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1 de set. de 2008

FREUD ALÉM DA ALMA (II)


Freud Além da Alma (II)
(publicado no O Jornal de Hoje)

* Juarez Chagas


Falávamos, anteriormente, de gênios da humanidade e de como esses seres especiais revolucionaram o mundo em que vivemos, simplesmente por terem sido como foram: a princípio totalmente incompreendidos pelos mortais comuns. Sigmund Freud foi um deles e, chamaria a atenção, um dos últimos gênios a quem a ciência e o mundo tiveram que ser curvar e prestar suas homenagens.

Freud revolucionou a maneira do ser humano ver e reconhecer a si mesmo dentro e fora de seu universo infinito ao estabelecer que os desejos e vontades humanas não são frutos de sua própria vaidade, porém do inconsciente e do que nele habita, criando desse modo, uma nova maneira de entender a psiqué humana. Preocupado com a questão do sofrimento de seus pacientes e, tentando aplacar sua dor, Freud segue a doutrina de Charcot e utiliza a hipnose em seus estudos sobre histeria.

Seu primeiro contato com Jean-Martin Charcot (1825 - 1893) um médico e cientista francês o qual alcançou fama no terreno da psiquiatria na segunda metade do século XIX, tendo sido um dos maiores clínicos e professores de Medicina da França, foi quem na verdade influenciou Freud a delinear a idéia de um “inconsciente” funcionando junto ao consciente, ainda que o mesmo tenha iniciado esse processo de tratamento das neuroses, através da hipnose, técnica essa que sofreu resistência no meio da maioria dos médicos da época. Charcot, por sua vez, concluiu que a hipnose seria um método não somente revolucionário mas também eficiente no tratamento das diversas perturbações psíquicas, em especial a histeria.

Na verdade, Charcot havia se tornado um hábil hipnotizador, e aplicava sua técnica no sentido de induzir no paciente às manifestações próprias da histeria, uma doença mental com sintomatologia psíquica diversa, associada a manifestações físicas, tais quais enrijecimento do corpo e espasmos musculares, característicos da doença. Algumas aulas e demonstrações de Charcot se constituíam num grande espetáculo à parte, concentrando grande audiência de médicos e estudantes, onde ele podia usar a hipnose para criar numa pessoa sadia sintomas como tremores, paralisia, insensibilidade à dor, e vários outros sinais próprios da histeria e, por outro lado, podia igualmente aliviar os sintomas dos pacientes histéricos mediante sugestão hipnótica. Isso deslumbrou Freud, tendo inicialmente sido influenciado profundamente por seu mestre Charcot.

O filme, Freud Além da Alma, trata das descobertas de Freud tomando como base suas próprias experiências psicanalíticas pessoais, como por exemplo, a teoria que desenvolveu sobre o Complexo de Édipo, fundamentando-se na própria relação com seu pai morto. O Diretor do filme, John Huston, lançando mão do roteiro escrito por Jean-Paul Charles Aymard Sartre (19051980), com uma linguagem metafórica e onírica mostra muito bem o conflito interior que viveu Freud enquanto tentava penetrar no obscuro inconsciente de seus pacientes, pois temia encontrar o inefável, o impensável. Na verdade, Freud temia encontrar a sua própria essência, através de seus estudos, nos outros.

No que diz respeito ao roteirista (não menos famoso do que o diretor), Sartre, um filósofo existencialista, escritor, novelista, roteirista, político ativista, biógrafo e crítico literário, com toda essa bagagem era mais do que credenciado para escrever o roteiro deste filme longa-metragem sobre os anos de formação do pai da psicanálise e sua apaixonada biografia, cuja trajetória vai desde seus primeiros contatos de com tratamentos neurológicos até o início do desenvolvimento da teoria psicanalítica.

Entretanto, até hoje não ficou bem claro porque Sartre não permitiu que seu nome constasse nos créditos do filme, embora haja rumores que tentam explicar sua atitude. Quem sabe seu inconsciente-consciente relutasse aceitar a idéia de que ele deveria ter abrangido mais sobre as questões do inconsciente do que propriamente mais sobre os sonhos.

De uma forma ou de outra, nem tudo Freud explica, como já existe até um adágio afirmando isso. Coisas da psiqué humana, afinal é um filme além da alma...

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)

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