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8 de out. de 2008

O SÉCULO DA ANATOMIA

O Século da Anatomia (II)
*Juarez Chagas

Há muitos acontecimentos interessantes sobre a história da Anatomia que, como podemos perceber seria necessário uma seqüência de capítulos, sobre o tema. Porém, o objetivo não é esse e sim, pontuar algumas passagens interessantes que tenham conexões diretas com o saber do ser humano (pra não dizer somente “do homem”, como habitual), principalmente na contemporaneidade. A respeito disso, na minha opinião o conhecimento anatômico deveria ser obrigatório em todos os currículos, assim sendo todo mundo saberia um pouco mais sobre seu próprio corpo e, conseqüentemente, também conheceria melhor sobre seu sistema neural, responsável por muito do comportamento humano.
Não podemos falar de Anatomia sem falar em Andreas Vesalius (1514-1564) cuja incontestável bravura foi desde exumações ocultas de cadáveres para o estudo da anatomia, em calabouços à luz de vela e anfiteatros clandestinos até às dissecações públicas com o reconhecimento do clero e universidades, depois das quais se instituiu o estudo acadêmico da anatomia. Antes, como foi visto no artigo anterior, predominava a medicina de Hipócrates, com sua conotação humanística e, posteriormente Galeno, o qual sem nunca ter dissecado um só cadáver humano, gostava de desenvolver teorias sobre diversos tratamentos a base de ervas, que deveria curar os “elementos” do corpo, levando em conta sua concepção metafísica da natureza do corpo, o qual ele comparava com a Natureza. Estes elementos eram compostos de quatro componentes indissociáveis e igualmente indispensáveis: fogo, ar, terra e água.

O método do estudo da anatomia de Vesalius revolucionou a ciência, em particular a medicina, por ser eminentemente prático, real e investigativo, conseqüentemente. Jamais alguém tinha feito antes o que ele fez e, por isso, é reconhecido como o Pai da Anatomia.

É interessante observar que a cirurgia até então era completamente rude dramática e, infelizmente, matava mais do que curava. Não havia anestesia (só a partir de 1801), o equipamento cirúrgico era precário (os médico eram chamados de barbeiros cirurgiões ou cirurgiões-barbeiros), amputações eram tidas como moda...porém, mesmo com toda essa deficiência, o mais grave era a falta do conhecimento anatômico, pois o corpo humano deveria ser inviolável, chorado e enterrado depois de morto. Quem fosse pego dissecando cadáveres deveria ser queimado em praça pública como feiticeiro ou herege. Era época da Santa Inquisição. Somente a Igreja, a Religião podia nortear o que deveria ou não ser feito.

Na época de Vesalius, um dos mais famosos cirurgiões chamava-se Ambroise Paré (1510-1590) que, mesmo com a anatomia oculta da época, foi um inovador na área cirúrgica e, altamente, competente. Era também muito humano, humilde e de espírito religioso (qualidades estas nem sempre presentes em muitos). É dele a célebre frase que ainda perdura através dos tempos: “Eu o tratei e Deus o curou”.

A propósito, Vesalius e Paré (em ação na foto do artigo) não foram apenas contemporâneos, mas também ambos se encontraram no leito de morte de Henrique II, da França. O Rei tinha sido gravemente ferido num duelo com o Comte Montegomery, capitão da guarda da côrte francesa, por questões pessoais entre ambos, que disputavam (sigilosamente) a mesma amante. A lança de Montgomery perfurou o capacete do Rei, penetrou em seu olho e espatifou-se dentro de sua órbita. Então, mandaram chamar Paré, que imediatamente sugeriu a presença de Vesalius. Mas, os absurdos da época aconteciam normalmente, especialmente na corte. Paré e Vesalius testaram procedimentos cirúrgicos em seis cabeças de criminosos executados, na tentativa de salvar a própria cabeça do Rei que acabou falecendo onze dias após a cirurgia.
Paré por sua vez, foi irônico após a autópsia que, ao examinar o crânio e encéfalo do Lorde, encontrou um abscesso na superfície do cérebro, dizendo o seguinte: “...Aqui foi encontrado um começo de corrupção, o que deve ter sido causa suficiente para a morte do meu Lorde e não apenas o dano causado no seu olho”.
Se a analogia, segundo a ironia de Paré, de tumores e abscessos nas cabeças de poderosos fosse sinônimo de corrupção, hospitais e leitos não suportariam o contingente de moribundos e a causa mortis seria de fácil constatação

*Professor do Centro de Biociências da UFRN(
Juarez@cb.ufrn.br)

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente texto...

E como sempre, finalizado com muita inteligência.
Prazer grande em ler seus artigos...

Minhas leituras disse...

Oi, juarez, Esses seus dois arquivos me lembraram as suas aulas de anatomia em 1988, foi através delas que tive os primeiros contatos com a história da descoberta do corpo humano. Parabéns pelos arquivos, Damião