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12 de out. de 2010

TIRIRICA NELES?!



*Juarez Chagas



Lacan (1901 – 1981), o dileto e predileto discípulo de Freud, dizia que “tudo está nas entrelinhas”, tendo seu trabalho influenciado os intelectuais dos anos 60 e 70, principalmente os filósofos estruturalistas.

O trabalho freudiano de Lacan era interdisciplinar, porém pautado no inconsciente, complexo de castração, ego, identificação e a palavra como percepção subjetiva. Isso tudo causava grande impacto social e o tornava um dos principais revolucionários da psicanálise moderna.

Falei sobre a frase de Lacan porque me veio uma grosseira analogia, aproveitando a onda global sobre a eleição do Tiririca. A comparação poderia ser, analogamente, que tudo poderia estar entre o voto debochado, no sentido de que o eleitorado que votou no palhaço Tiririca apenas fez uma palhaçada com o sistema eleitoral, quem sabe, tendo o governo como mira. E assim, cada um que nele votou, se deleitava com essa sátira que, no fundo, nada mais era do que uma revolta pessoal contra o sistema.

Na verdade, o que se viu foi uma reação de protesto individual e coletivo contra a instituição política brasileira, onde parcela do povo indignado aproveitou para satirizar o político brasileiro, transformando Tiririca no novo herói nacional, campeão de voto popular, comprovando que, se o povo quiser, faz valer o 1º artigo da Constituição Brasileira, no qual diz que todo o poder emana do povo e para o povo e, de quebra, reforçando que humor e deboche são armas poderosas que podem ser acionadas quando tiverem chance de disparo livre. O alvo? Política, governo, sistema. O disparo fulminou todos ao mesmo tempo.

A propósito, já a partir da campanha do Tiririca, começou o engraçado e divertido deboche, admitamos. Em um das gravações na internet, a mesma que foi ao ar na TV durante a campanha, pra começar ele aparece na televisão com o rosto encoberto com as mãos, convidando o eleitor a uma brincadeirinha de adivinhação debochada: “adivinha quem tá falando? Duvido vocês adivinhá (finalmente tira as mãos do rosto) ah!ah!ah!!!! Sou eu o Tiriricaaaaa!!! Candidato a deputado federal! 2222, não esqueça. Peguei vocês!, Enganei vocês!, vocês pensô que fosse outra pessoa. Sou eu, o abestado. Vote 2222 ah!ah!ah!!!”.

Esta foi apenas uma das aparições e propaganda do Tiririca na televisão. Existiram outras, cujo deboche e comicidade garantiram boas risadas para muitos ou indignação para tantos outros. Seu lema: “vote em Tiririca, pior do que tá não fica!”, ou então "O que é que faz um deputado federal? Na realidade, eu não sei. Mas vote em mim que eu te conto". Outras aparições na TV, dançando, rebolando, debochando com músicas como “Florentina”, completaram o cenário. Resultado: Tiririca foi Eleito o Deputado Federal para São Paulo mais votado com mais de 1,3 milhão de votos. Ganhou disparado de Gabriel Chalita, que é professor, educador e escritor e, um dos mais votados, também em São Paulo.

Agora, a Justiça quer cassar sua eleição e representatividade por provável analfabetismo, o que seria uma desonra e vergonha como deputado federal para o congresso. Cabe a pergunta: comprovado seu analfabetismo, seria essa sua condição (talvez negada pelo próprio Estado aos iletrados) mais vergonhosa do que os mensalões, os cuecas-cofres e os fichas sujas?

É uma pergunta que só a Reforma Política que nunca chega, poderá responder, pois a vergonha nacional repousa em berço esplêndido no planalto, na câmara e na (in)justiça, quando políticos doutores e “notórios-saberes” mancham filosofia da política e enganam os simplórios como se fossem práticas normais.

Também num país como o nosso, onde os Big Brothers (já em seu 11º ano) da mídia, a guerra entre mocinhos e bandidos (RJ), a corrupção e outras mazelas causada pelo ser humano, são exemplos de ibopes, portanto, não haveríamos de estranhar mais nada.

Assim sendo, enquanto Tiririca tem dez dias pra aprender a escrever o nome e, justificar que não é analfabeto, e o Presidente Lula que também nunca foi afeito à leitura, levou oito pra escrever um capítulo da história do Brasil, vamos corroborar Jacques Lacan, com um pequeno adendo à sua frase: “tudo está nas entrelinhas, porque as linhas já transbordaram seus conteúdos há muito tempo e ninguém quis ver”.

* Professor do Centro de Biociência da UFRN (Juarez@cb.ufrn.br)

6 comentários:

Unknown disse...

Muito bom seu texto. Gostei da análise socio-política e mais ainda da frase final. Parabéns. Marta MC

G. Silva disse...

Confesso que, da mesma forma, interpretei a vitória do palhaço Tiririca como um símbolo de revolta popular pelas mazelas tão observadas no cenário políico brasileiro. E tal manifestação, como pretendido, surtiu efeitos. Porém, confesso também que acho tal fato preocupante. Sabe-se, até onde consta, inclusive de dizeres próprios, que o então candidato aventurou-se nessa idéia sem plano algum para o exercício do mandato. E até onde consta sequer sabia quais encargos viriam atrelados a função que desempenharia. Acredito que aliar o inconformismo com falta de responsabilidade não ajuda a amenizar a situação de desconforto político tão comentado em nosso País. Visualizo outra situação, que, na minha opinião, soa como ato legítimo de protesto político: a abstenção do voto.

Anônimo disse...

Acho que às vezes não podemos ver além dos nossos próprios olhos, como se diz no artigo, a votação para um personagem colorido como ele, apenas indica a falta de credibilidade da classe política. Na Argentina, temos eleições onde os votos para sao "menos pior", isso é terrível. Gostei do artigo. Gaby

Therlyanne disse...

Nossa...
Brilhante como sempre!
Trata-se da "verdade nua e crua".

Anônimo disse...

Meu nobre
Prof. Juarez Chagas
Saúde...
* ARASONSOA@BLOGSPOT.COM


Concluída a visitação ao seu blog,
quão elucidativa é a explanação e crítica coerente e até lúdica, no caso da palhaçada eleitoral.
Satírica e irônica e, ou grosseira decisão de um povo, que elege um palhaço "Tiririca" para legislar sem o saber ler e sem o discernir, ao apor sua assinatura em documentos à serviço da Nação. Mas, apoio-me ao humanismo, e concluo; Ele é apenas e tão somente um produto da mídia política, oportunista e perversa, a contribuir para a degradação do nosso parlamento, já tão maculado.
O certo é que ele está alfabetizado de forma tímida, entretanto; é Deputado Federal que suplantou nas urnas, um ícone da nossa cultura e grande pensador, o Prof. Gabriel Chalita.Pode?
Amigo, obrigado por ter nos proporcionado um deleite tão rico à instiga e ao pensarmos...
Fico Feliz!!!
Um forte abraço,extensivos à familia. Até breve!
Fraternalmente,
Prof. Wilson Soares.

Adriana Costa disse...

Texto excelente, como todos... Mas acho que o brasileiro ainda não aprendeu a dar voto de prptesto. Cada político corrupto,despreparado seja politica ou intelectualmente, que entra no congrasso nacional, só o faz com o consentimento popular que se dá através do voto.
Tiririca não só é uma alegoria, mas acima de tudo um tiro no pé que o povo dá em si mesmo, pois é do nosso bolso que sai os milhares de reais que alimentam seus bolsos e sua ganância.
OBS: é verdade.... você não leu errado... escrevi congresso nacional com iniciais minusculas, porque este "lugar" não tem merecido ser escrito com iniciais maiúsculas!
Um abraço! Até o próximo texto.