(Publicado no O Jornal de Hoje)
* Juarez Chagas
Eu já tinha ouvido falar, porém nunca constatado! Pela primeira vez vi pessoalmente algo do gênero: num caixa de um dos grandes supermercados da cidade, algum(a) cliente havia deixado 2ks de carne vermelha (crua) num carrinho abandonado de última hora, por ter desistido da compra. Na fila, uma senhora na minha frente e que estava sendo atendida, perguntou a moça do caixa se poderia levar a carne, pois havia gostado do produto desistido.
A moça prontamente disse que ela não poderia levar o produto abandonado. Indagada por que, ela foi incisiva ao dizer que a carne iria para o lixo e que não poderia mais ser consumida.
- Lixo?! Mas, por que? Está estragada?! Perguntou abismada a cliente.
Após algumas contestações da cliente pelo fato de estranhar porque esse produto, já que não podia ser mais vendido, não era doado para instituições de pessoas carentes, uma vez que isso ocorre com freqüência. Quanto mais a moça tentava explicar, segundo a orientação que lhe fora dada, mais a cliente se indignava.
- Não. Esses produtos vão direto para o lixo (não entrou em detalhes sob de que forma iria para o lixo, se moída, incinerada, enterrada...), mas justificou que é uma norma, pois o produto que não volta para o frigorífico em tempo hábil "poderia" contaminar as pessoas que o consumissem, finaliza a moça, despachando a cliente.
- Não. Esses produtos vão direto para o lixo (não entrou em detalhes sob de que forma iria para o lixo, se moída, incinerada, enterrada...), mas justificou que é uma norma, pois o produto que não volta para o frigorífico em tempo hábil "poderia" contaminar as pessoas que o consumissem, finaliza a moça, despachando a cliente.
Mas, isso não é tudo e, nem tão pouco um caso isolado, pois segundo pesquisas recentes, o desperdício de comida no Brasil, assim como também em muitos outros países (apesar de habitantes de lugares como a Biafra viverem morrendo à míngua) é preocupante e não se tem ainda adotado uma política social adequada para esse problema. Para se ter uma idéia, anualmente o país joga no lixo cerca de 26 mil toneladas de alimento, que poderiam alimentar 10 milhões de brasileiros, que constitui apenas uma parcela do total da população que passa fome, literalmente.Por outro lado, restaurantes e abastecedores de supermercados (além dos próprios, como foi o caso citado) jogam fora sobras de comida, frutas, legumes, verduras que poderiam ser reaproveitados, caso houvesse uma política norteada para este fim.
Infelizmente, os políticos estão mais preocupados em aprovar leis outras que não algumas voltadas para o combate à fome e à miséria dos que os colocaram no poder, para se empanturrarem das melhores comidas, rirem, beberem, degustarem vinhos e caviar e olharem o horizonte acima da miséria que agoniza e destrói seu semelhante necessitado e que, principalmente lhes colocaram no poder que não pode para eles. Assim, esses políticos aguardam as novas eleições para promessas que passam longe da verdade. Ironia ou não, essa é uma realidade.
De acordo com uma organização não-governamental voltada para essa questão, os brasileiros jogam fora, diariamente, cerca de 40 mil toneladas de alimentos, que seriam suficientes para 20 milhões de pessoas aplacarem sua fome necessária e decentemente. Isso sem falar também no desperdício de comida das próprias famílias que não se conscientizam que, enquanto jogam comida no lixo, muita gente morre de fome por não ter o que comer.
Mas, assim como também há alguns sensibilizados donos de redes de supermercados, hotéis e restaurantes (e, ainda e felizmente, alguns bons políticos também), é importante observar também que existe boa vontade por parte de alguns deles que gostariam de doar sobra de comida e alimento ao invés de mandar para o lixo, porém esbarram em normas complicadas que os impedem desse ato de solidariedade, pois com medo de doar e alguém sofrer uma intoxicação alimentar que possa resultar em processo judicial, normalmente inutilizam os alimentos com produtos químicos e, posteriormente encaminham para o lixo ou aterro sanitário. Mais irônico ainda é que, os catadores de lixo "selecionam" restos de comida nos lixões onde comem ali mesmo e levam também para suas casas. Eu mesmo já vi essa triste cena que humilha a raça humana como um todo.
Na verdade, falta uma política que cuide dessa questão de uma forma mais prática e humana que, em consonância com normas de saúde e ambiente sustentável pudessem reavaliar esses alimentos, através de laboratórios bromatológicos ou quaisquer outros meios seguros para reciclagem de alimentos devidamente indicados para consumo, no sentido de aplacar a fome de muitos em nosso planeta que morrem diariamente por inanição.Todos sabemos que dos alimentos descartados, principalmente as carnes, são rapidamente destruídas pelas bactérias, mas poder-se-ia evitar que milhares de pessoas morressem antes do tempo e, ao invés de se alimentarem de comida que sobra, não servissem de alimento ao mundo dos vermes, antes do tempo.
Às vezes, nossa sociedade é tão hipócrita e paradoxal que, eventualmente, suas leis acabam sendo contra elas mesma. Isso me faz lembrar um adágio popular americano que é posto em prática no cotidiano dos humanos: "Necessity knows no Law" (Necessidade não conhece Leis). Por isso que chega um dia que os necessitados fazem valer suas próprias leis, doa em quem doer...algo perigoso para a sociedade, mas factível.
* Professor do Centro de Biociências da UFRN (juarez@cb.ufrn.br)