*Juarez Chagas
Lacan (1901 – 1981), o dileto e predileto discípulo de Freud, dizia que “tudo está nas entrelinhas”, tendo seu trabalho influenciado os intelectuais dos anos 60 e 70, principalmente os filósofos estruturalistas.
O trabalho freudiano de Lacan era interdisciplinar, porém pautado no inconsciente, complexo de castração, ego, identificação e a palavra como percepção subjetiva. Isso tudo causava grande impacto social e o tornava um dos principais revolucionários da psicanálise moderna.
Falei sobre a frase de Lacan porque me veio uma grosseira analogia, aproveitando a onda global sobre a eleição do Tiririca. A comparação poderia ser, analogamente, que tudo poderia estar entre o voto debochado, no sentido de que o eleitorado que votou no palhaço Tiririca apenas fez uma palhaçada com o sistema eleitoral, quem sabe, tendo o governo como mira. E assim, cada um que nele votou, se deleitava com essa sátira que, no fundo, nada mais era do que uma revolta pessoal contra o sistema.
Na verdade, o que se viu foi uma reação de protesto individual e coletivo contra a instituição política brasileira, onde parcela do povo indignado aproveitou para satirizar o político brasileiro, transformando Tiririca no novo herói nacional, campeão de voto popular, comprovando que, se o povo quiser, faz valer o 1º artigo da Constituição Brasileira, no qual diz que todo o poder emana do povo e para o povo e, de quebra, reforçando que humor e deboche são armas poderosas que podem ser acionadas quando tiverem chance de disparo livre. O alvo? Política, governo, sistema. O disparo fulminou todos ao mesmo tempo.
A propósito, já a partir da campanha do Tiririca, começou o engraçado e divertido deboche, admitamos. Em um das gravações na internet, a mesma que foi ao ar na TV durante a campanha, pra começar ele aparece na televisão com o rosto encoberto com as mãos, convidando o eleitor a uma brincadeirinha de adivinhação debochada: “adivinha quem tá falando? Duvido vocês adivinhá (finalmente tira as mãos do rosto) ah!ah!ah!!!! Sou eu o Tiriricaaaaa!!! Candidato a deputado federal! 2222, não esqueça. Peguei vocês!, Enganei vocês!, vocês pensô que fosse outra pessoa. Sou eu, o abestado. Vote 2222 ah!ah!ah!!!”.
Esta foi apenas uma das aparições e propaganda do Tiririca na televisão. Existiram outras, cujo deboche e comicidade garantiram boas risadas para muitos ou indignação para tantos outros. Seu lema: “vote em Tiririca, pior do que tá não fica!”, ou então "O que é que faz um deputado federal? Na realidade, eu não sei. Mas vote em mim que eu te conto". Outras aparições na TV, dançando, rebolando, debochando com músicas como “Florentina”, completaram o cenário. Resultado: Tiririca foi Eleito o Deputado Federal para São Paulo mais votado com mais de 1,3 milhão de votos. Ganhou disparado de Gabriel Chalita, que é professor, educador e escritor e, um dos mais votados, também em São Paulo.
Agora, a Justiça quer cassar sua eleição e representatividade por provável analfabetismo, o que seria uma desonra e vergonha como deputado federal para o congresso. Cabe a pergunta: comprovado seu analfabetismo, seria essa sua condição (talvez negada pelo próprio Estado aos iletrados) mais vergonhosa do que os mensalões, os cuecas-cofres e os fichas sujas?
É uma pergunta que só a Reforma Política que nunca chega, poderá responder, pois a vergonha nacional repousa em berço esplêndido no planalto, na câmara e na (in)justiça, quando políticos doutores e “notórios-saberes” mancham filosofia da política e enganam os simplórios como se fossem práticas normais.
Também num país como o nosso, onde os Big Brothers (já em seu 11º ano) da mídia, a guerra entre mocinhos e bandidos (RJ), a corrupção e outras mazelas causada pelo ser humano, são exemplos de ibopes, portanto, não haveríamos de estranhar mais nada.
Assim sendo, enquanto Tiririca tem dez dias pra aprender a escrever o nome e, justificar que não é analfabeto, e o Presidente Lula que também nunca foi afeito à leitura, levou oito pra escrever um capítulo da história do Brasil, vamos corroborar Jacques Lacan, com um pequeno adendo à sua frase: “tudo está nas entrelinhas, porque as linhas já transbordaram seus conteúdos há muito tempo e ninguém quis ver”.
* Professor do Centro de Biociência da UFRN (Juarez@cb.ufrn.br)