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16 de abr. de 2009

A GALINHA DOS OVOS DE PÁSCOA

A Galinha dos Ovos de Páscoa
(Publicado no O Jornal de Hoje)
* Juarez Chagas

É a segunda vez que passo a Páscoa em Lisboa e, confesso, apesar da tradição européia pela data, “não se faz cá mais Páscoa como antigamente”, como dizem os patrícios. É verdade que o almoço e jantar são especiais para o momento entre as famílias e amigos e, indiscutivelmente, os melhores vinhos para degustar e dar rumo às conversas. Mesmo assim, sou muito mais nossa Páscoa simples e habitual de Natal, mesmo que o calor da Cidade do Sol, nesta época, quase derreta os ovos de chocolate, enquanto o frio da Europa quase os petrifique, concomitantemente.

É evidente que não me refiro aos festejos tradicionais comemorativos que ainda existem em algumas regiões típicas e que valem a pena serem vistas, como é o caso da “Festa das Tochas em Flor”, em São Brás de Alportel, na região da Serra de Algarvia, em Faro, já ao sul de Portugal, mais ou menos a uns 180km de Lisboa, onde uma bela procissão de Aleluia, em honra de Cristo, é feita com flores colocadas em tochas, ao invés de postas em andores e, o chão é também coberto de flores por onde passa a procissão. É um espetáculo belo de se ver, sem falar nas missas tradicionais, repletas de fies e curiosos.

Mas, a representação simbólica dos ovos de chocolate é referente aos ovos de galinha ou de coelho? De galinha, claro. Coelho é mamífero e mamíferos não põem ovos, exceto o esquisito ornitorrico que confundiu até George Cuvier, Darwin e outros evolucionistas da época e ainda intrigam os mais famosos cientistas, especialmente os geneticistas, até hoje, e que, diga-se de passagem, põe ovos de verdade! Ninguém sabe se este gênero de mamífero está em extinção, transição ou evolução. Coisas que só a Natureza explica.

Por causa de suas características peculiares, o bicho merece um parágrafo a mais, para melhor entendimento, pois é realmente um animal estranho com pele, pêlos, bico de pato, rabo de castor e patas interdigitais, recentemente citado pela revista Nature como uma mistura de réptil, pássaro e mamífero. Na verdade, não quiseram arriscar reclassificá-lo. Esse animal exótico vive na Austrália e na Tasmâmia, às margens dos rios, mede de 40 a 50 cm de cumprimento, sendo que a fêmea tem tetas e produz leite para alimentar os filhotes, porém paradoxalmente são ovíparos. Sua pele é adaptada à vida na água e o macho possui um veneno comparável ao das serpentes. Claro, diferentemente do coelho, não tem qualquer relação com a Páscoa, a não ser a palavra ovo.

Mas...como era a Páscoa antigamente, então? Pra saber, vale a pena rebuscar no passado, pois a idéia de trocar ovos de chocolate surgiu na França, quando antes disso, eram usados ovos de galinha para celebrar a data. Assim sendo, a tradição de presentear com ovos verdadeiros é muito, muito antiga e as galinhas dos ovos de páscoa deviam ser escolhidas a dedo, suponho. Na Ucrânia, por exemplo, centenas de anos antes da era cristã já se trocavam ovos pintados com temas sugerindo homenagem à celebração da chegada da primavera.

Os chineses e os povos do Mediterrâneo também tinham como hábito dar ovos uns aos outros para comemorar a estação do ano. Para deixá-los coloridos, cozinhavam-nos com beterrabas.

Mas os ovos não eram para ser comidos. Eram apenas presentes que simbolizavam o início da vida. A tradição de homenagear essa estação do ano continuou durante a Idade Média entre os povos pagãos da Europa. Eles celebravam Ostera, considerada a deusa da primavera, então simbolizada por uma mulher que segurava um ovo em sua mão e ao seu lado tinha um coelho a pular alegremente ao redor de seus pés, representando a fertilidade. Foi assim que o coelho entrou na história da Páscoa por sua reprodutividade e valor de renovação da vida.

Por outro lado, Os cristãos apropriaram-se da imagem do ovo para festejar a Páscoa, celebrando a ressurreição de Jesus. Na época, pintavam os ovos, geralmente de galinha (mas podia ser de outras aves domésticas, também), com imagens de figuras religiosas, como o próprio Jesus e Maria, sua mãe.

A partir de toda essa tradição e idéia, e nos tempos modernos, um espertinho qualquer com tino comercial, usou o chocolate para representar os ovos, a data e ficar rico, evidentemente, além de brindar o sucesso comendo o chocolate e fazendo com que todos, levados pelo espírito da renovação, numa maneira gostosa, troquem ovos de chocolate, carinhos e afetividade, desejando-se mutuamente uma Feliz Páscoa para todos.

Também “aproveitando” a ocasião da data muitas instituições e muitos políticos desejam “Feliz Páscoa” para todas as crianças e pessoas de todo o mundo (maioria das quais sequer podem comer um pão com ovo, como única refeição ao dia), ao invés de defenderem políticas públicas (cevam a galinha dos ovos de ouro só para eles), onde a vida fosse mais justa socialmente e a fome fosse varrida deste planeta e não fosse uma das mais deprimentes causa mortis em todo o mundo.

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)

2 comentários:

Waleska Maux disse...

boa páscoa! Já deve ser tradição para vc, passar por ai! Imagino quantas boas festividades!
Sucesso!

Anônimo disse...

Quando se pensa que tudo já foi visto e revisto sobre a musicalidade dos Anos 60, eis que leio essa maravilhosa matéria - aliás duas - de Juarez Chagas que lança um novo olhar sobre os famosos Anos Dourados. Hang on Sloopy tão bem interpretada pelo nosso Leno em Pobre Menina, embalou toda uma geração da Jovem Guarda. Bem observado a importância lírica da rima sobre a própria concordância na versão original. Parabéns.
Carlos Rossiter.