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3 de fev. de 2009

O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON


O Curioso Caso de Benjamin Button
(Publicado no O Jornal de Hoje)
* Juarez Chagas

Movido pela inquietude sobre a finitude humana, passando pela pesada trajetória do fardo do envelhecimento e declínio da vitalidade orgânica, David Fincher, debruçou-se sobre o romance de F. Scott Fitzgerald (1896-1940) “O Curioso Caso de Benjamin Button” (1920), para tratar, fictícia e cinematograficamente da questão da terminalidade do ser humano, vista no sentido inverso, ou seja, a história de um homem que já nasce velho e tem seu processo vital processado do senil para o infantil. Uma bela trama, enriquecida pela ficção, porém baseada no mais enigmático, assustador e real processo do desenvolvimento humano: a morte.

Francis Scott Fitzgerald é considerado um dos maiores escritores americanos do século XX. Sem falar de seus outros sucessos, quem não lembra de The Great Gatsby (O Grande Gatsby, 1925), seu terceiro livro e que foi escrito inteiramente na França dos anos 20? Um dos mais representativos romances americanos, o qual descreve a vida da alta sociedade, no sentido crítico da palavra. Este livro foi, na opinião dos críticos, um balde de água fria no high society americano da época. Mas, o mais interessante é que, já em 1920, o autor pretendia, de forma contundente, chamar a atenção da sociedade para a questão da terminalidade humana, fato na época, praticamente impossível de ser discutida com tal conotação social.

Retomando o filme homônimo dirigido por Fincher, na New Orleans de 1918, quando a Primeira Guerra está chegando ao fim, a estória começa tratando de um homem que, sem qualquer explicação, nasce um bebê velho e inexplicavelmente começa a rejuvenescer, para ter o seu final exatamente no início. Retrospectivamente, o filme começa pelo final, com a Sra. Daisy (Cate Blanchett) morrendo num leito de hospital, tendo a filha ao seu lado, acompanhando-a em sua despedida ao mundo dos vivos.

É interessante observar que, tanto a mãe quanto a filha, demonstram, nesse momento crítico, um inegável desejo de terem suas vontades atendidas. A filha querendo estar presente na despedida da mãe e, esta por sua vez, desejando contar sua verdadeira história, até o fim, antes que pereça. A câmera abre um close em zoom do rosto senil e sofrido da Sra. Daisy, balbuciando palavras quase imperceptíveis, sugerindo que vai sucumbir a qualquer momento.

- O que você está olhando, Caroline? Indaga à filha que está olhando pela janela.
- O vento, mamãe. Anunciaram que um furacão está chegando aqui. Responde deixando a janela e sentando-se à beira da cama (O Furacão Katrina estava ameaçando).
- Me sinto um barco à deriva.
- Posso ajudá-la de alguma forma, mamãe...para aliviá-la?
- Oh, querida. Não há nada o que fazer. Temos que aceitar. É difícil manter meus olhos abertos. Parece que há algodão na minha boca. Sente o peso e a dor do declínio orgânico e cada vez mais, a impossibilidade de manter vivo o próprio corpo.
- Quer mais remédio, mamãe? O Doutor disse que pode tomar o quanto quiser. Minha amiga disse que não teve a chance de se despedir de sua mãe. Eu queria...dizer que sentirei muitas saudades. Ambas se abraçam demoradamente e parecem chorar um pouco.
- Está com medo?
- Estou curiosa....o que acontece depois da vida?

É assim que começa o filme e, ambas conversam mais enquanto a Sra. Daisy manda sua filha pegar um diário em sua mala para que leia para ela. É o testamento e diário de Benjamin Button. Na verdade, a sua história, narrada por ele mesmo, envolvendo intimamente a história dessas três pessoas, numa só. Benjamin e Daisy tiveram um romance de infância que se estendeu por toda a vida, porém conturbado e fragmentado, tornando ambos tanto felizes quanto infelizes em sua trajetória amorosa. Essa perda, certamente, também fez parte do processo da finitude a qual todos estão fadados.

Como já foi dito anteriormente, Benjamin Button (Brad Pitt) vem ao mundo em circunstâncias extraordinárias, estranhas e incomuns exatamente no dia em que a Primeira Guerra Mundial termina. Sua mãe morre após o parto e seu, transtornado pai o abandona na porta de um asilo sendo acolhido por Queenie, a cuidadora do lugar, que julga ser este bebê idoso um milagre de Deus, criando-o como filho. "Eu nasci em circunstâncias incomuns." Costumava dizer Button, quando alguém lhe questionava seu estado e idade.

Enquanto vivia no asilo, sob os cuidados e proteção de Queenie , sua mãe de criação (Taraji P. Henson) Benjamin conhece Daisy, uma menina de apenas 5 anos por quem se apaixona de imediato. Assim sendo, apesar de seu aspecto de velho, ela também gosta do estranho amigo, por quem começa a desenvolver uma admiração oculta.
Com o passar dos anos, a relação entre os dois se torna próxima, mesmo quando Benjamin decide se tornar marinheiro, viajando o mundo em um rebocador, ou quando Daisy (Cate Blanchett) vira uma grande bailarina em Nova Iorque. Quando os dois se reencontram, porém, as diferenças entre eles se acentuam pelo tempo distante. Decididos a ficarem juntos e superar qualquer problema, logo eles percebem a dificuldade de um relacionamento em que a diferença de idade se torna cada vez maior

O filme lembra um pouco Forest Gump, não apenas por ter tido o mesmo roteirista Eric Roth, mas pela própria história fantástica contada quase como uma fábula. Mas, não chega a ter ironias cômicas, como no primeiro. As locações, a fotografia, a trilha sonora e os costumes da época, eu diria, são impecáveis. Algumas cenas foram tomadas no Canadá, onde quem já lá esteve, pode relembrar a neve, o gelo e as lindas paisagens frias do inverno que contrastam com alguns dias ensolarados de New Orleans Isso tudo além, de podermos ver, num determinado momento, o casal namorando ao som dos Beatles num show de tv dos anos 60.

Eu li vários comentários de muita gente sobre o filme, mas um dos que mais me chamou a atenção, embora nao concorde com o mesmo, foi do músico e comediante Sean Morey que disse o seguinte:
“A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade. Você vai para colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando. E termina tudo com um ótimo orgamos! Não seria perfeito?”.

Na verdade, F. Scott Fitzgerald inspirou-se na famosa frase de Mark Twain, que dizia: "A vida seria infinitamente mais feliz se pudéssemos nascer aos 80 anos e gradualmente chegar aos 18”. Nessa época, Twain achava que as pessoas se contentariam apenas em ser octogésimas. Oscar Niemeyer, que está quase com 102, não iria gostar da idéia, certamente

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)

2 comentários:

Anônimo disse...

“...E termina tudo com um ótimo orgamo! Não seria perfeito?” – segundo Sean Morey.
Discordo profundamente!

Perfeito é do jeito que conhecemos...não queira questionar Deus, Sr Sean.

Se nascêssemos velhos e fôssemos rejuvenescendo, questionaríamos o processo e então iríamos sugerir que nascêssemos a partir de um orgasmo e morrêssemos velhos (ou seja, sugeriríamos a maneira que conhecemos hoje).

Então, a coisa mais injusta sobre a vida não é a maneira como ela termina, e sim, a maneira injusta como os viventes encaram sua finitude. Precisa ser entendido que a VIDA possui vários CICLOS, sendo o HUMANO apenas um deles.

É isso...

Unknown disse...

O ruim disso é que qdo chegasse o momento de voltar ao útero da mãe...ele não mais existiria...