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2 de jul. de 2009

O GAFANHOTO VOA




O Gafanhoto Voa
* Juarez Chagas

Quando li sobre a morte de David Carradine (1936-2009), no ultimo dia 4 deste mês, a principio não pensei escrever este artigo, talvez para que o mesmo não sugerisse apenas comentários oportunos, focado no ocorrido. Entretanto, a mídia continua a divulgar o assunto (principalmente nos EEUU e Europa) inclusive, porque pairam duvidas e suspeitas sobre a causa mortis do ator, então com 72 anos, onde alguns tablóides ficam divididos entre os motivos suicídio e jogos eróticos sexuais, uma vez que seu corpo teria sido encontrado nu e dependurado numa corda, num luxuoso apartamento de um hotel em Bangkok, na Tailândia. Carradine estava em Bangkok para as filmagens de "Stretch".

Eu prefiro me reportar ao que a pessoa e ator David Carradine significam para o mundo das artes cênicas, incluindo aí teatro, televisão e cinema pois o mesmo, independentemente de sua vida pessoal, tornou-se um invejável ícone, ao longo de mais de quatro décadas, com uma filmografia que soma quase 200 filmes e 30 seriados de tv.

Na verdade, David Carradine, pertence a uma família de atores, cujo sobrenome tornou-se uma importante marca no meio cinematográfico, a começar por seu pai, o velho John Carradine (um dos atores preferidos de John Ford, principalmente em papeis secundários) que acabou trazendo quase toda a família para as tela de TV e cinema.

É inegável que Carradine tenha ficado conhecido internacionalmente por causa do famoso seriado de TV intitulado Kung-Fu (1972-1975), marcando toda uma geração ocidentalizada que, de repente, resolve absorver princípios filosóficos do Oriente, através de uma historia (imagine só, baseada num dos mais famosos westerns americanos: Shane).

Na serie, Carradine interpreta Kwai Chang Caine, um andarilho criado por monges do Templo Shaolin, para se tornar um mestre de Artes Marciais (simplesmente chamado de Caine, ou Gafanhoto, por seu mestre, portanto observe a semelhança do nome, com Shane), tendo sido, pelo tamanho sucesso, indicado para os prêmios Emmy e Globo de Ouro. Temos que admitir que o americano faz cinema como ninguém e, suas formulas, algumas vezes absurdas, acabam transformando atores em verdadeiros padrões estigmatizados ou não. Carradine, por sua vez, transformou-se num ícone da televisão americana dos anos 70.

Sobre o seriado Kung Fu, há algumas considerações a fazer. Primeiro, o Kung Fu não chegou na América através de Carradine. Este apenas pegou uma carona no boom das Artes Marciais que invadiu a América no final dos anos 50, com seu auge nos Anos 60 e toda a década de 70, com a imigração de Japoneses e Chineses que estabeleceram sua cultura, sendo as Artes Marciais uma de suas principais bandeiras. Nesse contexto, como não podia deixar de lembrar, entra o Pequeno Dragão, Bruce Lee que, com sua arte e persistência conquistou, não apenas os EEUU, mas todo o mundo.

Porem, a historia de Lee Siu Lung (1940-1973) é uma das mais impressionantes historias de sucesso de um artista marcial na sociedade contemporânea. Entretanto, como não poderia deixar de ser, teve igualmente seus percalços, controvérsias e contradições. Na verdade, Bruce nasceu em São Francisco, Califórnia, quando seu pai passava por essa cidade, acompanhando uma opera de teatro chinês, da qual fazia parte. Bruce, só voltaria a América aos 19 anos para estudar Filosofia, na Universidade de Washington. Embora cidadão americano, o inicio de sua vida nos EEUU não foi fácil e, foi discriminado, trabalhou duro ate conseguir abrir sua escola de artes marciais. Porem, alem de seus alunos comuns, dava aulas particulares a celebridades como Steve MacQueen, James Coburn, Roman Polansky, Kareem Abdul Jabar, dentre outros. Isso foi o caminho para a tv e o cinema. Começava, então sua trajetória não apenas nas artes marciais, mas também cênicas.

Assim, em 1966 Bruce estréia, ao lado de Van Williams, no famoso seriado de TV, The Green Hornet (O Besouro Verde, 1966/1967), produzido por William Dozier (1908-1991), o mesmo produtor do seriado Batman. O seriado foi interrompido porque Kato (Bruce Lee), o motorista do Besouro Verde (Van Williams), com suas habilidades marciais, passou a ser mais famoso do que a personagem principal e, portanto, iria de encontro ao enredo original da historia. Resultado: fim do seriado e tristeza geral de todos.

Mas, em 1971, Bruce que colaborava com o projeto do seriado The Warrior (O Guerreiro), que viria a ser depois simplesmente Kung Fu, recebe um telegrama notificando que ele não seria o escolhido para o seriado e sim David Carradine. Isso, evidentemente, o indignou, como também aos fans, pois Carradine não sabia sequer, amarrar uma faixa de kimono, no entanto iria protagonizar um dos mais importantes seriados de TV da América.

De qualquer forma, o Destino já estava tomando suas providencias e, Lee passou direto para filmes lançados em Hong Kong, depois EEUU e Europa, com estrondoso sucesso, ate que veio sua consagração definitiva com Operação Dragão (Enter The Dragon, WB 1973), conquistando Holywood, como tanto sonhava. Resultado: as Artes Marciais vivem seu segundo boom! Foi lamentável o Pequeno Dragão não ter vivido para ver.

Carradine, por sua vez, também notabilizou o seriado que não perdeu sua forca e nem filosofia, muito pelo contrario, quem ganhou foi a TV e o cinema, e o publico, respectivamente. O Pequeno Dragão, deixou de lançar suas chamas em 20 de Julho de 1973 e agora o Gafanhoto voa.

*Professor do Centro de Biociências da UFRN(Juarez@cb.ufrn.br)