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17 de fev. de 2009

TRANSITORIEDADE

Transitoriedade
*Juarez Chagas

Uma vez, num certo dia bonito e ensolarado, Freud fez um passeio em companhia de um amigo mal humorado e de um jovem poeta, ao redor de uma rica paisagem de verão. Como bom observador que era, não apenas por força do ofício, mas também por percepção própria, ele tudo percebia, prazerosa e cuidadosamente sobre as companhias e o ambiente do qual estavam desfrutando. O inverno estava perto de chegar...

O poeta, por sua vez, admirava a beleza do cenário à sua frente, entretanto, o sábio psicanalista percebia que o mesmo não se alegrava com tamanha beleza que a Natureza lhe proporcionava. Ao contrário, sentia-se perturbado pela idéia de que aquilo tudo logo se extinguiria, pois sabia que o inverno estava às portas e chegaria a qualquer momento, mudando todo aquele belo cenário.

Segundo sua observação, Freud, achava que o sofrimento do rapaz estava indo mais além do que ele mesmo esperava e, para piorar ainda mais seu pessimismo, este dizia saber que, analogamente, o mesmo também ocorria com toda a beleza humana e, tudo mais que de belo havia, assim como tudo de nobre e de bom que o homem criara, estava fadado ao despojo e relegado à transitoriedade, pois isso era o destino de tudo!

Freud via que tinha à sua frente, naquele momento, o conflito do ser humano, visto através do jovem e inquieto poeta (todos os poetas são inquietos), gerado pelo fato do belo e do perfeito se mostrarem tão frágeis e efêmeros, frente à imensa Natureza e ao tempo ao qual todas as coisas estão destinadas. Assim, sendo, ele rapidamente concluiu que este estado conflituoso provoca duas tendências na psiquê humana: uma que pode conduzir o estado de uma pessoa ao doloroso cansaço e desilusão do mundo, como o presenciado no jovem poeta e, a segunda, uma possível revolta contra tal constatação, por não poder mudar o estado das coisas perante o que elas são, como são e o destino de sua existência.

Na verdade, essa rebelião ocorre pela incapacidade da própria pessoa em conflito, não conseguir responder porque todas as maravilhas da Natureza, do trabalho humano, dos sentimentos e de todas as conquistas humanas, em um dado momento ou de repente, desfazem-se em absolutamente nada, como são determinadas por sua própria natureza. Era assim que Freud percebia o problema, não apenas do jovem poeta, mas de muitas outras pessoas com os iguais conflitos.

Assim sendo, nesse contexto e nesse ponto, cabe o desejo e a exigência da imortalidade perseguida pelo ser humano, frente à sua realidade nua e crua, que é sua própria terminalidade e de tudo aquilo que, de repente, lhe parece se tornar tão efêmero!

Mas...é aí que, conscientemente, deveríamos nos perguntar se não seria exatamente por essa razão, por tudo parecer ou ser transitório para o ser humano, que cada coisa, cada tempo, cada momento, cada conquista e a própria Natureza deveriam ter maior valorização?

Ainda bem que, ainda durante esse mesmo passeio e diante de tal postulação do jovem poeta, Freud contesta sua visão pessimista de que a transitoriedade deva ser desvalorizada, exatamente pela brevidade do seu tempo, atribuindo a esse comportamento um poderoso fator emocional em ação, causando uma revolta psíquica contra o luto por um sofrimento antecipado. Portanto, Freud conclui que “o valor da transitoriedade é o valor da escassez no tempo”, que poderíamos, de certa forma, na minha oponião, traduzir como, “quanto menor o tempo das coisas que amamos e que temos, mais devíamos valorizá-las e vivê-las eternenamente”

A propósito, essa questão nos lembra algumas considerações de Morin (Método 5, 2005), dentre as quais ele diz que “o indivíduo humano, na sua autonomia mesma, é, ao mesmo tempo 100% biológico e 100% cultural. Submete-se à autoridade do superego social e absorve a influência e a norma de uma cultura; vive, sem parar, na dialógica descoberta por Freud entre o superego, o id pulsional e o ego. O indivíduo encontra-se no nó das interferências da ordem biológica e da pulsão e da ordem social da cultura; é o ponto do holograma que contém o todo (da espécie, da sociedade) conservando-se irredutivelmente singular”.

Portanto, o individuo sempre esteve entre os nós das interferências, residindo no cerne da transitoriedade, da temporalidade e em todo o contexto da terminalidade. É este o Destino do homem como indivíduo e quem sabe, também como espécie, caso, quem sabe o processo de perpetuação da espécie seja um dia modificado e comprometido através da evolução ou involução, através do tempo que parece tudo mudar.

Nesse sentido, cabe uma reflexão e uma pergunta. A pergunta é: se tudo o que vemos, sentimos, amamos, queremos, conquistamos, admiramos...nos parece tão transitório, não deveríamos mais ainda e exatamente por essa razão, valorizar tudo isso e viver tudo isso como se tudo fosse “eterno”? Quanto à reflexão, fica por conta de cada um de nós.
Por sinal, o dia hoje está belo e ensolarado...

* Professor do Centro de Biociência da UFRN (Juarez@cb.ufrn.br)

14 de fev. de 2009

KISSING COUSINS


Kissings Cousings
(Publicado no O Jornal de Hoje com
o título: O Outro Elvis?)
* Juarez Chagas

Conheço no mínimo, dois fãs de Elvis Presley (na verdade um fã e uma fã) sobre o qual se você falar mal do rei do rock ‘n Roll, é melhor eles não estarem por perto. Mas, não há como negar que o pior filme de Elvis foi “Kissing Cousins”, gostem ou não eles desse fato, mesmo não significando essa constatação generalizada, falar mal do maior fenômeno mundial da música pop.

Quando assisti a comédia musical “Kissing Cousins” (Com Caipira Não se Brinca, MGM, 1964) era um jovem que acompanhava a trajetória do Rock, como tantos outros da época que curtiam esse gênero musical. E foi no Cinema Rex (Natal), que, como era de se esperar, estava lotado!

Em Natal, o Filme só passou quase dois anos depois de seu lançamento nos EEUU. Nessa época, Elvis Presley estava ainda no auge, embora num plateau linear do sucesso e os Beatles, que já viviam o glamour da beatlemania, ainda o consideravam a pura magia do Rock n' Roll e, é bom dizer que, Lennon ainda não tinha se arrependido de ter comprado o mais recente disco do Rei do Rock e nem de ter pedido uma audiência para a banda dos 4 cabeludos de Liverpool aos assessores de Elvis (isso tinha ocorrido há uns 5 anos atrás) para um simples e tímido encontro que se só se tornaria famoso anos depois.

Na verdade, era o esperado encontro (que Elvis já tinha evitado algumas vezes) entre as duas mais fantásticas gerações do Rock que sacudiu o mundo, cada um à sua maneira e ao seu tempo. Por isso mesmo, Elvis era o Rei do Rock, que só teve um e os Beatles os Reis do iê iê iê (ou yeah, yeah, yeah) que também foram os quatro únicos. O encontro, certamente, deu muito o que falar, principalmente para revistas e jornais fofoqueiros em busca de furos jornalísticos.

Mas, não é sobre Elvis em si que quero comentar e sim sobre um pouco de sua obra e, em específico, sobre este filme, na verdade o 14º de sua filmografia, pois como sempre há muita coisa por trás de uma obra até ela se transformar na mesma.

Entretanto, é bom que se saiba que Elvis foi realmente a primeira estrela oficial do Rock ‘n Roll, muito embora muitos outros tenham existido antes dele, e que lhes abriram as portas, como o inigualável Chuck Berry, por exemplo. No início, apenas um jovem branco do Sul que cantava blues misturado com gospel e música country, mesclando nas canções o lado negro e branco, algo praticamente impossível (e desejado por muitos) naquela época. Pelo menos, muita gente pôde ver isso, cinematograficamente, e constatar em King Creole (Balada Sangrenta, trilha sonora do filme do mesmo nome, lançado em 1958).

Porém, não era apenas a mistura desses gêneros que fez de Elvis um cantor especialmente admirado e criticado ao mesmo tempo, mas também seu balanço de quadril e jeito de cantar e dançar conduzido por seu ritmo inebriante, que levava as garotas à loucura (e seus pais também, justamente pelo motivo oposto). Na realidade, por causa de seus trejeitos e modo de dançar, enfatizando os movimentos do quadril, Elvis ganhou o apelido de The Pélvis (Mas, até mesmo o show de Ed Sullivan, na época o mais liberal, só mostrava Elvis cantando da cintura pra cima...). A juventude via nisso tudo e em seu jeito rebelde de interpretar suas músicas e personagens de seus filmes uma forma de liberação da rebeldia jovem reprimida dos anos 50 e 60 e que, por outro lado, a velha geração que via nisso tudo um atentado aos bons costumes sociais da época, viviam em permanente conflito de gerações. Por isso, James Dean em Juventude Transviada (Rebel Without a Cause, 1955) e , Marlon Brando, em O Selvagem (The Wild One, 1953) causaram tanto frisson e confusão.

“Com Caipira não se brinca” (título nacional) foi uma comédia musical de baixíssimo custo que, na verdade, serviu mais pra divulgar novas canções do rei do rock do que a dramaturgia cinematográfica propriamente. Nesse filme, Elvis atua papel duplo de um soldado americano, chamado Josh Morgan e um caipira de nome Jodie Tatum, que por sinal é seu primo e vive no meio do mato, perto das montanhas, onde o exército pretende instalar uma base militar. Há também na família Tatum, além dos pais, duas primas lindas que têm também amigas vizinhas, normalmente cortejadas pelo caipira Jodie. É no meio desse ambiente e pessoas que a trama do filme musical acontece, duma maneira que não convence. Mas, o que importa? A platéia estava ali por causa de Elvis e suas músicas e isso era o suficiente!
Por outro lado, na minha opinião o filme traz um acontecimento interessante para a vida pessoal de Elvis que é a oportunidade do mesmo ter atuado duplamente ele mesmo, ao interpretar o papel duplo do soldado e seu primo caipira. Isso, certamente, deve ter remetido ao próprio Elvis, o fato de ter tido um irmão gêmeo, cujo nome era Jesse Garon e que morreu no mesmo dia em que nasceu (8 de Janeiro de 1935). Além disso, no filme Jodie Tatum é um Elvis loiro, o que na verdade todo mundo sabe que Elvis era realmente loiro e pintava os cabelos de preto para causar mais impacto e lhe dar mais charme do que ele já tinha.

Nesse sentido, a 7ª Arte o permitiu viver nas telas o que o Destino o negou em vida: os “gêmeos” compartilharem na ficção o que não foi possível na realidade.

* Professor do Centro de Biociência da UFRN (Juarez@cb.ufrn.br)

3 de fev. de 2009

O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON


O Curioso Caso de Benjamin Button
(Publicado no O Jornal de Hoje)
* Juarez Chagas

Movido pela inquietude sobre a finitude humana, passando pela pesada trajetória do fardo do envelhecimento e declínio da vitalidade orgânica, David Fincher, debruçou-se sobre o romance de F. Scott Fitzgerald (1896-1940) “O Curioso Caso de Benjamin Button” (1920), para tratar, fictícia e cinematograficamente da questão da terminalidade do ser humano, vista no sentido inverso, ou seja, a história de um homem que já nasce velho e tem seu processo vital processado do senil para o infantil. Uma bela trama, enriquecida pela ficção, porém baseada no mais enigmático, assustador e real processo do desenvolvimento humano: a morte.

Francis Scott Fitzgerald é considerado um dos maiores escritores americanos do século XX. Sem falar de seus outros sucessos, quem não lembra de The Great Gatsby (O Grande Gatsby, 1925), seu terceiro livro e que foi escrito inteiramente na França dos anos 20? Um dos mais representativos romances americanos, o qual descreve a vida da alta sociedade, no sentido crítico da palavra. Este livro foi, na opinião dos críticos, um balde de água fria no high society americano da época. Mas, o mais interessante é que, já em 1920, o autor pretendia, de forma contundente, chamar a atenção da sociedade para a questão da terminalidade humana, fato na época, praticamente impossível de ser discutida com tal conotação social.

Retomando o filme homônimo dirigido por Fincher, na New Orleans de 1918, quando a Primeira Guerra está chegando ao fim, a estória começa tratando de um homem que, sem qualquer explicação, nasce um bebê velho e inexplicavelmente começa a rejuvenescer, para ter o seu final exatamente no início. Retrospectivamente, o filme começa pelo final, com a Sra. Daisy (Cate Blanchett) morrendo num leito de hospital, tendo a filha ao seu lado, acompanhando-a em sua despedida ao mundo dos vivos.

É interessante observar que, tanto a mãe quanto a filha, demonstram, nesse momento crítico, um inegável desejo de terem suas vontades atendidas. A filha querendo estar presente na despedida da mãe e, esta por sua vez, desejando contar sua verdadeira história, até o fim, antes que pereça. A câmera abre um close em zoom do rosto senil e sofrido da Sra. Daisy, balbuciando palavras quase imperceptíveis, sugerindo que vai sucumbir a qualquer momento.

- O que você está olhando, Caroline? Indaga à filha que está olhando pela janela.
- O vento, mamãe. Anunciaram que um furacão está chegando aqui. Responde deixando a janela e sentando-se à beira da cama (O Furacão Katrina estava ameaçando).
- Me sinto um barco à deriva.
- Posso ajudá-la de alguma forma, mamãe...para aliviá-la?
- Oh, querida. Não há nada o que fazer. Temos que aceitar. É difícil manter meus olhos abertos. Parece que há algodão na minha boca. Sente o peso e a dor do declínio orgânico e cada vez mais, a impossibilidade de manter vivo o próprio corpo.
- Quer mais remédio, mamãe? O Doutor disse que pode tomar o quanto quiser. Minha amiga disse que não teve a chance de se despedir de sua mãe. Eu queria...dizer que sentirei muitas saudades. Ambas se abraçam demoradamente e parecem chorar um pouco.
- Está com medo?
- Estou curiosa....o que acontece depois da vida?

É assim que começa o filme e, ambas conversam mais enquanto a Sra. Daisy manda sua filha pegar um diário em sua mala para que leia para ela. É o testamento e diário de Benjamin Button. Na verdade, a sua história, narrada por ele mesmo, envolvendo intimamente a história dessas três pessoas, numa só. Benjamin e Daisy tiveram um romance de infância que se estendeu por toda a vida, porém conturbado e fragmentado, tornando ambos tanto felizes quanto infelizes em sua trajetória amorosa. Essa perda, certamente, também fez parte do processo da finitude a qual todos estão fadados.

Como já foi dito anteriormente, Benjamin Button (Brad Pitt) vem ao mundo em circunstâncias extraordinárias, estranhas e incomuns exatamente no dia em que a Primeira Guerra Mundial termina. Sua mãe morre após o parto e seu, transtornado pai o abandona na porta de um asilo sendo acolhido por Queenie, a cuidadora do lugar, que julga ser este bebê idoso um milagre de Deus, criando-o como filho. "Eu nasci em circunstâncias incomuns." Costumava dizer Button, quando alguém lhe questionava seu estado e idade.

Enquanto vivia no asilo, sob os cuidados e proteção de Queenie , sua mãe de criação (Taraji P. Henson) Benjamin conhece Daisy, uma menina de apenas 5 anos por quem se apaixona de imediato. Assim sendo, apesar de seu aspecto de velho, ela também gosta do estranho amigo, por quem começa a desenvolver uma admiração oculta.
Com o passar dos anos, a relação entre os dois se torna próxima, mesmo quando Benjamin decide se tornar marinheiro, viajando o mundo em um rebocador, ou quando Daisy (Cate Blanchett) vira uma grande bailarina em Nova Iorque. Quando os dois se reencontram, porém, as diferenças entre eles se acentuam pelo tempo distante. Decididos a ficarem juntos e superar qualquer problema, logo eles percebem a dificuldade de um relacionamento em que a diferença de idade se torna cada vez maior

O filme lembra um pouco Forest Gump, não apenas por ter tido o mesmo roteirista Eric Roth, mas pela própria história fantástica contada quase como uma fábula. Mas, não chega a ter ironias cômicas, como no primeiro. As locações, a fotografia, a trilha sonora e os costumes da época, eu diria, são impecáveis. Algumas cenas foram tomadas no Canadá, onde quem já lá esteve, pode relembrar a neve, o gelo e as lindas paisagens frias do inverno que contrastam com alguns dias ensolarados de New Orleans Isso tudo além, de podermos ver, num determinado momento, o casal namorando ao som dos Beatles num show de tv dos anos 60.

Eu li vários comentários de muita gente sobre o filme, mas um dos que mais me chamou a atenção, embora nao concorde com o mesmo, foi do músico e comediante Sean Morey que disse o seguinte:
“A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade. Você vai para colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando. E termina tudo com um ótimo orgamos! Não seria perfeito?”.

Na verdade, F. Scott Fitzgerald inspirou-se na famosa frase de Mark Twain, que dizia: "A vida seria infinitamente mais feliz se pudéssemos nascer aos 80 anos e gradualmente chegar aos 18”. Nessa época, Twain achava que as pessoas se contentariam apenas em ser octogésimas. Oscar Niemeyer, que está quase com 102, não iria gostar da idéia, certamente

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)