Transitoriedade
*Juarez Chagas
Uma vez, num certo dia bonito e ensolarado, Freud fez um passeio em companhia de um amigo mal humorado e de um jovem poeta, ao redor de uma rica paisagem de verão. Como bom observador que era, não apenas por força do ofício, mas também por percepção própria, ele tudo percebia, prazerosa e cuidadosamente sobre as companhias e o ambiente do qual estavam desfrutando. O inverno estava perto de chegar...
O poeta, por sua vez, admirava a beleza do cenário à sua frente, entretanto, o sábio psicanalista percebia que o mesmo não se alegrava com tamanha beleza que a Natureza lhe proporcionava. Ao contrário, sentia-se perturbado pela idéia de que aquilo tudo logo se extinguiria, pois sabia que o inverno estava às portas e chegaria a qualquer momento, mudando todo aquele belo cenário.
Segundo sua observação, Freud, achava que o sofrimento do rapaz estava indo mais além do que ele mesmo esperava e, para piorar ainda mais seu pessimismo, este dizia saber que, analogamente, o mesmo também ocorria com toda a beleza humana e, tudo mais que de belo havia, assim como tudo de nobre e de bom que o homem criara, estava fadado ao despojo e relegado à transitoriedade, pois isso era o destino de tudo!
Freud via que tinha à sua frente, naquele momento, o conflito do ser humano, visto através do jovem e inquieto poeta (todos os poetas são inquietos), gerado pelo fato do belo e do perfeito se mostrarem tão frágeis e efêmeros, frente à imensa Natureza e ao tempo ao qual todas as coisas estão destinadas. Assim, sendo, ele rapidamente concluiu que este estado conflituoso provoca duas tendências na psiquê humana: uma que pode conduzir o estado de uma pessoa ao doloroso cansaço e desilusão do mundo, como o presenciado no jovem poeta e, a segunda, uma possível revolta contra tal constatação, por não poder mudar o estado das coisas perante o que elas são, como são e o destino de sua existência.
Na verdade, essa rebelião ocorre pela incapacidade da própria pessoa em conflito, não conseguir responder porque todas as maravilhas da Natureza, do trabalho humano, dos sentimentos e de todas as conquistas humanas, em um dado momento ou de repente, desfazem-se em absolutamente nada, como são determinadas por sua própria natureza. Era assim que Freud percebia o problema, não apenas do jovem poeta, mas de muitas outras pessoas com os iguais conflitos.
Assim sendo, nesse contexto e nesse ponto, cabe o desejo e a exigência da imortalidade perseguida pelo ser humano, frente à sua realidade nua e crua, que é sua própria terminalidade e de tudo aquilo que, de repente, lhe parece se tornar tão efêmero!
Mas...é aí que, conscientemente, deveríamos nos perguntar se não seria exatamente por essa razão, por tudo parecer ou ser transitório para o ser humano, que cada coisa, cada tempo, cada momento, cada conquista e a própria Natureza deveriam ter maior valorização?
Ainda bem que, ainda durante esse mesmo passeio e diante de tal postulação do jovem poeta, Freud contesta sua visão pessimista de que a transitoriedade deva ser desvalorizada, exatamente pela brevidade do seu tempo, atribuindo a esse comportamento um poderoso fator emocional em ação, causando uma revolta psíquica contra o luto por um sofrimento antecipado. Portanto, Freud conclui que “o valor da transitoriedade é o valor da escassez no tempo”, que poderíamos, de certa forma, na minha oponião, traduzir como, “quanto menor o tempo das coisas que amamos e que temos, mais devíamos valorizá-las e vivê-las eternenamente”
A propósito, essa questão nos lembra algumas considerações de Morin (Método 5, 2005), dentre as quais ele diz que “o indivíduo humano, na sua autonomia mesma, é, ao mesmo tempo 100% biológico e 100% cultural. Submete-se à autoridade do superego social e absorve a influência e a norma de uma cultura; vive, sem parar, na dialógica descoberta por Freud entre o superego, o id pulsional e o ego. O indivíduo encontra-se no nó das interferências da ordem biológica e da pulsão e da ordem social da cultura; é o ponto do holograma que contém o todo (da espécie, da sociedade) conservando-se irredutivelmente singular”.
Portanto, o individuo sempre esteve entre os nós das interferências, residindo no cerne da transitoriedade, da temporalidade e em todo o contexto da terminalidade. É este o Destino do homem como indivíduo e quem sabe, também como espécie, caso, quem sabe o processo de perpetuação da espécie seja um dia modificado e comprometido através da evolução ou involução, através do tempo que parece tudo mudar.
Nesse sentido, cabe uma reflexão e uma pergunta. A pergunta é: se tudo o que vemos, sentimos, amamos, queremos, conquistamos, admiramos...nos parece tão transitório, não deveríamos mais ainda e exatamente por essa razão, valorizar tudo isso e viver tudo isso como se tudo fosse “eterno”? Quanto à reflexão, fica por conta de cada um de nós.
Por sinal, o dia hoje está belo e ensolarado...
* Professor do Centro de Biociência da UFRN (Juarez@cb.ufrn.br)
17 de fev. de 2009
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