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6 de ago. de 2009

ELIZABETH KLÜBER-ROSS

Klüber-Ross
*Juarez Chagas

Falar, nos dias de hoje, sobre a finitude humana, seus cuidados e suas conseqüências biopsicossociais e não mencionar Elizabeth Klüber-Ross (Zurique/Suíça 1926 - Arizona/EUA 2004) como uma das principais referencia contemporânea, é no mínimo um grave descaso. Antigamente, quando se abordava questões sobre o mesmo tema, ninguém o fazia sem antes citar Schopenhauer, Durkeheim, Foucault, Freud e tantos outros, isso sem falar nos filósofos como Platão, Epicuro e, tantos outros, igualmente. Klüber-Ross tinha a Medicina como sonho e passou mais de três décadas fazendo pesquisa sobre a morte e o morrer, divulgando seus trabalhos, principalmente na Europa e Estados Unidos, onde morreu aos 78 anos de idade.

É importante dizer que Klüber-Ross vivia num “centro de uma controvérsia medica e teológica”, como ela mesma costumava dizer. Essa controvérsia, iria se evidenciar mais enfaticamente durante os últimos anos de sua vida, quando passou a afirmar que a morte não existe. Entretanto, a rica trajetória e experiência dessa pequena mulher obstinada (eu diria, fazendo uma analogia ao personagem de Dustin Hofman no filme O Pequeno Grande Homen, ter sido ela The Little Big Woman da Medicina) nos deixou um legado inestimável e, sobretudo, um exemplo a seguir no que se refere `as atitudes perante a morte.

Mas, para chegar ate aonde chegou, principalmente explorando e divulgando um assunto tão árido quanto assustador, encapuzado pelo tabu da ignorância e pavor social, Klüber-Ross quebrou barreiras, preconceitos, obstáculos e, principalmente, descaso de homens e instituições. Mas ela guardava em si uma das mais fortes e nobres qualidades do ser humano perante os óbices: a persistência e crença no que se propunha. É dela a frase que costumava dizer a si mesma quando queria fraquejar: “As adversidades somente nos tornam mais fortes, pois não há alegria sem dificuldades, não existe prazer sem dor”.

Quem leu seu ultimo livro, A Roda da Vida, o qual alem de seu trabalho e pesquisas, também nos remete quase a uma biografia pessoal, surpreende-se claramente ao perceber que ela era uma medica tão humana que sofria com e pelos pacientes, rezava e chorava com eles quando não tinha outro jeito e, nem por isso, tornou-se menos medica. Muito pelo contrario, valorizou, principalmente, o paciente terminal, cuja esperança seria morrer melhor acolhido, como um ser humano, com a identidade com a qual viveu durante toda sua vida.

E interessante frisar que Klüber-Ross teve inúmeros problemas ate conseguir ser um novo modelo na medicina no que diz respeito ao cuidar do paciente, pois enfrentou o descrédito de seus colegas de medicina quando se dedicou a entender o fenômeno do "morrer" em pacientes terminais. Submetendo-se ao ridículo quando orava junto a seus pacientes que lhe solicitavam. E a pergunta que mais ouvia nos corredores dos hospitais era: como pode uma profissional treinada para salvar vidas destinar seu tempo com aqueles com quem cuja vida se esvai, sem qualquer chance de devolvê-la?

Sua resposta viria mais tarde com o sofrimento e com o tempo, pois foi experenciando o morrer de seus pacientes que foi capaz de descrever em seu livro "Sobre a morte e o morrer", os principais estágios pelos quais passavam seus pacientes. Na verdade, através de sua forma humana de ser e atuar, teve a coragem de quebrar padrões e tradições estigmatizadas ao longo do tempo pela sociedade e imprimir uma revolucionaria forma de humanização no atendimento e cuidado do paciente, especialmente o paciente terminal, cuja esperança final reside no acolhimento da família e amigos, em seus últimos dias de vida.

Sobre uma importante experiência e lição que ela teve com uma faxineira de um hospital onde trabalhou, costumava dizer que “Nenhuma teoria ou ciência do mundo ajuda tanto uma pessoa quanto um outro ser humano que não tem medo de abrir o coração para seu semelhante”. Nesse hospital ela observou que esta faxineira conversava com seus pacientes terminais e, percebeu que quando a faxineira saía, os pacientes se sentiam mais animados e apresentavam atitudes mais otimistas. Começava aí a passos firmes de sua trajetória do entendimento e o estudo sobre a morte e o morrer que, posteriormente, viria a ser conhecido como Tanatologia.

Mas, essa fase seria apenas a base de seus estudos, pois viria muita coisa pela frente, assim como, muitos obstáculos também a serem enfrentados e vencidos. Aos poucos a experiência ganhava um sentido acadêmico único que somente a Dra. Klüber-Ross experienciava naquele momento. Ela via nitidamente que todos os seus pacientes terminais e, igualmente, todas as pessoas que sofrem uma perda, passavam por estágios semelhantes. Surgiam assim os cinco estágios (posteriormente conhecido como Modelo Klüber-Ross) através dos quais as pessoas passam ao lidar com a perda, o luto e a tragédia, segundo suas observações: 1. Negação (isolamento); 2. Cólera (raiva); 3. Negociação (barganha); 4. Depressão (reação ao conflito); 5. Aceitação (resignação).

Klüber-Ross, pode ser considerada hoje a mulher e médica que mudou a maneira como o mundo cientifico via e pensava sobre a morte e o morrer e este modelo se popularizou e se tornou conhecido como “Os Cinco Estágios do Luto ou da Dor da Morte ou da Perspectiva da Morte , encontra-se detalhadamente descrito no livro da autora intitulado A Roda da Vida – Memórias do viver e do morrer (The Wheel of Life - 1997 - Ed. Sextante - 313p), fonte imprescindível para quem busca um melhor entendimento para a questão da finitude humana, especialmente para profissionais da área. Cada um desses estágios, hoje muito bem aceitos pelos profissionais da saúde que cuidam, especialmente de pacientes terminais e idosos que se sentem desiludidos com a vida, tem um significado especial e nem sempre segue a mesma seqüência.

Gostaria de transcrever um texto do próprio livro de Klüber-Ross, tal qual ela expressa sua visão e sentimento sobre o obstáculo de enfrentar a morte e como a medicina tem esquecido essa realidade, ao longo do tempo:
“Talvez o maior obstáculo a enfrentar quando se procura compreender a morte seja o fato de que é impossível para o inconsciente imaginar um fim para sua própria vida. O inconsciente só é capaz de compreender a morte sob uma perspectiva: uma súbita e assustadora interrupção da vida por meio de uma morte trágica, um assassinato ou uma das muitas doenças horríveis que existem. Na mente de um médico, a morte significa outra coisa. Significa colapso, falência, declínio. Eu não podia deixar de observar como todos no hospital evitavam o assunto.

Naquele hospital moderno, a morte era um acontecimento triste, solitário e impessoal. Os pacientes terminais eram encaminhados para os quartos dos fundos. Na sala de emergência, os pacientes ficavam em total isolamento, enquanto médicos e parentes discutiam se deveriam ou não contar a eles o que havia de errado. Para mim, havia sempre uma única pergunta que precisava ser feita: “De que modo vamos todos, nós e ele, compartilhar essa informação?” Se alguém me perguntasse qual é a situação ideal para um paciente que vai morrer, eu voltaria à minha infância e descreveria a morte do fazendeiro que foi para casa morrer junta da família e dos amigos. A verdade é sempre a melhor opção.

Os grandes avanços da medicina haviam convencido as pessoas de que a vida deveria ser indolor. Como a morte estava associada à dor, o assunto era evitado. Os adultos raramente faziam referência a qualquer coisa que estivesse relacionada com a morte. As crianças eram despachadas para outros cômodos da casa quando o assunto era inevitável na conversa. Mas fatos são fatos. A morte é parte da vida, a parte mais importante da vida. Médicos brilhantes que sabiam como prolongar a vida não compreendiam que a morte era parte dessa mesma vida. Quando não se tem uma boa vida, estando aí incluídos todos os momentos finais, não se pode ter uma boa morte. A necessidade de explorar essas questões de um ponto de vista acadêmico, cientifico, era tão grande quanto era inevitável...”


Com a transcrição deste texto, na verdade, parte do cap 19 (Sobre a morte e o morrer), temos a essência do trabalho de Klüber-Ross que deveria ser parte de qualquer reflexão sobre a finitude humana, seja do ponto de vista cientifico, teológico ou filosófico.

É interessante lembrar que os pacientes que mais mereceram sua atenção e cuidado foram os pacientes considerados terminais e idosos em institutos de repouso, mas que se sentiam abandonados e desiludidos com a vida (falo com conhecimento de causa, pois durante o ano que passei num instituto para idosos como psicólogo clinico, pude vivenciar e aprender mais sobre a temporalidade e finitude do ser humano do que qualquer livro ou cursos puderam me ensinar), lamentavelmente é verdade que Kluber-Ross, que tanto cuidou de pacientes nessas condições, morreu abandonada e sozinha.

Exemplos como este, nos faz acreditar em ironia do Destino. Nesse caso não foi apenas um grave descaso referencial, foi um descaso com a própria dignidade humana

*Professor do Centro de Biociências da UFRN(Juarez@cb.ufrn.br)