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22 de dez. de 2008

O HOMEN DE NAZARETH


O Homem de Nazareth
(Publicado no Jornal de Hoje)
* Juarez Chagas


Nada mais do que oportuno falar, nesta época natalina, do legado que Jesus Cristo deixou à humanidade no que diz respeito ao seu contexto renovador, para não falar, especificamente, da importância da cristandade entre os homens, e também lembrar sua fonte de inspiração poética.

Independentemente de espiritualidade, religião, e toda a sua infinita bondade, Jesus Cristo também foi o maior filósofo e revolucionário de todos os tempos. Assim sendo, os simples mortais ditos revolucionários, por menos comparações que se possa fazer com Ele ou com inspirações advindas d’Ele, às vezes conseguiam (e conseguem) transmitir momentos destas inspirações. Muitos artistas e cantores, em todo o mundo, em momentos sagrados de reflexões, inspiraram-se nas lições de Cristo, resultando em belas canções e melodias que, agradam não somente aos ouvidos, mas também à alma e ao coração.

No Brasil, dentre esses artistas e cantores, é claro, lembramos logo de Roberto Carlos, que fez até o Papa João Paulo II entoar “Jesus Cristo”, durante a sua visita ao Brasil. Porém, existem outros artistas pop para quem Jesus Cristo foi grande inspiração musical, dos quais não podemos esquecer, como Antonio Marcos, por exemplo.

Antonio Marcos Pensamento da Silva (1945-1992) foi cantor pop, romântico e da Jovem Guarda, tendo sido também, por vezes, companheiro da dupla Erasmo e Roberto Carlos. A propósito, “Como Vai Você?", gravada por Roberto Carlos (regravada por Maria Bethânia, Zezé Di Camargo e Luciano e outros) e que muitos pensam ser de autoria de RC, vendeu mais de 700 mil discos no auge dos anos 60. Além de O Homem de Nazareth, Antonio Marcos cantou também Eu Queria Tanto Falar com Deus e Oração de Um Jovem Triste (75), todas de sentido religioso e de Fé Cristã.

A vida pessoal de Antonio Marcos foi um tanto confusa e conturbada, pois o mesmo consumia álcool abusivamente, o que afetou não somente seu organismo, mas também sua carreira artística e pessoal. Casou em 1972 com a cantora Vanusa e depois com a atriz Débora Duarte, sendo, portanto pai de Paloma Duarte. Esteve doente várias vezes e antes de falecer, esteve internado em Natal, na Casa de Saúde São Lucas, antes de retornar à São Paulo, onde finalmente não superou a doença.

Antonio Marcos foi um dos importantes cantores do Brasil, principalmente no que diz respeito à música pop e à época dos Anos Dourados, onde era um dos mais aclamados pelo povo e pela mídia. Quanto à música O Homem de Nazareth, que eu me lembre, ele cantou com inspiração e fervor e conduziu muita gente a essa mesma inspiração de Fé Cristã associada à inspiração jovem. Confira nas duas estrofes seguintes o teor de sua mensagem:


O Homem de Nazareth
(Antonio Marcos)

Mil novecentos e setenta e três
Tanto tempo faz que ele morreu
O mundo se modificou
Mas ninguém jamais o esqueceu
E eu sou ligado no que Ele falou
Sou parado no que Ele deixou
O mundo só será feliz
Se a gente cultivar o amor

Hey irmão, vamos seguir com fé
Tudo que ensinou o Homem de Nazaré (bis)
Reis e rainhas que esse mundo viu
Todo o povo sempre dirigiu
Caminhando em busca de uma luz
Sob o símbolo de sua cruz
E eu sou ligado no que Ele falou
Sou parado no que Ele deixou
O mundo só será feliz
Se a gente cultivar o amor
Hey irmão, vamos seguir com fé
Tudo que ensinou o Homem de Nazaré (bis)

Ele era um Deus mas foi humilde o tempo inteiro
Ele foi filho de carpinteiro
E nasceu em uma manjedoura
Não saiu jamais muito londe de sua cidade
Não cursou nenhuma faculdade
Mas na vida Ele foi doutor

Ele modificou o mundo inteiro
Ele modificou o mundo inteiro
Ele modificou o mundo inteiro
Ele revolucionou o mundo inteiro

Hey irmão, vamos seguir com fé
Tudo que ensinou o Homem de Nazaré (bis)

Desejamos a todos os nossos leitores e nossas leitoras UM FELIZ NATAL e um FELIZ ANO NOVO! E que sigam com Fé na busca de seus sonhos e ideiais.

Professor do Centro de Biociência da UFRN (Juarez@cb.ufrn.br)

16 de dez. de 2008

ANIMAIS IRRACIONAIS(SOMOS TODOS MEIO)

Animais Irracionais, nós os homens somos todos Meio...
(Publicado no O Jornal de Hoje)
* Juarez Chagas

“Animais, animais
Nós os homens somos todos meio
Animais irracionais
Levantamos, guerreamos e deitamos e rezamos antes
A vida é um sonho e nada mais!
Oh, cantem atrás...”

Quem era adolescente nos anos 70 que acompanhava o movimento musical da época (por sinal eu era um deles) e que, no mínimo, conhecia o refrão acima, da música de Dom & Ravel “Animais Irracionais (somos todos meio)”, sabia que esta talvez tenha sido a música-protesto mais forte da década e mais um veículo de contestação bem aceito pelos jovens sempre dispostos a alfinetar o “sistema” e a burguesia social e etc e tal.

A música, sucesso nacional indiscutível, batia forte na ditadura e nos poderosos especuladores (tanto nacionais quanto internacionais, no nosso Brasil) que exploravam os pobres e oprimidos, arranjando sempre uma forma de burlar o fisco, coisa que o cidadão comum e honesto não fazia e ainda tinha seu “imposto de renda” (que renda?) deduzido direto do contracheque. Era “contra”cheque mesmo. Aliás, ainda hoje é assim. Na verdade, quem impulsiona a máquina do governo é o povo que paga seu imposto, que em contra-partida, lhe devolve uma educação ruim, saúde idem...(pra citar somente esses dois bens dos quais qualquer nação deveria se orgulhar).

Mas, retomando a trajetória musical desta dupla de irmãos cearenses, a qual é rica e contraditória, igualmente, pois, à primeira vista, tanto parecia cantar e enaltecer valores defendidos pela Direita, como ao mesmo tempo protestavam contra a ganância, injustiça e humilhação contra o ser humano, principalmente os mais carentes, humildes e indefesos.

Na verdade, sobre a questão de terem sido taxados de traidores comprados pela Direita por causa das músicas como Eu Te Amo Meu Brasil e outros sucessos como Você Também é Responsável e Obrigado, Homem do Campo, usadas na virada dos anos 70, em pleno auge da ditadura, pelo governo militar, o próprio Ravel diz hoje que não foi nada disso e que apenas como Dom era um cara visionário, resolveu seguir uma das influências dos Beatles que, para confundir a sociedade, no meio da maior revolução musical do mundo, usaram um marketing voltado ao patriotismo, ao usarem camisas estampadas com a Bandeira do Reino Unido e outros símbolos patrióticos, apontando que o país era dos jovens. Então a dupla brasileira adotou também essa linha e fez “Eu te Amo Meu Brasil” movida pela comoção nacional durante a Copa de 70.

Ocorreu que Eu te amo meu Brasil foi tão marcante que chegou a ser cogitada para se tornar o novo hino nacional e transformou-se num símbolo do país durante o período em que se alardeava o milagre brasileiro e se comemorava os bons resultados do futebol e da campanha do governo militar. Não deu outra: a dupla passou a ser vista como “protegidos” pelo “sistema”. Outra música usada pelo Governo foi “Você Também é Responsável”, lançada em 1971, que tornou-se, na época, Hino do Mobral, (Movimento Brasileiro de Alfabetização).

Mas, o outro lado da moeda, viria em seguida, mais precisamente em 1974, quando cansados de serem acusados de puxa-sacos do governo, os dois irmaãos compusera e cantaram “Animais Irracionais (somos todos meio)” . A música foi proibida pela censura e o disco recolhido de todas as rádios do Brasil, sendo liberada apenas posteriormente. Agora a dupla se via em maus lençóis, pois era censurada tanto pela Direita, quanto pela Esquerda, um fato inédito no mundo da música, o qual nenhum artista, certamente, gostaria de ter em seu currículo.

Há, politicamente, uma analogia feita entre a dupla e Vandré, tido este como ícone da Esquerda, mas também, de certa forma, dito por muitos, ter sido “protegido” pelos saudosos militares, mas que por outros críticos, teriam feito tanta lavagem cerebral no cantor revolucionário que quase enloquecera. Na realidade, não sabemos até onde essas colocações são realmente verdadeiras. Só mesmo os protagonistas sabem como foi tudo isso, guardando para eles mesmo, a verdade.

A dupla Dom & Ravel fez tanto sucesso que muitas de suas composições foram gravadas por artistas famosos, como Moacir Franco, Wanderley Cardoso, Ed Carlos, Vanusa, Wanderléia, Os Incríveis, Nalva Aguiar, Jerry Adriani. Antônio Marcos, Nelson Ned, Sérgio Reis, Martinha, Eduardo Araújo, Os Caçulas, Demônios da Garoa, Lafayette, Luís Burdon, Leila Silva, Os Selvagens, Os Vips, Os Bichos, Os Moscas, The Big Seven, Som Bateau, supersônicos, The Battons, Trio Esperança, Mário Zan, Velhinhos Transviados, Os Caretas, Orlando Ribeiro, Arnaud Rodrigues, Marta Mendonça, Agnaldo Rayol, Francisco Petrônio, Coral Johab, Barros de Alencar, Joelma, Madrugada e seu conjunto, Alladin Band, Jair Rodrigues, Roberto Leal, entre outros, a maioria deles do elenco da Jovem Guarda. Já no exterior, alguns países também regravaram muitos de seus sucessos, como Angola, Venezuela, Argentina, Bolívia, Espanha, França, Itália, Portugal, México, El Salvador, Holanda.

Dom faleceu em 2000, acabando dessa forma com a existência da banda que, cantava tanto o patriotismo quanto protestos, igualmente. Talvez, tenha sido ingênua e, alguns percursos, mas nada que desabone sua verdadeira trajetória, pois é rico e genuíno o legado que nos deixou, merecendo, portanto, nossa homenagem, por ter cantando com o coraçao aberto para o povo.

Se você não conhece a letra da canção, veja e sinta o que ela tem a ver conosco e o que nós temos a ver com ela:

Animais Irracionais(Somos Todos Meio)
Dom & Ravel

Às vezes eu olho pra terra sem compreender
A luta dos seres humanos pra sobreviver


O grande açoitando o pequeno
Terceiros mandando apartar,
Mas na maioria das vezes o grande não quer parar.
Tem vezes que o desesperado se põe a pensar (a pensar)
Por que deve aos pés de um dos grandes se ajoelhar,
Eu passo por muitas igrejas pedindo respostas de Deus
Pra ele calado no espaço ouvir os lamentos meus.

(refrão)

Às vezes eu olho por cima do mundo e os maus (os maus)
Eu vejo vencendo na vida os mais altos degraus
Não querem ouvir nem falar dee fome, problemas e dor
Dos outros nem ao menos admitir ou supor.
E sempre eles acham que eles são certos demais (demais)
Dinheiro perdido em seus vícios não volta jamais,
Pequenos e grandes ladrões
No meio dos homens de bem
Que cruzam as ruas da vida matando ou roubando alguém

(refrão)

Na verdade, temos na letra dessa música o homem eclético, pois vemos nela sua antropologia, sociologia e sobretudo, sua sobrevivência pela “Seleção Natural” na sociedade moderna. Mas, o que há de mais forte nesse contexto é a frase “A Vida é um Sonho e nada mais”. O que seria a realidade, então?

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(Juarez@cb.ufrn.br)

5 de dez. de 2008

A CONQUISTA DA MORTE


A Conquista da Morte
(Publicado no O Jornal de Hoje)

* Juarez Chagas


Quando confrontamos as idéias dos dois grandes cientistas e estudiosos sobre a longevidade e morte do ser humano, na atualidade, William R. Clark e Alvin Silverstein (na ordem inversa), não há como realmente deixar de pensar nos avanços da ciência sobre a temporalidade do ser humano e de como será a vida no futuro próximo.

Dr. Alvin Silverstein, além de seus estudos e trabalhos no combate às doenças, principalmente cancerígenas, entre outros importantes estudos, foi fundador da Fundação para Pesquisa Contra a Doença e Morte (no início dos anos 70) e é um dos mais veementes combatentes contra a morte, que se conhece nos dias de hoje. Dentre seus vários artigos científicos e livros, escreveu Conquista da Morte (Conquest of Death, 1979) onde apresenta suas idéias, pesquisas e determinação em provar que o fim da morte é só uma questão de tempo, onde as ciências biomédicas triunfarão contra o declínio vital orgânico e, conseqüentemente, contra a finitude humana, o maior conflito existencial da humanidade.

Vejamos como Dr. Silverstein aborda essa possibilidade no 2º capítulo de seu revolucionário livro:
“A morte persistirá, mas será mais rara. As pessoas poderão viver durante centenas, até milhares de anos, possuindo mocidade vigorosa e mente ágil e ativa, durante toda a vida. Será a “idade de ouro” e teremos conseguido o que poderia ser chamado de emortalidade – condição na qual a “morte natural” não será inevitável.

Há de haver uma nova era na história humana. Num mundo de emortais, a vida há de adquirir nova significação e, pela primeira vez, preocupar-nos-emos genuinamente com a qualidade da vida. Lutaremos para banir a dor e a pobreza. Não haverá mais “velhos”, pois os conhecimentos que permitirão a conquista da morte hão de trazer consigo também a eterna juventude. Essa nova era pode chegar no nosso tempo”.

Com essas premissas, Dr. Silverstein cujos estudos e idéias são hoje corroboradas não somente pela neurociências, mas pelos mais recentes estudos biomédicos responsáveis pelas pesquisas sobre células-tronco, bioética e temporalidade do ser humano, as quais, aceitem ou não os mais céticos, defendem a idéia de que o fim da morte está próximo.

Por outro lado, sem conflitar, porém abordando uma linha igualmente importante, entretanto diferente, Dr. William Clark afirma em seu livro Sexo e as Origens da Morte (Sex and the Origins of Death, 1996) “Nós morremos porque nossas células morrem”
.


A princípio, o enunciado de Clark parece ser antagônico aos argumentos de Silverstein, por explicar que a morte do ser humano se dá através da morte celular, porém ao se avançar mais profundamente no entendimento desta constatação, fica claro a conclusão de ambos: se as células têm morte programada, o retardamento desta programação significa mais longevidade ou mantê-las vivas para sempre ou substituídas por células iguais é proporcionar o indivíduo a emortalidade. É isso que a ciência busca.

Uma questão interessante e da qual não podemos deixar de observar é que o ser humano adulto é composto de, aproximadamente, mais de cem trilhões de células individuais, em virtude do processo orgânico evolutivo da diferenciação celular, desencadeado durante a evolução embrionária. Hoje sabemos que cada tecido tem seu tempo de vida diferenciado um do outro, como por exemplo, sabemos que os mais resistentes são os tecidos ósseos e tegumento (nessa ordem), portanto, é de se esperar que, em condições normais e favoráveis, pereçam por último, em relação aos demais tecidos. Dessa constatação poderia surgir uma pergunta baseada nos estudos do Dr. Silverstein: seria suficiente, então, manter as células em seu estado normal, sem sofrerem degradação ou qualquer processo de degeneração para que a morte não existisse? É isso que a ciência já tenta fazer: a manutenção orgânica saudável, ou por outro lado, substituição celular.

Entretanto, a questão da humanidade não parece ser simplesmente apenas a mortalidade, pois seguramente, outros problemas surgiriam de imediato, tais como superpopulação do planeta, caça por alimento, preservação da individualidade, sobrevivência, encontros de parceiro(a)s ideais (no campo da convivência) e tantos outros desencadeados pela imortalidade. Portanto...é bom pensar se a morte não seria uma solução para a espécie ao invés de apenas um problema da finitude humana.

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(Juarez@cb.ufrn.br)

26 de nov. de 2008

FERNÃO CAPELO GAIVOTA


Fernão Capelo Gaivota
(Publicado no O Jornal de Hoje)
*Juarez Chagas


Embora com conteúdos diferentes, costumo comparar os romances fantásticos O Pequeno Príncipe (romance de Antoine de Saint-Exupéry publicado em 1943, nos Estados Unidos) e Fernão Capelo Gaivota (Jonathan Livingston Seagull,1970, de Richard Bach) colocando-os no mesmo senso extraordinário da fantasia que nos remete às possibilidades da realização dos sonhos quase impossíveis do ser humano.

O Pequeno Príncipe ('Le Petit Prince, na França e O Principezinho em Portugal) é o livro francês mais vendido em todo o mundo, tendo tido cerca de 80 milhões de exemplares, e aproximadamente 400 a 500 edições publicadas, perdendo apenas para a Bíblia e O Peregrino, em termos de tradução literária, como uma das obras mais traduzidas em vários idiomas em todo o mundo. Com um histórico desses, até mesmo quem não gosta muito de ler se sente tentado a conhecer a obra de perto.

Mas, Fernão Capelo Gavoita é nosso assunto de hoje e sua trajetória não é menos interessante do que a do Pequeno Príncipe, muito embora não apresente a mesma estatística, tenha tido apenas aproximadamente a metade de edições publicadas e seja mais de 30 anos mais jovem. É uma fantástica história sobre liberdade, aprendizagem e amor narrada metaforicamente através de uma gaivota que não se contenta apenas em voar para comer restos de lixo ou peixes fáceis de encontrar. Voar para Fernão Capelo é um prazer e não apenas uma característica das aves e seu sonho é aprender tudo sobre o vôo por achar que as gaivotas são limitadas em seu mundo. Assim sendo, torna-se diferente do bando, é julgado, banido e expulso para viver sozinho entre a imensidão do azul do mar e do céu.

Richard Bach tem algo mais que em comum com Saint-Exupéry (cujo nome é bastante longo: Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger Foscolombe de Saint-Exupéry, falecido aos 44 anos, em 1944), que era também piloto oficial e, teria voado sobre o atlântico do Brasil, inclusive passado por Natal, segundo historiadores da aviação. Bach também aviador, hoje com 63 anos, mas se diz um piloto sem grandes aspirações, tendo feito apenas três viagens internacionais. Esteve recentemente no Brasil, mas veio em vôo comercial. O próprio autor conta que Fernão Capelo surgiu em sua vida quando era ainda criança. Tinha o hábito de olhar o oceano e esconder-se do vento atrás de uma pedra para observar as gaivotas e sonhava ser como uma gaivota.

Ainda a exemplo do Pequeno Príncipe, Fernão Capelo Gaivota foi filmado, tendo tido muito sucesso e, poucas vezes, tenho visto um filme tão fiel ao livro. Tenho minhas restrições sobre filmes de bons livros, pois nem sempre o resultado é o que esperamos. Entretanto, no caso de Fernão Capelo, o filme não só é fiel ao livro, como sua fotografia é magnífica! Isso sem falar na trilha sonora de Neil Diamond, que também é uma obra-prima capaz de arrancar lágrimas dos mais durões dos homens, tipo Clint Eastwood.

No filme, na verdade uma parábola, tem também a questão política de grupos e comunidades, remetendo ao ser humano à castração, não somente do direito de liberdade, mas também ao confinamento de idéias revolucionárias, responsável pelas maiores descobertas do ser com base no acalento de sonhos e propósitos pessoais. A história é uma verdadeira lição de abnegação, obstinação e, inclusive, amor a si mesmo e ao próximo, metaforicamente ensinados através do mundo animal e da Natureza do ser e da espécie.

A clara e instigante analogia poética entre o homem e a gaivota mostra as dificuldades de superação dos limites da busca pela liberdade verdadeira, e, sobretudo do entendimento de ajuda ao próximo, através do amor e na compreensão do outro.
Agora em DVD, qualquer um pode conferir e se deleitar com a visionária realização cinematográfica de um conto que se eternizou através de sonhos e do imaginário pessoal e coletivo, mostrando aos humanos que o amor ainda continua acima busca, sendo o bem mais precioso que existe.

* Professor do Centro de Bioc iências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)

23 de nov. de 2008

O HOMEM E O TEMPO

O Homem e o Tempo
(Publicado no Jornal de Hoje em 14/019/2005)
*Juarez Chagas


Talvez fosse mais apropriado inverter o título e dizer “O Tempo e o Homem”, por causa da ordem natural das coisas. Afinal, o tempo parece sempre ter existido, independentemente da vida ou da morte e quanto mais discutimos ou procuramos sentir o mesmo, admitimos ser a mãe Natureza detentora de seu infindável percurso, pois o tempo não tem nem começo, nem fim. E a nós humanos, nos é permitido apenas viver sua temporalidade.

Nós sabemos que dentre os medos que o ser humano habita em si, o tempo talvez se configure como o maior deles, muito embora não se tenha, nessa ótica, ainda atentado para tal, porque o mesmo parece latente, quando não hibernando em nosso interior. Medo este até mais presente do que o medo da própria morte, pois corremos o tempo todo contra ele mais do que da própria morte.

Esse medo poderia começar pela dificuldade que temos de conceituar o tempo, assim como a igual facilidade de sabermos ser seus eternos escravos, por estarmos definitivamente presos a uma temporalidade determinada periodicamente. As frases “Queria que o tempo parasse agora” ou “como gostaria de congelar o tempo como numa fotografia” ou ainda “gostaria que o mundo parasse”, falam muito mais do que seus próprios conteúdos, pois evidencia a impotência humana de poder prolongar momentos felizes ou encurtar momentos de angústia e sofrimento, frente ao dinamismo da vida que, a cada segundo se arrasta cada vez mais para sua finitude, sem que tenhamos certeza da realização ou conclusão de nossos sonhos e de nossas lutas.

E nesse sentido, o tempo é mais implacável do que a morte, pois parece estar tirando de nós as melhores coisas e os melhores momentos, a todo instante e, em contrapartida quando nos presenteia com elas, é tão efêmero que, mal começamos a viver essa felicidade, ela já está no fim. Quantas vezes por dia não ouvimos frases como “não deu tempo” ou “não tive tempo” ou ainda “parece que foi ontem...”. Na verdade, nós é que pertencemos ao tempo e não o contrário. Parece até que vivemos como inquilinos no espaço, aprisionados em períodos de vida. Mas, o que nos alenta é que nascemos para realizarmos e sermos felizes e não para cruzarmos os braços e apenas olharmos o tempo passar, doce, suave ou implacavelmente.

A associação do tempo com a morte não é apenas artística ou imaginária, como mostra um dos recentes quadros de Peter Jones (1984), no qual a morte em forma de esqueleto coberto com sua capa preta, montado em seu cavalo que voa os ares, empunhando em uma mão sua foice e na outra o relógio do tempo, em forma de bola de cristal. Quem já teve oportunidade de ver essa pintura, percebe de imediato essa íntima relação indissociável do tempo com a morte. A propósito deste quadro, é impressionante a constatação de seu significado para o imaginário humano, tanto individual quanto coletivo, pois o mesmo vendeu (só nos Estados Unidos) vinte mil réplicas em duas semanas. Às pressas, as pessoas arranjaram tempo pra sair correndo pra comprar algo que, muitas delas, nem sabia o porquê. Mas, a tela representa muito bem o mistério do tempo e da morte e talvez por isso tenha tido tanta repercussão e curiosidade.

Entretanto, a maior relação que o tempo tem é com o espaço. Na verdade, nem conseguimos imaginar quem surgiu primeiro, se foi o tempo ou o espaço. Mas, a coisa não fica por aí, pois do casamento do tempo com o espaço surge a velocidade, a qual hoje sabemos ser, expressa em quilômetros/hora, por causa da expansão do universo ter sido condicionada à uma imperfeita imagem de um cone cuja ponta representaria esse começo.
Hoje nós sabemos da vital importância da ciência sobre o começo no tempo em relação à visão do mundo. Mas, nem sempre foi assim. O homem primitivo foi descobrindo aos poucos sua noção de tempo. O dia e a noite, a lua e o sol, foram seus primeiros “relógios”, até que ele enterrou uma estaca no chão e passou a observar sua sombra circulando à medida que o tempo passava e o sol passeava nos céus. Então, ele começou a traçar riscos no chão, distanciando uma marca de sombra da outra, segundo o tempo que ele precisava marcar. Surgia o primeiro relógio, o relógio do sol. Claro, que na escuridão da noite, sem luz ele voltava a perder essa noção do tempo novamente.
Quando o homem então liberta seus braços e mãos, na tão importante chamada “braquiação” que o fez desenvolver e evoluir seu cérebro, segundo suas necessidades de uso das mãos, desenvolveu então o pensamento, as idéias, o raciocínio que substituíram grande parte dos instintos e assim, ele criou a ciência, sua mais importante aliada, da qual dependia sua sobrevivência (pois ele já não garantia mais sua sobrevivência apenas com os instintos que atendia, de uma forma inata, suas necessidades como sede, fome e sexo). Assim, passou a pensar e não somente percebeu, mas também enunciou que o tempo se confirma como linear com um eixo retilíneo, em torno do qual dispõem em espirais os diferentes ciclos da Natureza, tais quais os ciclos dos dias terrestres, dos meses lunares e dos anos solares. Estava inventado o calendário e uma nova forma de se viver se configurava temporariamente na face da terra.

Permito-me, numa ousada, embora modesta imaginação pessoal, discordar, especificamente nessa parte, do grande estudioso e cientista André Steiger que, em seu fabuloso livro Compreender a História da Vida: do átomo ao pensamento humano (PAULUS, 1998), no qual ele afirma que, “se o tempo teve começo, é provável que terá fim”. Mas, poderíamos nos perguntar: não existia tempo antes da vida na terra? Não existia o espaço, assim como o tempo no espaço? O próprio Steiger usa a palavra “se...”

Na verdade, quando falei sobre o medo do tempo, não é bem medo do próprio tempo e sim o que sua falta pode nos causar. O contrário, ou seja, tempo demais ou tempo sobrando, só é ruim e causa igual medo, quando se está sob tortura ou qualquer outro tipo de sofrimento. No mais, o tempo cura tudo e tudo resolve, já dizia minha avó. E assim, mais uma vez ficamos à mercê do tempo...

*Professor do Centro de Biociências da UFRN(Juarez@cb.ufrn.br)

21 de nov. de 2008

EDUCAÇAO BÁSICA

* Juarez Chagas


A PARTIR DE HOJE, DISPONIBILIZO TAMBÉM ESTA PÁGINA NESTE BLOG PARA ENALTECER OU CRITICAR ALGUM ASSUNTO OU TEMA DE GRANDE IMPORTANCIA PARA NÓS EM NOSSO MEIO SÓCIOCULTURAL OU CIENTÍFICO.
COLABORAÇOES E SUGESTOES PESSOAIS SERÃO ACEITAS, AS QUAIS PODERÃO SER VALIDADAS COMO COMENTÁRIOS.

O PRIMEIRO COMENTÁRIO É SOBRE EDUCAÇAO BÁSICA, NUMA VISAO PESSOAL

NÃO QUERO FALAR DO DESCASO À EDUCAÇÃO E SUAS DIFICULDADES. ISSO JÁ TEM SIDO FEITO EXAUSTIVAMENTE.
NÃO QUERO FALAR DA ATUAÇAO DE NOSSOS GESTORES E ADMINISTRADORES OU DO GOVERNO EM RELAÇÃO AO ENSINO PÚBLICO OU DA GANÂNCIA DE MUITAS INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS PRIVADAS.
QUERO FALAR DA IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO E, PRINCIPALMENTE, DA EDUCAÇÃO BÁSICA E SEUS GRANDES HERÓIS E HEROÍNAS: NOSSAS PROFESSORAS E NOSSOS PROFESSORES ! QUE A PESAR DE TUDO, SE DOAM A CADA DIA POR UMA DAS CAUSAS MAIS NOBRES DA HUMANIDADE: EDUCAR E ENSINAR ATRAVÉS DA DOAÇAO PESSOAL NA FORMAÇAO DO SUJEITO USANDO SABERES E MUITO AMOR!

APROVEITO PARA HOMENAGEAR AS SEGUINTES MAGNÍFICAS MULHERES EDUCADORAS QUE, NUM TEMPO PASSADO CONTINUAM FAZENDO PARTE DO MEU PRESENTE PELO QUE DELAS RECEBI: MARIA EULÁLIA DA COSTA, LÚCIA MARIA DA COSTA BEZERRA, ESTER DE SOUSA GALVAO E EZILDA ELITA DO NASCIMENTO, TODAS ELAS MINHAS INESQUECÍVEIS PROFESSORAS DO PRIMÁRIO, NO SAUDOSO GINÁSIO “7 DE SETEMBRO” HÁ MAIS DE 40 ANOS ATRÁS, A QUEM DEVO MUITO PELA MINHA FORMAÇAO BÁSICA.
* Professor do Centro de Biociências da UFRN (juarez@cb.ufrn.br)

16 de nov. de 2008

O OLHAR DA CRIANÇA SOBRE A MORTE (II)

O Olhar da Criança Sobre a Morte (II)

*Juarez Chagas


Falar sobre o desenvolvimento da criança nem parece simples, nem tão pouco o é. Entretanto, aprofundamento da discussão é necessário para o entendimento de muitas questões, tanto do ponto de vista biológico quanto psicológico, concomitantemente.

Fazendo aqui um parêntese, sem evidentemente a preocupação de estabelecer paradigmas, mas constatar que é por isso que prevaleceu o consenso acadêmico em quase todo o mundo concordou que a Psicologia deveria realmente ser uma das fortes áreas da saúde (muito embora algumas Universidades ainda insistam em manter a Psicologia apenas na área humanística). E não é apenas pelo fato da saúde mental e psíquica em si, mas também por ser parte da saúde do sujeito como um todo. E, ao falarmos de sujeito, não há como entendermos o sujeito isoladamente, pois antes de qualquer outro entendimento o sujeito é biológico, ele nasce biológico. Portanto, seu desenvolvimento biopissicossocial deve ser indissociável, e sua biologia entendida antes de qualquer outro conteúdo.

Fiz esse parêntese, apenas para chamar a atenção sobre a importância da questão da formação do sujeito, enquanto desenvolvimento humano. Hoje sabemos que temos um corpo físico e um corpo psíquico, que é por sua vez mental e subjetivo. Ambos são indissociáveis, evidentemente. Mas, o conhecimento da Biologia do indivíduo é também importantíssimo e imprescindível, principalmente para quem atende a criança como paciente que, por força da necessidade, acaba atendendo os pais ou cuidadores dessa criança conseqüentemente, para poder se chegar ao diagnóstico correto ou o mais próximo da realidade, enquanto as pesquisas continuam em direção do diagnóstico definitvo.

Em relação a outros animais, o bebê humano é prematuro no que diz respeito aos seus sistemas vitais, pois quando a criança nasce seu sistema neurológico e perceptivo ainda não completaram suas devidas formações. Portanto, estamos, nessa fase, diante de alguém que ainda não se reconhece como sujeito, embora, nós adultos, o tratemos como tal.

Os estudiosos sobre o desenvolvimento da criança, assim como os tanatólogos afirmam que a criança de até três anos não consegue perceber a morte com clareza definitiva nem acha que ela seja irreversível, porém entende quando seu bichinho de estimação não mais brincará consigo ou acaba aceitando quando seu avô ou avó ou sua mãe não a levará mais para a escola, como de costume. É interessante notar também que antes dos três anos, é comum a criança tornar “vivos” objetos inanimados de tal forma que passa a dialogar com os mesmos, mas depois dessa idade passa a se preocupar com a origem dos seres vivos, inclusive a sua própria, muitas vezes perguntando a mãe de onde nasceu.

Na verdade, a perda passa a ser sentida como algo ruim ou angustiante a partir dos sete anos. Entretanto, é a partir dos 12 anos que todo o processo do fenômeno da morte passa a ser entendido pela criança. Há de se considerar aí, o fator individual de cada um, assim como questões culturais e religiosas. Não é, portanto, uma regra determinante, porém a constatação do que normalmente ocorre.

E o que dizer da criança que vive cotidianamente ao lado da morte ou acometida pela certeza de que pode morrer a qualquer momento? Que olhar ela tem sobre a morte e sobre a própria vida? São, certamente, perguntas reflexivas.

A questão do câncer infantil desencadeia um drama iniciado com seu diagnóstico, o qual deflagra várias situações de conflitos, reações e emoções na própria criança, assim como na sua família e no seu meio social, normalmente representado pela escola. Surge a angústia com a perda da saúde, seguida de depressão, medo de morrer e estado de confusão mental de vários tipos e características. Nesse ponto, o tratamento médico é invasivo, causando dor e ansiedade, ao paciente, pais ou cuidadores. É uma situação difícil e complicada em todos os sentidos.

Lembro muito bem da angústia que vivi durante meu estágio de Psicologia Clínica na Casa de Apoio a Criança com Câncer, em Natal (Foto na sala de atendimento), onde não atendia às crianças diretamente, e sim aos pais dessas crianças (também alguns adolescentes) que viviam o dilema da terminalidade de seus filhos como uma certeza dilacerante. Ali nada ensinei, só aprendi através da questão da morte como essas crianças e seus pais vencem a morte e seus conflitos cada dia. Não tive como não deixar de agradecer-lhes profundamente (e estou consciente que isso não é nada, apenas confortante e importante para mim), não só em minha monografia, mas por tão nobre oportunidade de ter aprendido com eles essas lições que carrego comigo por toda a vida. Às vezes, dias e noites, eu revia os casos clínicos, confrontava com bibliografias, outras experiências vividas em outras instituições e, na solidão dessa realidade, não conseguia concluir nada, a não ser que precisamos ser mais humanos e mais compreensíveis cada vez mais com o próximo, principalmente quando ele está distante e pode nao mais voltar.

Com esse compartilhamento, vendo crianças oncológicas brincarem e sorrirem, tentando levar uma vida normal, como se nao lhes permitissem a morte invadir seu mundo lúdico e infantil, pude aprender que o olhar da criança sobre a morte, não é um olhar sobre a finitude, mas essencialmente um olhar sobre a vida!

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)

14 de nov. de 2008

O OLHAR DA CRIANÇA SOBRE A MORTE (I)


O Olhar da Criança Sobre a Morte (I)

*Juarez Chagas



O que dizer a respeito do olhar da criança sobre a morte numa sociedade onde o próprio adulto refuta a questão e evita buscar um melhor entendimento sobre a finitude humana? Se o medo da morte não é uma questão hereditária, pelo menos é passado, de certa forma velada, de geração a geração na sociedade ocidental. Essa seria uma consideração preliminar no que diz respeito ao tabu da morte e que resulta num comportamento, digamos de “autoproteção”, através dos tempos, mas que também, uma vez exacerbado, pode causar determinados transtornos mentais e comportamentos indesejáveis por parte de pessoas que passar a ver e sentir esse medo como uma perseguição subjetiva.

Para discutirmos sobre essa questão, faz-se necessária antes uma cronologia sobre o olhar da sociedade sobre a criança, ao logo da história da humanidade. Antes do Século XVIII até meados do Século XIX, na Europa, assim como na América do Norte, a criança não era valorizada e era tida como um pequeno ser sem personalidade. Essa idéia errônea era tão forte que ao morrer, muitas vezes nem tinha um nome ou, por outro lado, seu nome seria dado à outra criança, como se houvesse apenas uma substituição. Desta forma, na Idade Média, mesmo com as reservas às quais a criança era imposta, ela era tida como um “adulto pequeno”, portanto eram pequenas todas as suas atribuições, pensamentos e importância que tinha com seus lugares na família e na sociedade.

Acontece que a partir da segunda metade do Século XIX surge um diferente comportamento tendo à frente as mulheres e o clero, onde as crianças mortas continuavam sendo imaginadas vivas e habitando o além, na “Terra sem Mal”, onde eram idealizadas como anjos ou pequenos santos, formando aí um imaginário individual e coletivo e ilusório, mas que preenchia um desejo e vínculo com a criança que partira.

Mas, para contrapor o comportamento que normalmente se tinha sobre a criança nessa mesma época, a burguesia, para a qual a morte da criança era a menos tolerável de todas, passou a perpetuar suas formas idealizadas através de estátuas e representações alegóricas. Chegando à sociedade atual, nos deparamos com a clara negação da temática morte, com a atenuante de ser uma sociedade capitalista na qual a morte sofre uma mudança radical com tratamento logístico e tecnológico, além da questão da ciência (diferentemente da religião) combater a morte até onde for possível, ao invés de primeiro primar por seu entendimento e aceitá-la como desenvolvimento humano.

Em seu livro A Psicologia da Morte, Robert Kastenbaum (448 pags, Editora Universidade de São Paulo, 1983) faz a seguinte colocação: “A criança procura ativamente experiências de ir-e-vir, aparecer-e-desaparecer. Mais tarde (ainda na infância), ela é capaz de permanecer um pouco desligada do que observa. Percebe a morte e os atributos da morte na situação. Mais tarde ainda (talvez depois da primeira infância), desenvolve os tipos de estruturas cognitivas às quais comumente se aplica o termo concepções”.

Observando o fantástico mundo lúdico da criança e, em cima do que Kastenbaum diz, podemos perceber que ela faz de certas brincadeiras “experimentos” com a morte, fazendo com que lidem, mesmo nessa fase da vida, com a questão da morte muito melhor do que o adulto que, na fase adulta, substitui essa relação pelo medo. As brincadeiras de aparecer-e-desaparecer (muito comuns na Inglaterra e em outros países europeus), são vistas como pequenos experimentos realizados pelas crianças frente à morte ou frente ao não-ser. O brincar de esconde-esconde (hide and seek), morto-vivo ou mocinho-e-bandido (muito comuns no Brasil) refletem elaborações de concepção de morte, pela criança. É importante observar que nestas brincadeiras ela sempre vence a morte.

Mas...qual o olhar ou quais os olhares da criança sobre a morte? Seguramente, não é esse que o adulto mostra ou evita-lhe ensinar. O tema é vasto e para uma melhor discussão sugiro meu primeiro artigo publicado no O Jornal de Hoje (em 10/11/2004), intitulado “Quantas Vezes Morrermos Antes de Thanatos Chegar?”, o qual encontra-se neste blog. É só rolar as páginas para encontrá-lo.

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)

6 de nov. de 2008

A CONQUISTA DA DOR (II)

A Conquista da Dor(II)
*Juarez Chagas

Como parar uma sensação de incômodo doloroso e sofrimento físico? E se essa dor for psíquica, subjetiva, interior, mental cuja causa não seja orgânica, mas que por outro lado, além de machucar e torturar, também dilacere o soma? A resposta que o homem deu a si mesmo foi simples, mas demorou muito para ser formulada: “diante da incapacidade de controlar a dor, consigo inventar algo para bloqueá-la e que a torne indolor para mim, nem que para isso eu tenha que me tornar insensível!” Foi mais ou menos com esse pensamento que o homem inventou a anestesia.

Porém, são ricos os registros evidenciando que as civilizações antigas já conheciam fórmulas para driblar a dor e aplacar o sofrimento das pessoas. A Grécia Antiga utilizava a esponja soporífera embebida em substâncias sedativas e analgésicas extraídas de plantas; os chineses lançavam mão de sua milenar acupuntura; os incas da América do Sul aplicavam uma espécie de anestesia tópica, através do sumo da mastigação da folha de coca; os egípcios tinham seus milagrosos bálsamos e os assírios comprimiam a carótida, para impedir que o fluxo sanguíneo chegasse ao cérebro, tornando assim, a dor algo secundário. Gelo ou neve também eram utilizados para congelar a região a ser operada, assim como embriagar o paciente com porre de vinho ou aguardente ou usar a hipnose foram outros recursos utilizados para aliviar a dor, antigamente.

Por outro lado, questões culturais e religiosas tiveram influências preponderantes sobre a questão da dor, pois até durante a Idade Média, doença, dor e sofrimento eram vistos como castigos aos impuros. Ainda nessa época, nas sociedades cristãs européias o controle da dor através de ervas e compostos químicos era tido como bruxaria e, portanto, passíveis de punição pela Santa Inquisição, a quem fosse pego tentando aplacar a dor, publicamente. Assim sendo, não é de se estranhar que a dor tenha sido até hoje tida como um castigo divino e a frase “a dor purifica o espírito” nos remete à essa questão, assim como o controle da dor pelos fortes, é uma questão honrosa, pois só os fracos reclamam, diz a tradição.

Mas, como vimos no artigo anterior, foi somente por volta do meados do século XVIII, que finalmente o homem vence (parcialmente) a dor. Os meios de divulgação e instituições interessadas da época viram que era importante estabelecer uma data oficial para a descoberta da anestesia, apesar de discussões e controvérsias sobre o verdadeiro mérito e seu verdadeiro inventor. Na realidade, conta a história que alguns interesses acadêmicos e empresariais postularam Crawford Williamson Long como sendo o primeiro médico a operar sem dor, quatro anos e meio antes de Morton que, por sua vez é tido como o verdadeiro descobridor da anestesia, pelo que se aceita até hoje (vê artigo anterior).

Discussões acadêmicas à parte, pois este é apenas um episódio devidamente esclarecido, o importante é que a dor nunca foi totalmente controlada. E esse fato tem seu lado positivo, pois assim como o medo, a dor também tem seu lado útil como um sistema de alerta, especialmente no que diz respeito à sensibilidade exteroceptiva, ajustando o indivíduo no seu meio ambiente, quando algo pode comprometer o organismo, através de agressões químicas, físicas ou biológicas que chegam através da pele que é o maior órgão do corpo humano, chegando a medir 2 m2 e pesar 4 Kg no adulto. Constitui-se num manto contínuo que envolve todo o corpo com sua especial capacidade e sede do órgão dos sentidos. Imaginem, portanto, a quantidade de receptores espalhados por toda a pele, para conduzirem através dos nervos espinhais as sensações para a medula espinhal para a partir daí, através dos tractos córticos-espinhais, conduzirem ao cérebros as informaçoes das sensações tanto de dor, quanto de prazer. O tálamo pode ser considerado uma das principais estações-sedes onde estes estímulos vão se alojar, sendo posteriormente identificados a níveis córticais. É mais ou menos assim, que percebemos a dor, prazer e estímulos táteis de um modo geral. Porém...não quando esta é "criada" mental e psíquicamente. Mas, aí é outra história a qual requer mais explicaçoes e entendimentos do ponto de vista neurofisiológico.

Eliminar totalmente a dor do ser humano seria como deixá-lo sem condições de perceber somaticamente o que se passa ao seu redor. Uma dor de cabeça, por exemplo, é um aviso de que algo errado está acontecendo a nível do coro cabeludo, crânio ou encéfalo, ou por outro lado, pode sugerir uma dor de fundo nervoso ou psíquico. Mas, por outro lado, uma unha encravada também pode resultar numa dor de cabeça, pela sua intermitência angustiante. Portanto, a dor não faz apenas sofrer, tem sua importância mesmo sendo vista como um incômodo dilacerante.

Na verdade, existem algumas situações orgânicas, nas quais há ausência de dor, porém em virtude de alguma patologia, como é o caso da analgesia congênita, que impossibilita a sensação de dor, assim também como outras doenças capazes de destruir as terminações nervosas da pele, tornando o indivíduo inteiramente insensível a dores tópicas e localizadas. Em crianças, esse tipo de doença torna-se mais grave ainda, pois elas podem se machucar sem notar, causando uma desatenção aos perigos de mutilações.

Sabemos que todas as dores envolvem componentes emocionais e sensoriais, sendo, ao mesmo tempo físicas e mentais, como o que pode ocorrer em síndrome do pânico, ansiedades e depressões. Essas, por sua vez requerem cuidados especiais, pois o conhecimento das mesmas e de sua etiologia podem ajudar o paciente a combatê-las com mais propriedade. Afinal, não adianta acabar com a dor ou sintomas em si, e sim com sua causa.

Muitas vezes o tratamento não é cirúrgico nem medicamentoso e sim, quando de fundo psíquico, apenas “extraindo-se” o problema de si e substituindo-o por resoluções pertinentes às causas desta dor específica. Afinal, essa seria, mesmo que parcialmente, uma grande conquista!

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)

27 de out. de 2008

A CONQUISTA DA DOR


A Conquista da Dor (I)
* Juarez Chagas

Antes da assustadora morte, a dor foi a primeira coisa de que o ser humano quis se livrar. E são muitas as dores. De vários tipos e diversas causas e sintomatologias, portanto é evidente que o homem teria, no mínimo que tentar, aplacar esse incômodo dilacerante que sempre o deixou sensível, perturbado e por vezes, quando em condições insanas e, em algumas vezes extremista, se dispõe a comprometer a própria vida, para se livrar da dor. Assim sendo, ao longo do tempo, resolveu dizimá-la ou pelo menos tentar.

Porém...com o passar do tempo, viu que era impossível acabar com a dor, principalmente a dor psíquica, mental, subjetiva e, acima de tudo, não a dor da carne, mas a mais profunda das dores, a dor da alma.

Olhando o lado animal do homem, podemos arriscar classificá-lo como sendo o mais medroso dos animais, no que diz respeito à dor. Deve ser porque ele não só “sociabilizou” a dor, mas a “registrou” cortical e conscientemente, a ponto de ter “arquivos” da mesma, do qual lança mão quando é atingido ou agredido, respondendo neuro-fisiologicamente. Coitadinho do ser humano...às dores sempre se curvou covardemente, com raríssimas exceções que, honrosamente, merecem registros.

Mas, por que sentimos dor? De onde ela vem e até onde é capaz de nos torturar? Teríamos controle sobre ela ou sempre seríamos reféns de algo cuja origem se perderia na intimidade de nosso soma e mistérios de nossa psique? Então o homem inventou a ciência e esta, na sua amplitude, procurou responder cientificamente, claro.

Com o avanço da neurologia e neurociências de um modo geral, hoje sabemos que a dor (pelo menos a somática) é uma resposta sensorial de um dos mais importantes órgãos dos sentidos do corpo humano: o tato. É ele o responsável pela vida de relação do indivíduo com o meio. Seu conceito, enquanto modalidade sensorial da distribuição da sensibilidade dolorosa da pele, vai, além disso, e relaciona-se com a sensibilidade exteroceptiva e suas derivações.

Uma vez durante uma aula de neuroanatomia, onde discutíamos sobre o assunto, um aluno me perguntou se somos capazes de controlar a dor. Evidentemente, que não soube lhe responder nada além do que se a dor se manifesta orgânica e emocionalmente através dum circuito neurofisiológico, uma vez consciente desse circuito e suas estações de estímulos e respostas, pode ser possível sim, para algumas pessoas controlarem a dor, ou pelo menos minimizar seu limiar de ação. Muitos orientais são bons nisso com seu conhecimento, controle e sua medicina milenar. Esse fato tem, inclusive quebrando antigos conceitos neurofisiológicos da literatura e bibliografia ocidental.

Por outro lado, a propósito da conquista da dor, o homem conseguiu, tecnicamente, avanços importantíssimos. Se fôssemos historiar a cronologia da dor, logo lembraríamos que, nos primórdios da Anatomia (Vesalius) e temida cirurgia (Paré) era comum se dar um porre de aguardente no indivíduo, fazer um torniquete e “cortar o mal pela raiz”, literalmente! Pois era assim que se fazia na maioria das vezes. Quando o sujeito acordava (do porre e desmaio causado pela dor), sempre lhe faltava algum órgão. Às vezes o paciente sobrevivia.

Mas, avancemos para final do Século XVII, quando Joseph Priestley (1733-1804) conseguiu o grande feito que foi inventar o óxido nitroso ou “gás hilariante”. Por isso ele é conhecido como o Pai da Química Moderna. Entra nessa história e nesse momento um estudante fracassado de medicina Gardner Quincy Colton que fazia, a pedido, exibição do tal gás. Acontece que Sir Humphrey Davy (criador dos elementos químicos K, Na, Ba, Mg e Cl...) gostava de inalar o óxido nitroso para curar suas dores de cabeça e sentir “outras sensações”. De repente, ele achou que o gás hilariante podia ser útil em operações cirúrgicas, mas não quis investir na idéia.

Voltando a Quincy Colton, este resolve fazer importantes apresentações sobre o gás hilariante, onde perante multidões curiosas, fazia qualquer pessoa rir, cantar, dançar, brigar e até “perder a vergonha”...(por causa disso tudo, daí o adjetivo hilário). No meio dessa multidão, estava Sam Cooley, um então empregado de farmácia que, sob o efeito do gás corria como louco entre os bancos da platéia, somente notando depois ter machucado suas canelas e joelhos. Foi então que Cooley acabava de anunciar o Fiat Lux da anestesia. Por sua vez, no meio da multidão, também estava Horace Wells, um dentista em busca de novidades, que soltou a frase: “nesse caso, o homem pode extrair um dente sem sentir dor, com o gás hilariante?!” Wells (que depois ficou viciando em clorofórmio e outros gases inalantes) levou a nova idéia para seu sócio William Thomas Green Morton (1819-1856), que organizou logo uma demonstração para extrair dentes de quem se voluntariasse. Foi um grande acontecimento!

Mas, a história não começa e nem acaba aí, pois o óxido nitroso tinha seu rival, o éter, descoberto em 1540, por Valerius Cordus, porém ainda não utilizado como anestésico na época e sim para conservar a farmacopéia de Cordus, que era botânico. Morton, por sua vez, leu o tratado botânico e roubando a idéia de Wells, experimentou o éter em cachorro. Foi um sucesso!

Na verdade, o novo acontecimento virou uma grande farra, pois todo mundo agora se deliciava com a nova “farra do éter” em pequenas reuniões de amigos, festas e acontecimentos sociais, pois da anestesia, que leva o indivíduo à sensação de embriagues, surgiu o desejo do homem escapar de si mesmo e não apenas da dor. Hoje em dia, diz-se ser o éter ancestral dos “coquetéis” consumidos larga e abertamente em festas e “baladas”, muitas vezes organizadas para este fim. Só que muitas vezes, o “fim” pode ser outro...

Mas, há muito ainda a dizer sobre a dor, portanto aguardemos os próximos artigos e vejamos como o ser humano tem lidado com uma de suas mais incômodas inimigas.

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)

8 de out. de 2008

O SÉCULO DA ANATOMIA

O Século da Anatomia (I)
(Publicado no O Jornal de Hoje)
*Juarez Chagas

Quando muitos leram O Código Da Vinci, de Dan Brown, uma das ficções americanas badaladas do momento, com mais de dez milhões de livros vendidos, segundo estampa divulgação na capa (Livraria Sextante, 480 pgs, 2004) não imaginariam que o entendimento do segredo da máquina humana fosse necessário para a compreensão do tema e trama do livro, como um todo. Evidentemente, que o conhecimento do próprio corpo pelo homem, o levaria às mais fantásticas descobertas da ciência na área da saúde.
No que diz respeito a este livro de Dan Brown, podemos dizer que praticamente toda sua inspiração foi baseada no Homem Vitruviano, uma das mais famosas obras de Da Vinci (1452-1519), por sua vez inspirada no trabalho do arquiteto romano Marco Vitrúvio (c.70-25 a. C.) em sua obra intitulada Os Dez Livros da Arquitetura, apresentado-se como um modelo iadeal para o ser humano, cujas proporções são perfeitas, segundo o ideal clássico de beleza. Com o passar do tempo a descrição gráfica se perdeu e Da Vinci foi contratado para resgatar não apenas a obra, mas uma nova dimensão da mesma e sua relação com a Natureza. É aí que entra o conhecimento do corpo humano. Sabemos que Da Vinci, foi muito antes do que qualquer anatomista o primeiro a dissecar corpos humanos com perícia anatômica, superada apenas por Vesalius, posteriormente. Tudo isso fez parte da Renascença, a maior revolução da humanidade, até então.

Na verdade, o segredo de De Humani Corpori Fabrica (título do mais importante livro da Anatomia, em todos os tempos, publicado em 1543, cujo fac símile do original, eu tenho um com pranchas desenhadas pelo próprio Von Kalkar), como bem postulou Vesalius, autor da própria obra e, indubitavelmente, o médico anatomista que apresentou sistêmica e topograficamente o corpo humano, não somente à ciência, mas ao mundo, fazendo com que a partir daí a medicina se tornasse viável no combate às mazelas e doenças orgânicas e, o conhecimento sobre o corpo humano tornou-se obrigatório para todos. Desconhecer o corpo é ser ignorante parcialmente sobre si mesmo e, praticamente, uma obrigação para os profissionais da saúde e, por que não dizer, no mínimo curioso para qualquer contexto no qual o indivíduo ou pessoa esteja inserido.
Mas, o principal ponto da presente discussão é qual foi o verdadeiro século da Anatomia, pois há muitas considerações importantes no que diz respeito à cronologia sobre o estudo do corpo humano. A princípio, no entendimento geral, é preciso citar as quatro grandes escolas anatômicas do passado: Egípcia, Babilônica, Grega e Romana.

Como é sabido, a Escola Egípcia detinha, antes de qualquer outra escola, a técnica do embalsamamento ou mumificação, a qual dominaram como ninguém. Tanto é que até hoje se constata a eficiência da mumificação através dos tempos. Já os Babilônicos tinham apenas conhecimentos superficiais sobre o corpo, o que lhes conferiam somente condições para tratamentos superficiais de ferimentos de lutas e guerras. Na realidade, as duas grandes e mais importantes escolas foram a Grega e a Romana, que deixaram um legado que mudou a história da humanidade. No que diz respeito à primeira, não podemos omitir, dentre outros, Hipócrates e Galeno. O primeiro instituiu, além de seu amplo conhecimento, a ética médica com seu juramento hipocrático e Galeno, por sua vez, dominou durante quinze séculos com sua anatomia rudimentar (mesmo sem ter dissecado um único corpo humano)

Foi então que surgiu Vesalius (1514-1564), o primeiro a fazer uma dissecação pública, com sentido acadêmico, mudando a história da medicina e do mundo. Portanto, eu diria que o “Século da Anatomia” foi o século de Andreas Vesalius ou De Humani Corpori Fabrica .

*Professor do Centro de Biociências da UFRN(Juarez@cb.ufrn.br)

O SÉCULO DA ANATOMIA

O Século da Anatomia (II)
*Juarez Chagas

Há muitos acontecimentos interessantes sobre a história da Anatomia que, como podemos perceber seria necessário uma seqüência de capítulos, sobre o tema. Porém, o objetivo não é esse e sim, pontuar algumas passagens interessantes que tenham conexões diretas com o saber do ser humano (pra não dizer somente “do homem”, como habitual), principalmente na contemporaneidade. A respeito disso, na minha opinião o conhecimento anatômico deveria ser obrigatório em todos os currículos, assim sendo todo mundo saberia um pouco mais sobre seu próprio corpo e, conseqüentemente, também conheceria melhor sobre seu sistema neural, responsável por muito do comportamento humano.
Não podemos falar de Anatomia sem falar em Andreas Vesalius (1514-1564) cuja incontestável bravura foi desde exumações ocultas de cadáveres para o estudo da anatomia, em calabouços à luz de vela e anfiteatros clandestinos até às dissecações públicas com o reconhecimento do clero e universidades, depois das quais se instituiu o estudo acadêmico da anatomia. Antes, como foi visto no artigo anterior, predominava a medicina de Hipócrates, com sua conotação humanística e, posteriormente Galeno, o qual sem nunca ter dissecado um só cadáver humano, gostava de desenvolver teorias sobre diversos tratamentos a base de ervas, que deveria curar os “elementos” do corpo, levando em conta sua concepção metafísica da natureza do corpo, o qual ele comparava com a Natureza. Estes elementos eram compostos de quatro componentes indissociáveis e igualmente indispensáveis: fogo, ar, terra e água.

O método do estudo da anatomia de Vesalius revolucionou a ciência, em particular a medicina, por ser eminentemente prático, real e investigativo, conseqüentemente. Jamais alguém tinha feito antes o que ele fez e, por isso, é reconhecido como o Pai da Anatomia.

É interessante observar que a cirurgia até então era completamente rude dramática e, infelizmente, matava mais do que curava. Não havia anestesia (só a partir de 1801), o equipamento cirúrgico era precário (os médico eram chamados de barbeiros cirurgiões ou cirurgiões-barbeiros), amputações eram tidas como moda...porém, mesmo com toda essa deficiência, o mais grave era a falta do conhecimento anatômico, pois o corpo humano deveria ser inviolável, chorado e enterrado depois de morto. Quem fosse pego dissecando cadáveres deveria ser queimado em praça pública como feiticeiro ou herege. Era época da Santa Inquisição. Somente a Igreja, a Religião podia nortear o que deveria ou não ser feito.

Na época de Vesalius, um dos mais famosos cirurgiões chamava-se Ambroise Paré (1510-1590) que, mesmo com a anatomia oculta da época, foi um inovador na área cirúrgica e, altamente, competente. Era também muito humano, humilde e de espírito religioso (qualidades estas nem sempre presentes em muitos). É dele a célebre frase que ainda perdura através dos tempos: “Eu o tratei e Deus o curou”.

A propósito, Vesalius e Paré (em ação na foto do artigo) não foram apenas contemporâneos, mas também ambos se encontraram no leito de morte de Henrique II, da França. O Rei tinha sido gravemente ferido num duelo com o Comte Montegomery, capitão da guarda da côrte francesa, por questões pessoais entre ambos, que disputavam (sigilosamente) a mesma amante. A lança de Montgomery perfurou o capacete do Rei, penetrou em seu olho e espatifou-se dentro de sua órbita. Então, mandaram chamar Paré, que imediatamente sugeriu a presença de Vesalius. Mas, os absurdos da época aconteciam normalmente, especialmente na corte. Paré e Vesalius testaram procedimentos cirúrgicos em seis cabeças de criminosos executados, na tentativa de salvar a própria cabeça do Rei que acabou falecendo onze dias após a cirurgia.
Paré por sua vez, foi irônico após a autópsia que, ao examinar o crânio e encéfalo do Lorde, encontrou um abscesso na superfície do cérebro, dizendo o seguinte: “...Aqui foi encontrado um começo de corrupção, o que deve ter sido causa suficiente para a morte do meu Lorde e não apenas o dano causado no seu olho”.
Se a analogia, segundo a ironia de Paré, de tumores e abscessos nas cabeças de poderosos fosse sinônimo de corrupção, hospitais e leitos não suportariam o contingente de moribundos e a causa mortis seria de fácil constatação

*Professor do Centro de Biociências da UFRN(
Juarez@cb.ufrn.br)

28 de set. de 2008

LIKE A ROLLING STONE

COMO UMA PEDRA QUE ROLA
*Juarez Chagas

Uma mulher jovem e rica cuja família é do high society dominante, nessa conturbada sociedade contemporânea, onde a classe alta sempre imperou e mandou no pedaço, deixando ao submundo apenas a admiração e a miséria como sobrevivência, não é apenas acostumada aos prazeres da vida, com seus carros de luxo, suas roupas ricas e melhor universidade, ela é o próprio prazer de ser o que é e como é. Ela é a representação do próprio high society, da qual os simples mortais jamais farão parte.

Mas, mesmo assim, esnobe ela dá esmola aos vagabundos e costuma rir de quem tá na pior, e sequer é capaz de apreciar a arte dos palhaços e ilusionistas, mas ao invés disso se diverte se eles caem no ridículo. Além de tudo isso, quando cansada dessa vida fácil, sente-se como uma princesa em ostentar sua beleza, dinheiro, ouro e diamantes enquanto seus convidados bebem, conversam, comem e riem de tudo e do nada. Então, ela resolve dar um passeio em seu cavalo cromado em companhia de um astuto diplomata que, como charme, carrega no ombro um gato siamês, mas que de repente lhe rouba tudo que tem...e aí, a história vira exatamente o lado oposto, constatando as ironias da vida, as quais podem vitimar qualquer um(a)...

Esta foi minha primeira visão sinóptica pessoal que tive, ainda adolescente, já no final dos anos 60 e início dos anos 70, sobre Like a Rolling Stone, uma das músicas mais contestadoras e revolucionárias de nossos tempos, que à primeira vista mais parece uma divisão de classes sociais e, o castigo e decadência da própria classe burguesa e high society aqui representada na pele de uma jovem e bela mulher, escrita e cantada pelo inigualável Bob Dylan. Por vezes, eu ensinava a letra e música dessa canção nas turmas avançadas de Inglês na SCBEU (Sociedade Cultural Brasil Estados–Unidos), onde a maioria dos alunos era da high society de Natal. Todos se rendiam ao poder dessa música que é, na verdade, é uma crítica aos padrões sociais da modernidade, escrita e cantada por um rebelde musical (se é que poderia assim dizer) que se tornou ícone do pop músic em todo o mundo.

Mas, foi justamente com essa idéia na cabeça que, inicialmente, Dylan escreveu uma pequena história de vinte páginas, que seria mais tarde Like a Rolling Stone, gravada em Julho de 1965, em vinil de 45 rpm, originalmente com 6 minutos de duração. Sucesso incontestável até hoje.

No artigo anterior, vimos como surgiu Bob Dylan no cenário musical norte-americano e de lá para o mundo! Hoje ele é uma lenda viva, tendo estado no Brasil por três vezes: 1988, 1990 e 2008. Na segunda vez, veio especialmente abrir Show dos Rolling Stones, que regravaram Like a Rolling Stone em sua homenagem, assim como também enaltecendo próprio nome da banda. Muitas bandas e cantores entoaram esta canção tendo sido um dos mais importantes roqueiros, antes dos Rolling Stones, Jimmy Hendrix, com seu próprio estilo. Nesse caso, não se sabe até hoje quem saiu ganhando mais se a própria canção na voz e guitarra de Hendrix ou se Hendrix com a canção em um de seus repertórios. Eu diria que ambos

Agora veja porque Like a Rolling Stone é única e inconfundível, acompanhando algumas de suas estrofes, onde a mensagem da música é tão clara quanto a luz do sol:

Once upon a time you dressed so fine
You threw the bums a dime in your prime, didn't you?
People'd call, say,"Beware doll, you're bound to fall"
But You thought they were all kiddin' you
You used to laugh about everybody that was hangin' out
And now you don't talk so loud
Now you don't seem so proud
About having to be scrounging for your next meal.

How does it feel
How does it feel
To be without a home
Like a complete unknown
Like a rolling stone?

You've gone to the finest schools all right, Miss Lonely
But you know you only used to get juiced in it
And nobody has ever taught you how to live on the street
And now you find out you're gonna have to get used to it
You said you'd never compromiseWith the mystery tramp,
But now you realize
He's not selling any alibis
As you stare into the vacuum of his eyes
And ask him do you want to make a deal?

How does it feel
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknownLike a rolling stone?

You never turned around to see the frowns
on the jugglers and the clowns
When they all come down and did tricks for you
You never understood that it ain't no good
You shouldn't let other peopleget your kicks for you
You used to ride on the chrome horse with your diplomat
Who carried on his shoulder a Siamese cat
Ain't it hard when you discover that
He really wasn't where it's at
After he took from you everything he could steal.

How does it feel
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone?

Princess on the steeple and all the pretty people
They're drinkin', thinkin' that they got it made
Exchanging all kinds of precious gifts and things
But you'd better lift your diamond ring,you'd better pawn it, babe
You used to be so amused
That Napoleon in rags and the language that he used
Go to him now, he calls you, you can't refuse
When you got nothing, you got nothing to lose
You're invisible now, you got no secrets to conceal.

How does it feel
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone?

(Tradução)
Houve uma época que você se vestia tão bem
No seu auge você jogava moedas para os vagabundos, não era?
As pessoas te chamava e diziam,"Tome cuidado garota, você vai cair"
Você achava que elas estavam todas brincando com você
Você costumava rir deTodo mundo que estava na pior
Agora você não fala tão alto
Agora você não parece tão arrogante
Quanto a ter que medingar a comida do dia seguinte

Como você se sente
Como você se sente
Não ter um lar ?
Como uma completa desconhecida
Como uma pedra rolante ?

Você freqüentava as melhores faculdades, tudo bem, Srta. Solitária
Mas você sabe que só costumava ser uma farsa entre eles
E ninguém jamais te ensinou como viver na rua
E agora você descobre que vai ter de se acostumar a isso
Você disse que nunca se comprometeria
Com a “coisas de vagabudo”, mas agora você percebe que
Ele não está negociando nenhuma pretexto
Enquanto você olha dentro do vazio de seus olhos
E pergunta-lhe: "você quer fazer um acordo ?"

Como você se sente ?
Qual a sensação
De estar por sua própria conta
Sem nenhum rumo para casa ?
Como uma completa desconhecida
Como uma pedra rolante ?
Você nunca se voltou para ser os olhares carrancudos
Nos malabaristas e palhaços
Quando eles todos se humilhavam e faziam truques para você
Você nunca compreendeu que isso é inútil
Você não devia permitir que outras pessoas levassem chutes no seu lugar
Você costumava andar no cavalo cromado com seu diplomata
Que carregava em seus ombros um gato siamês
Não é duro quando você descobre que
Ele realmente não estava onde está
Após ele tirar de você tudo que podia roubar ?

Como você se sente ?
Qual a sensação
De estar por sua própria conta
Sem nenhum rumo para casa ?
Como uma completa desconhecida
Como uma pedra rolante ?

Princesa na torre e todas as lindas pessoas
Estão bebendo, pensando que já têm a vida ganha
Trocando todos os tipos de presentes e coisas valiosas
Mas seria melhor que você levantasse seu anel de diamante
Seria melhor você penhorá-lo, babe
Você costumava ficar tão entretida
Com aquele Napoleão vestido em trampos e a linguagem que ele usava
Vá para ele agora, ele te chama, você não pode recusar
Quando você não tem nada, você não tem nada a perder
Você está invisível agora, você não tem segredos para esconder.

Como você se sente ?
Qual a sensação
De estar por sua própria conta
Sem nenhum rumo para casa ?
Como uma completa desconhecida
Como uma pedra rolante ?

(Por causa de alguns sentidos figurados de algumas traduções desta música, resolvi usar minha própria traduçao, para manter a autenticidade da mesma que usava nas aulas de Inglês, para algumas turmas avançada)
Mas, vale salientar que, além de uma contundente crítica à “alta sociedade”, a letra da música também fala de ilusão, perdas, decepções, verdades e do reverso da moeda. Afinal, todo ser humano tem suas pedras ao longo do caminho e, o importante é não ficar no chão, após algum tropêço ou simplesmente ficar like a rolling stone.

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(Juarez@cb.ufrn.br)