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16 de nov. de 2008

O OLHAR DA CRIANÇA SOBRE A MORTE (II)

O Olhar da Criança Sobre a Morte (II)

*Juarez Chagas


Falar sobre o desenvolvimento da criança nem parece simples, nem tão pouco o é. Entretanto, aprofundamento da discussão é necessário para o entendimento de muitas questões, tanto do ponto de vista biológico quanto psicológico, concomitantemente.

Fazendo aqui um parêntese, sem evidentemente a preocupação de estabelecer paradigmas, mas constatar que é por isso que prevaleceu o consenso acadêmico em quase todo o mundo concordou que a Psicologia deveria realmente ser uma das fortes áreas da saúde (muito embora algumas Universidades ainda insistam em manter a Psicologia apenas na área humanística). E não é apenas pelo fato da saúde mental e psíquica em si, mas também por ser parte da saúde do sujeito como um todo. E, ao falarmos de sujeito, não há como entendermos o sujeito isoladamente, pois antes de qualquer outro entendimento o sujeito é biológico, ele nasce biológico. Portanto, seu desenvolvimento biopissicossocial deve ser indissociável, e sua biologia entendida antes de qualquer outro conteúdo.

Fiz esse parêntese, apenas para chamar a atenção sobre a importância da questão da formação do sujeito, enquanto desenvolvimento humano. Hoje sabemos que temos um corpo físico e um corpo psíquico, que é por sua vez mental e subjetivo. Ambos são indissociáveis, evidentemente. Mas, o conhecimento da Biologia do indivíduo é também importantíssimo e imprescindível, principalmente para quem atende a criança como paciente que, por força da necessidade, acaba atendendo os pais ou cuidadores dessa criança conseqüentemente, para poder se chegar ao diagnóstico correto ou o mais próximo da realidade, enquanto as pesquisas continuam em direção do diagnóstico definitvo.

Em relação a outros animais, o bebê humano é prematuro no que diz respeito aos seus sistemas vitais, pois quando a criança nasce seu sistema neurológico e perceptivo ainda não completaram suas devidas formações. Portanto, estamos, nessa fase, diante de alguém que ainda não se reconhece como sujeito, embora, nós adultos, o tratemos como tal.

Os estudiosos sobre o desenvolvimento da criança, assim como os tanatólogos afirmam que a criança de até três anos não consegue perceber a morte com clareza definitiva nem acha que ela seja irreversível, porém entende quando seu bichinho de estimação não mais brincará consigo ou acaba aceitando quando seu avô ou avó ou sua mãe não a levará mais para a escola, como de costume. É interessante notar também que antes dos três anos, é comum a criança tornar “vivos” objetos inanimados de tal forma que passa a dialogar com os mesmos, mas depois dessa idade passa a se preocupar com a origem dos seres vivos, inclusive a sua própria, muitas vezes perguntando a mãe de onde nasceu.

Na verdade, a perda passa a ser sentida como algo ruim ou angustiante a partir dos sete anos. Entretanto, é a partir dos 12 anos que todo o processo do fenômeno da morte passa a ser entendido pela criança. Há de se considerar aí, o fator individual de cada um, assim como questões culturais e religiosas. Não é, portanto, uma regra determinante, porém a constatação do que normalmente ocorre.

E o que dizer da criança que vive cotidianamente ao lado da morte ou acometida pela certeza de que pode morrer a qualquer momento? Que olhar ela tem sobre a morte e sobre a própria vida? São, certamente, perguntas reflexivas.

A questão do câncer infantil desencadeia um drama iniciado com seu diagnóstico, o qual deflagra várias situações de conflitos, reações e emoções na própria criança, assim como na sua família e no seu meio social, normalmente representado pela escola. Surge a angústia com a perda da saúde, seguida de depressão, medo de morrer e estado de confusão mental de vários tipos e características. Nesse ponto, o tratamento médico é invasivo, causando dor e ansiedade, ao paciente, pais ou cuidadores. É uma situação difícil e complicada em todos os sentidos.

Lembro muito bem da angústia que vivi durante meu estágio de Psicologia Clínica na Casa de Apoio a Criança com Câncer, em Natal (Foto na sala de atendimento), onde não atendia às crianças diretamente, e sim aos pais dessas crianças (também alguns adolescentes) que viviam o dilema da terminalidade de seus filhos como uma certeza dilacerante. Ali nada ensinei, só aprendi através da questão da morte como essas crianças e seus pais vencem a morte e seus conflitos cada dia. Não tive como não deixar de agradecer-lhes profundamente (e estou consciente que isso não é nada, apenas confortante e importante para mim), não só em minha monografia, mas por tão nobre oportunidade de ter aprendido com eles essas lições que carrego comigo por toda a vida. Às vezes, dias e noites, eu revia os casos clínicos, confrontava com bibliografias, outras experiências vividas em outras instituições e, na solidão dessa realidade, não conseguia concluir nada, a não ser que precisamos ser mais humanos e mais compreensíveis cada vez mais com o próximo, principalmente quando ele está distante e pode nao mais voltar.

Com esse compartilhamento, vendo crianças oncológicas brincarem e sorrirem, tentando levar uma vida normal, como se nao lhes permitissem a morte invadir seu mundo lúdico e infantil, pude aprender que o olhar da criança sobre a morte, não é um olhar sobre a finitude, mas essencialmente um olhar sobre a vida!

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)

Um comentário:

Anônimo disse...

Imagino quão rica deve ter sido sua experiência neste estágio, baseando-me em minha própria vivência. Várias das “minhas” crianças acreditavam que alguns tipos de pessoas são imortais ou que algumas podiam evitar a morte e mesmo assim, o luto não era facilmente trabalhado.
Aguardo ansiosa novas publicações, pois seus temas são bem escolhidos e nos remetem a questionamentos bastante pertinentes.

Ass: Psicóloga