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26 de jun. de 2008

CADÁVER DESCONHECIDO


Cadáver Desconhecido
(Publicado anteriormente no Jornal de Hoje)
Juarez Chagas

A sociedade contemporânea, mais do que suas antecessoras, sempre combateu os tabus da humanidade, pois tabus não convivem harmoniosamente com o bem-estar social, nem tão pouco com o imaginário humano, seja individual, seja coletivo, pois estabelece uma grande barreira entre o conhecimento e o homem, fazendo-o permanecer na ignorância e, conseqüentemente, causando curiosidade, medo e angústia pelo desconhecido.
Religiões ocultas, ciências ocultas, misticismo, doenças misteriosas e terminais, sexo e morte, tem sido os tabus que mais tem atormentado a humanidade, ao longo do tempo. Porém, dentre todos os tabus existentes, nenhum tem sido tão persistente e intocável quanto a morte. Caberia, portanto a pergunta: porque todo o esforço que se tem feito até hoje para se discutir e divulgar sobre a morte não tem dado resultado efetivo? A resposta é simples: porque não tem sido feito através do mais importante veiculo e mais eficiente meio de comunicação e ensinamento, o qual seria através da educação.
Não adianta existir apenas inúmeros sites, homepages, organizações assistencialistas ou tratamentos psicológicos sobre a morte. A morte precisa ser discutida escolar e academicamente. Temos que transformá-la num segmento da disciplina de Biologia, medicina, antropologia e Psicologia (ou qualquer outra Disciplina na qual possa ser inserida) nas escolas, faculdades e universidades, porque somente assim poderemos conviver melhor com ela e passarmos a valorizar mais a vida, como realmente deveríamos. É preciso fazer o "inimigo" mostrar sua cara, para que não ocultemos a nossa. Não se pode combater um inimigo oculto.
A respeito disso e em virtude da divulgação de artigos sobre a morte, tenho recebido e-mails de pessoas com as mais variadas opiniões a respeito. Umas questionando o porque de se discutir tão delicado assunto; outras elogiando e estimulando a divulgação de algo tão oculto e amedrontador e, aplaudindo a iniciativa poor contribuir sobremaneira com o desenvolvimento humano. Enfim, dentre elas, teve uma que pediu uma explicação sobre o inicio de meus estudos a respeito da morte, querendo saber como surgiu tal interesse. Parece que chegou a hora de divulgar também sobre os trabalhos num sentido mais amplo e não individual.

Na verdade, tudo tomou impulso sobre estes estudos em 1984, quando eu já professor concursado da UFRN, no Departamento de Morfologia quando pela primeira vez, me deparei com a morte, no sentido academicamente pessoal (se é que assim poderia dizer), uma morte representada por um cadáver, o cadáver que dissecávamos, com fins de estudos, o cadáver desconhecido. O termo Cadáver Desconhecido, vem dos primórdios da anatomia. Era assim denominado por ser um cadáver anônimo e que não podia ser conhecido ao ser estudando. Passou pelas quatro escolas anatômicas existentes no mundo, a egípcia, a babilônica, a grega e a romana.

Foi veementemente protegido pela Igreja católica, que determinou que quem o dissecasse, seria condenado. Relegado por Galeno, Aristóteles e tantos outros médicos gregos ou não; foi, dissecado, às escondidas, inúmeras vezes por Da Vinci até que, finalmente, foi dissecado acadêmica e publicamente por Vesalius, o Pai da Anatomia, cujo método de dissecação até hoje é utilizado nas universidades, inclusive as nossas no Brasil, que seguem a escola anatômica européia, a antiga escola romana.
O Cadáver desconhecido, não é apenas um cadáver que atravessa os séculos e milênios, é mais que isso, pois é um símbolo verdadeiro do descobrimento e conhecimento do corpo humano através da exposição de suas estruturas orgânicas, o que possibilitou a criação da medicina consciente da máquina humana. É o primeiro “paciente” dos acadêmicos de medicina, sem cuja dissecação seriam incapazes de conhecer o corpo humano e, conseqüentemente de tratar devidamente o vivo. Sem ele ela não existiria nem saberíamos o que sabemos hoje sobre o tão famoso De Humani Corporis Fabrica (sobre a estrutura do corpo humano), por sinal titulo do mais famoso livro de Vesalius.

Diferentemente da morte, embora representando uma de suas faces, porém contribuindo para a vida, o cadáver desconhecido não poderia jamais ser um cadáver conhecido ou o cadáver de um conhecido, a menos que este doe seu corpo em prol da ciência (e mesmo assim, ainda de acordo com a bioética, não teria a mesma conotação de um cadáver conhecido).
Portanto, ao contrario da morte, que quanto mais devidamente conhecida e totalmente divulgada mais beneficio e harmonia traria, o cadáver desconhecido, carrega consigo, através dos séculos, os segredos das emoções de quem por ele passa, deixando um legado vivo de conhecimento em prol da ciência. Nesse caso, através dele, a morte enaltece a vida!

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