Scaramouche (II)
*Juarez Chagas
Scaramouche volta no artigo de hoje a pedido de pelo menos três leitores, para saber mais a respeito dessa grande novela romântica que encantou a Europa e o mundo, após a Revolução Francesa.
Na verdade, o romance literário Scaramouche, de Rafael Sabatini escrito em 1921, apesar de manter o cerne da questão pré-revolucionária da França, vivida por um inquieto jovem aristocrata, com conflitos de ordem paterna, difere em muitos aspectos de Scaramouche, o filme. Neste último, além do excelente roteiro de Ronald Millar, do aspecto visual das locações, trajes da época e da beleza de uma França saudosa, o expectador pode também se deleitar com o modus vivendi de uma nação que respirava revolução por novos tempos, tendo a arte, principalmente através do teatro e da literatura, seus principais meios de contestar um reinado opressor do povo. Era preciso um ou mais heróis...e assim, surge Scaramouche, no momento certo para, de uma forma tão hilária quanto séria, contestar um reinado vitalício da nobreza que, na verdade, vivia às custas do povo, mas o oprimia como se fosse dever deste servi-lo e obedecer suas leis ultrapassadas.
Mesmo tendo conhecimento do teatro ambulante de Binet, o mais famoso da França, na época, André Moreau, sendo também um artista de teatro ambulante, jamais imaginara que iria, sob circunstancias adversas (pois estava sendo perseguido pelos homens de De Maynes), ter contato com este teatro, já encenando forçosamente, uma peça, no lugar do mais famoso palhaço da França, o qual, por motivos de embriagues não conseguia mais cumprir com seus compromissos artísticos. Na verdade, o verdadeiro Scaramouche era também um fracassado revolucionário, fato este desconhecido pelo próprio elenco de Binet.
Quando fugia dos homens de De Maynes, por ser amigo de Marcus Brutus (o amigo subversivo cujos pais criaram André, também) e estar visitando Aline de Gavrillac, a jovem protegida do Marques de De Maynes e, por quem André Moreau se apaixonara à primeira vista, esconde-se nos bastidores do teatro de Binet, onde ao entrar no camarim do teatro, se depara com Scaramouche, totalmente embriagado e esperando para ser chamado para entrar em cena, no palco. Ao perceber André entrar inesperadamente nos aposentos, o palhaço que, mal consegue ficar em pé, age como se estivesse em frente ao público, pois imaginara que André tivesse vindo arrastá-lo para o palco. Vale a pena lembrar este primeiro e decisivo encontro de André Moreau com Scaramouche, personagem que seria seu, a partir deste dia.
-Bem-vindo, amigo! Mil vezes bem-vindo! (André responde com Pssiuu, olhando para os lados para certificar-se que os soldados de De Maynes não estavam por ali).
- Pssiuu pra você, também. Mil vezes Pssiuuu! Qual é o seu nome? (ao invés de responder André passa o ferrolho na porta, o que causa um barulho característico).
- É mesmo?... Prazer em conhecê-lo (como André não lhe dá atenção, o palhaço se aproxima com dificuldade, para olhá-lo de perto).
- E qual é o meu nome, pergunte-me! Quem sou eu? (André gesticula com a mão, demonstrando preocupação com o ambiente, olhando para todos os lados).
- Não está interessado... Nesse caso, devo me apresentar a mim mesmo. Você sabe quem é esse? (André finalmente, olha o palhaço em sua eloqüência teatral, porém bêbado).
- Scaramouche! Sim, Scaramouche. Mas, quem é Scaramouche? E porque ele esconde seu rosto atrás de uma máscara? Você não sabe? Então, vou lhe mostrar...(Então, tira a máscara que esconde o rosto mais feio que André já vira, até então...)
- Scaramouche é...(cai desmaiado, enquanto André ouve, lá fora, os homens de De Maynes se aproximarem).
A partir daí começa (não somente para André, que troca de roupa com o palhaço para se livrar dos soldados e é levado subitamente pelos outros atores para o palco, mas para todos que acompanham a história), a verdadeira epopéia de Scaramouche, em sua luta, busca e revelação de sua verdadeira identidade, em combater seu pior inimigo e, ainda por cima, protetor de sua amada, por ordem da Rainha. Mas, agora André, leva avante a causa revolucionária de seu amigo, fazendo justiça a tríade Égalité, Fraternité, Liberté. Para se esconder da lei, junta-se a trupe itinerante da Commedia dell'Arte de M. Binet. Mas seu sonho é agora dominar a espada, conquistar seu amor e se vingar do tirano De Maynes, que no final das contas é seu irmão e, nenhum dos dois sabia, antes do magistral duelo entre ambos, culminando com a vitória de André. O pai de seu amigo e que o criara também como filho, o procura e conta-lhe toda a verdadeira história. André é filho bastardo do Marquês de De Maynes, pai do Noel De Maynes, atual marquês da Rainha, sua prima.
Ironias do Destino à parte, Scaramouche foi, em seguida adaptado na peça de Barbara Field e também nos clássicos cinematográficos, tendo sido sua primeira versão em 1923, estrelado por Ramón Novarro, e refilmado em 1952 com Stewart Granger, dirigido por George Sidney. É um clássico da Literatura e da Sétima Arte, conseguida hoje, apenas com colecionadores do gênero. Mas, mesmo assim, vale a pena conseguir, ler e ver!
Professor do Centro de Biociência da UFRN (Juarez@cb.ufrn.br)