano, com o corpo de um homem nu com pernas abertas e braços estendidos ao mesmo tempo, dentro de um círculo e de um quadrado, cujo conjunto do desenho como um todo, encerra o sentido do Homem e a Natureza.
Por falar em pentagrama, o famoso desenho serviu, recentemente, como inspiração para o romance de Dan Brown, O Código Da Vinci ( Ed Sextante, 475 pgs, 2004), o qual sugere a elucidação de pentagramas e cuja trama envolve desde grandes organizações católicas conservadoras como a Opus Dei, até a sociedade secreta conhecida como Priorado de Sião, questionando a divindade de Jesus Cristo e tornando-se um dos mais recentes e polêmicos best sellers.
Uma questão moderna poderia surgir em torno do Homem Vitruviano, uma vez que não está havendo qualquer equilíbrio entre o homem e a Natureza. Muito pelo contrário. Fosse feita uma nova leitura do Cânone das Proporções, pelos olhos da consciência, ver-se-ia um círculo explodindo, um quadrado fragmentando e no meio, o homem se desintegrando, tudo isso predominantemente em cores amarelas, vermelhas e pretas.

Enquanto isso, o mais importante desenho do maior gênio da Humanidade (pelo conjunto de sua obra) destina-se, no momento, mais às inspirações de ficções polêmicas do que propriamente ao pensamento uno homem-Natureza, um pequeno mal-estar na história do Vaticano.

CADÁVER DESCONHECIDO


Cadáver Desconhecido
(Publicado anteriormente no Jornal de Hoje)
Juarez Chagas

A sociedade contemporânea, mais do que suas antecessoras, sempre combateu os tabus da humanidade, pois tabus não convivem harmoniosamente com o bem-estar social, nem tão pouco com o imaginário humano, seja individual, seja coletivo, pois estabelece uma grande barreira entre o conhecimento e o homem, fazendo-o permanecer na ignorância e, conseqüentemente, causando curiosidade, medo e angústia pelo desconhecido.
Religiões ocultas, ciências ocultas, misticismo, doenças misteriosas e terminais, sexo e morte, tem sido os tabus que mais tem atormentado a humanidade, ao longo do tempo. Porém, dentre todos os tabus existentes, nenhum tem sido tão persistente e intocável quanto a morte. Caberia, portanto a pergunta: porque todo o esforço que se tem feito até hoje para se discutir e divulgar sobre a morte não tem dado resultado efetivo? A resposta é simples: porque não tem sido feito através do mais importante veiculo e mais eficiente meio de comunicação e ensinamento, o qual seria através da educação.
Não adianta existir apenas inúmeros sites, homepages, organizações assistencialistas ou tratamentos psicológicos sobre a morte. A morte precisa ser discutida escolar e academicamente. Temos que transformá-la num segmento da disciplina de Biologia, medicina, antropologia e Psicologia (ou qualquer outra Disciplina na qual possa ser inserida) nas escolas, faculdades e universidades, porque somente assim poderemos conviver melhor com ela e passarmos a valorizar mais a vida, como realmente deveríamos. É preciso fazer o "inimigo" mostrar sua cara, para que não ocultemos a nossa. Não se pode combater um inimigo oculto.
A respeito disso e em virtude da divulgação de artigos sobre a morte, tenho recebido e-mails de pessoas com as mais variadas opiniões a respeito. Umas questionando o porque de se discutir tão delicado assunto; outras elogiando e estimulando a divulgação de algo tão oculto e amedrontador e, aplaudindo a iniciativa poor contribuir sobremaneira com o desenvolvimento humano. Enfim, dentre elas, teve uma que pediu uma explicação sobre o inicio de meus estudos a respeito da morte, querendo saber como surgiu tal interesse. Parece que chegou a hora de divulgar também sobre os trabalhos num sentido mais amplo e não individual.

Na verdade, tudo tomou impulso sobre estes estudos em 1984, quando eu já professor concursado da UFRN, no Departamento de Morfologia quando pela primeira vez, me deparei com a morte, no sentido academicamente pessoal (se é que assim poderia dizer), uma morte representada por um cadáver, o cadáver que dissecávamos, com fins de estudos, o cadáver desconhecido. O termo Cadáver Desconhecido, vem dos primórdios da anatomia. Era assim denominado por ser um cadáver anônimo e que não podia ser conhecido ao ser estudando. Passou pelas quatro escolas anatômicas existentes no mundo, a egípcia, a babilônica, a grega e a romana.

Foi veementemente protegido pela Igreja católica, que determinou que quem o dissecasse, seria condenado. Relegado por Galeno, Aristóteles e tantos outros médicos gregos ou não; foi, dissecado, às escondidas, inúmeras vezes por Da Vinci até que, finalmente, foi dissecado acadêmica e publicamente por Vesalius, o Pai da Anatomia, cujo método de dissecação até hoje é utilizado nas universidades, inclusive as nossas no Brasil, que seguem a escola anatômica européia, a antiga escola romana.
O Cadáver desconhecido, não é apenas um cadáver que atravessa os séculos e milênios, é mais que isso, pois é um símbolo verdadeiro do descobrimento e conhecimento do corpo humano através da exposição de suas estruturas orgânicas, o que possibilitou a criação da medicina consciente da máquina humana. É o primeiro “paciente” dos acadêmicos de medicina, sem cuja dissecação seriam incapazes de conhecer o corpo humano e, conseqüentemente de tratar devidamente o vivo. Sem ele ela não existiria nem saberíamos o que sabemos hoje sobre o tão famoso De Humani Corporis Fabrica (sobre a estrutura do corpo humano), por sinal titulo do mais famoso livro de Vesalius.

Diferentemente da morte, embora representando uma de suas faces, porém contribuindo para a vida, o cadáver desconhecido não poderia jamais ser um cadáver conhecido ou o cadáver de um conhecido, a menos que este doe seu corpo em prol da ciência (e mesmo assim, ainda de acordo com a bioética, não teria a mesma conotação de um cadáver conhecido).
Portanto, ao contrario da morte, que quanto mais devidamente conhecida e totalmente divulgada mais beneficio e harmonia traria, o cadáver desconhecido, carrega consigo, através dos séculos, os segredos das emoções de quem por ele passa, deixando um legado vivo de conhecimento em prol da ciência. Nesse caso, através dele, a morte enaltece a vida!

O CADÁVER DESCONHECIDO


O Cadáver Desconhecido (II)
(Publicado anteriormente no Jornal de Hoje)
Juarez Chagas

Muita coisa ainda poderia ser dita sobre o cadáver desconhecido. Mas, comentarei apenas dois ou três fatos importantes e relevantes, principalmente, para quem tem acompanhado os artigos e estudos sobre a morte. Como vimos no artigo anterior, Vesalius foi o primeiro a ousar dissecar o corpo humano, publicamente (cuja gravura aparece no fundo, na parede do anatômico, na foto ao lado). Ele sabia que o clero se curvaria às suas evidencias cientificas sobre o conhecimento do corpo humano, sem desafiar Deus. Isso, porque eles, além das rezas, precisavam também dos benefícios do conhecido do corpo humano. Mas, isso não ocorreu assim da noite para o dia. Os anos entre 1540 e 1555 foram decisivos e vitais para a ciência médica, pois a partir daí houve uma grande cisão entre a Igreja e a ciência médica (isso sem contar que Da Vinci, já por volta de 1511 dissecara cadáveres roubados para o estudo de sua perfeita anatomia transportada para suas telas. O Homem Vitruviano é a maior prova disso).

Como já se sabe, a dissecação de cadáveres humanos não só era proibida pela Igreja e autoridades governamentais, como punido era quem fosse apanhado dissecando corpos humanos post mortem, pois tal violação do corpo, após a morte era punida também com a própria morte, geralmente em praça publica. A lei era clara: os mortos deveriam ser chorados, velados e enterrados, independentemente de classe social. Foi isso que aconteceu com Miguel Servetus (nascido na Espanha e, cuja formação inicial era, ironicamente, teológica), por exigência da inquisição, tendo sido queimado em praça publica, juntamente com seus livros e tratados de anatomia. Por isso, passou a ser conhecido como o mártir da ciência. Mas, a ciência não podia parar e, movidos pelo ímpeto e desejo de aprender e desmistificar o proibido em prol do desenvolvimento da ciência, os anatomistas não se davam por vencidos. Além do mais, estavam vivendo os tempos da Renascença, o maior momento e movimento revolucionários da humanidade.

Assim, era comum os grupos de anatomistas se organizarem (normalmente formados por médicos e discípulos avançados) para estabelecerem dia, local e hora onde deveriam se encontrar para as proibidas dissecações noturnas que normalmente eram feitas em calabouços ou subterrâneos, à luz de vela ou lampiões de fogo.
Conta a história da anatomia que existia um código e uma senha entre eles e que um mensageiro especial avisava cedo do dia, passando secretamente na casa de cada um dos dissecadores, dizendo apenas a seguinte frase: care data vermis, o que significava dizer que à noite haveria dissecação. A frase em Latim significava que depois de dissecado, os restos mortais eram atirados aos vermes ou sumariamente enterrados após os estudos. Acredita-se, portanto, que a palavra cadáver tenha surgido da junção das primeiras silabas dessas três palavras, portanto simbolizando até hoje o Cadáver Desconhecido, não apenas como material de estudo da Anatomia, mas constituindo-se também numa personagem eterna para a ciência e medicina, especialmente.
As dissecações de Andréas Vesalius não só marcaram o mais fértil período da anatomia e definição da medicina, como também oficializou a figura simbólica e indispensável do cadáver desconhecido para o estudo da anatomia humana em todo o mundo. Nascia a ciência definitiva do corpo humano, mesmo que contemplada pela morte, mas para o bem da vida, uma aparente contradição que muitos demorariam a entender.

Dando continuidade aos estudos sobre a morte, em 1998, tive a grata surpresa de ter o trabalho “Cadáver Desconhecido–Lições Eternas de Anatomia”, contemplado com Menção Honrosa, concedida pela conceituada PUC do RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), obtido através do concurso nacional do Premio Professor Garcia do Prado de Anatomia Humana, onde apenas trabalhos de pesquisas e monografias na área médica foram premiados. Este trabalho faz um histórico sobre o cadáver desconhecido e a evolução da Anatomia, inclusive no Brasil e, conseqüentemente, apesar de simples, tornou-se um grande estimulo para o prosseguimento de estudos sobre a morte. Logo em seguida, após seleção de Mestrado na EPM-Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), apresentei a tese intitulada “Cadáver Desconhecido – Importância Histórica e Acadêmica para o Estudo da Anatomia Humana”, onde estudos mais profundos e pesquisas bibliográficas especificas foram trabalhadas. Tomei conhecimento de que a tese sobre este assunto foi pioneira no Brasil, no que diz respeito ao caráter filosófico sobre o tema em uma das Universidades mais importantes do Brasil.

Como podemos ver, apesar da moderna tecnologia ter tentado substituir o cadáver humano para estudos anatômicos, por modelos de plástico, ressurgiu recentemente nas mais importantes universidades do mundo, novamente a questão sobre a manutenção e controvéersias sobre a opção pela continuação da dissecação do corpo humano, através do cadáver desconhecido. Sabemos que nenhuma tecnologia substitui a maquina humana e a bela, extraordinária e imprescindível lição e conhecimento que ela nos proporciona.
Afinal, quem, se necessário fosse, teria dúvidas em ser cirurgiado e tratado por um medico que tenha dissecado o corpo humano ou por alguém que “aprendeu” anatomia em modelos de plástico ou borracha sintética? A diferença entre os dois conhecimentos é absolutamente inquestionável.