A Lição da Pequena Rã
* Juarez Chagas
“The Frog in the well, won´t know the immensity of the sky”
-Chinese Proverb
Tuta é uma rãzinha esperta, pertencente à classe dos
anfíbios, animais que, como o próprio nome sugere, tem duas fases de vida, uma
na água outra na terra, portanto, antes de conquistarem a terra como seu novo
ambiente, nascem na água, onde ocorre à reprodução e suas larvas são
extremamente parecidas com as dos peixes. Depois começam a crescer, perdem as
brânquias, saem da água e vão desbravar a terra, seu novo ambiente de vida. Depois,
sofrem profundas transformações, como pele úmida, através da qual também
respiram e ganham pulmões, para respirarem no ambiente terrestre. Algumas
possuem glândulas ao longo do corpo para umedecerem a pele e também afugentar
predadores e outros indivíduos do reino animal, não amistosos.
Quando chega a época da reprodução, voltam à água e começa
tudo de novo, num ciclo duplo de vida. É o animal mais importante no que diz
respeito à constatação de uma metamorfose em tempo presente e real, de um
vertebrado, sem ser preciso recorrer à imaginação paleontológica ou fósseis do
passado para reconstituir espécies ao longo do tempo e, de forma presencial,
acompanhar sua evolução da água pra terra.
Os ancestrais de Tuta, que eram anfíbios gigantes (até
1,20m) viviam no período carbonífero, há 300 milhões de anos atrás, segundo fósseis
encontrados e como Tuta é da ordem dos anuros (sapos, rãs e pererecas) têm suas
próprias características e, por isso, muitas vezes pode ser confundida com
outros sapos. Ela porem é pequena e bela. Acontece que, ao chegar o inverno, é
comum estes animais, após o período de acasalamento, hibernarem até a
primavera. Eles se escondem em locas, fendas e buracos onde possam se proteger
até o momento propício para saírem ilesos e se juntarem aos seus familiares e
amigos, novamente, para voltarem às suas atividades normais de acordo com as
estações do ano. O inverno e as torrentes este ano foram mais fortes do que as
de costume. Vento forte, chuvas e enchentes descontroladas desmentiram
previsões do tempo. Os pequenos anfíbios
começaram a se dispersar, cada um procurando um lugar para seu repouso sazonal.
Tuta sempre tivera medo
de lagartos, pois a idéia que tinha dos répteis era que esses animais eram
ferozes e peçonhentos e, de todas as maneiras, procurava evitá-los. Porém, ao saltar
de uma pedra para outra, nota um grande lagarto preso a uma fina corda, como se
alguém o tivesse prendido a uma armadilha, especificamente preparada para
capturar animais desse tipo. Observa Tuta que a cabeça do réptil, até à altura
do pescoço é muito parecida com a sua. Teriam sido parentes no passado? Pensou
ela. Observou atentamente, o lagarto que relutava, mas não conseguia se
libertar do laço que prendia seu pescoço, já marcado pelo nó que o sufocava.
- Pobre lagarto...se eu não tivesse tanto medo,
tentaria soltá-lo desse nó que aperta seu pescoço e o sufoca. Pensou Tuta,
enquanto, lentamente, seguia seu caminho. Porém, seu coração de rã e a
solidariedade do instinto animal a fez parar, olhar para trás e, voltar pra
tentar desamarrar o laço do pescoço do ofegante réptil que, talvez por ter
tanto relutado para se soltar, não tinha mais forças nem para erguer uma pata
em direção à armadilha. Tuta pára a poucos centímetros do laço e, com seus
dígitos (dedos) em forma de ventosas começa a afrouxar o nó do laço que, aos
poucos vai cedendo, cedendo, cedendo....até que se solta finalmente!! Tuta dá
um grande salto e distancia-se do lagarto que a fita com seu olhar reptiliano,
mas de agradecimento agora pela liberdade alcançada. Ela resolve evadir-se
enquanto ainda pode, enquanto o lagarto a observa sumir entre lajeiros e
arbustos.
A tempestade aumenta, o
vento sopra forte e os lagos e rios começam a encher seus leitos com uma
rapidez nunca vista! Tuta, por alguma circunstância ambiental do momento, havia
se abrigado numa loca mais escondida do que as de seu grupo e, portanto, mais
ou menos duas semanas depois, quando chegou o momento de sair e voltar
novamente à sua vida normal, deparou-se com um grande obstáculo! A entrada por
onde entrara para hibernar, estava fortemente cerrada e não conseguia mais sair.
Seus amigos e amigas que, viram quando Tuta escolheu aquela loca, ao passarem
de volta por ela, observaram que a mesma estava completamente fechada e,
certamente, imaginaram o pior ...e, a esta altura, já devem estar a caminho das
margens dos rios e lagos mais próximos, que já voltaram à sua normalidade, pois
o ritual do retorno à vida normal segue seu percurso com linearidade, mesmo que
alguém fique para trás e não consiga acompanhar o grupo. Na vida deve-se estar
sempre a favor da ordem natural das coisas e seguir as leis da Natureza é uma
delas.
Como sair agora?! O que
fazer?! Tuta se sentiu perdida! Em breve o oxigênio no ambiente, agora mais
fechando do que antes, lhe iria faltar por completo. As reservas de gordura que
seu corpo tinha, já estavam no fim e, logo, logo, não teria mais combustível
para seu organismo. Suas amigas e seus amigos lá fora continuam rumo às suas
vidas normais. De certo, que perceberam a ausência de Tuta, mas a lei da vida exige
que tudo continue seu curso normal, apesar das perdas. Certamente, outras rãzinhas,
logo se juntarão ao grupo e Tuta, será apenas uma saudade que ficaria para
trás.
O grupo segue seu
caminho, o qual é o topo de uma colina, com um plateau com rio e lago que, ao
longo do tempo se constituíram numa reserva ecológica naturalmente virgem e
inviolável, onde na primavera e verão, têm um ambiente úmido, fresco e rico em
comida e lá a água é perene, pois nunca seca. Todos levarão duas semanas para
escalar a colina e, finalmente, chegarem ao topo. Praticamente o mesmo tempo
que ficaram hibernando.
Mas, qual não foi a
surpresa para os esbaforidos e totalmente esgotados anuras, ao chegarem ao topo
da colina! Quem eles vêem lhes dando boas vindas! Tuta, acenando com suas
patinhas de rã, sorridente e verdadeiramente feliz! A alegria foi geral. Os
abraços, os beijos e até as lágrimas (de sapos e não de crocodilos,
evidentemente), foi tudo parte da festa! Felicidade geral!
Mas, como seria isso
possível, se Tuta estava presa em sua loca e foi dada como morta?! Todos viram
a loca totalmente fechada e sem acesso e, com tristeza seguirem sem ela o
caminho para a colina. E como teria ela chegado muito antes de seus amigos que,
inclusive, partiram na frente? Então, depois da calmaria e alívio de todos, ela
foi inquirida a contar tudo o que aconteceu e com detalhes, numa reunião de
rãs, sapos e pererecas! Era uma reunião única e certamente serviria de lição e
ensinamento às novas gerações.
- Senti-me perdida. Mais do que isso, senti-me
morta! Pensei em desistir no primeiro momento...pois, não via qualquer
possibilidade de, dali sair com vida. Por outro lado, percebi que não podia
desistir de lutar. Tinha que lutar, pela minha família e pelos meus amigos, que
sei gostariam que eu assim fizesse, nem que não obtivesse êxito. Mas, só o fato
de persistir e perseverar até o fim, poderia me dar uma chance de conseguir
algo. Pelo menos, a possibilidade de tentar até o fim, já seria honroso e, meus
amigos se sentiriam orgulhosos de mim se assim eu fizesse.
Então, insisti. Tentei
mais uma vez romper as paredes sólidas que o tempo tinha transformado em quase
rocha, fechando o espaço por onde eu tinha entrado para hibernar! Então,
comecei a bater contra a parede. Recuava e me jogava de encontro a ela. Pensava
eu, quem sabe alguém não escute e venha ver o que é...
E, já exausta, num
último alento, quase desmaiando, reuni toda a minha energia e, mesmo sabendo
que seria minha ultima tentativa, pois não tinha mais forças para mais do que
uma investida, me joguei contra a parede com todo o corpo e...TUMMM!!!!...
Desmaiei em seguida, mas pude perceber que, este impacto tinha sido mais forte
do que os anteriores. Desmaiei por segundos, imagino, pois logo em seguida ouço
um barulho enorme e a parede se demolir à minha frente. Que milagre é este?
Pergunto a mim mesma. Raios de luz entraram de supetão...fechei os olhos, pois,
não via luz há muito tempo. Vou abrindo os olhos devagar e, para minha surpresa
vejo um enorme lagarto, cuja cabeça, anatomicamente era igual à minha. Ele não
tinha visto o resto do meu corpo. Talvez tenha pensado que eu também era um
lagarto...Sorriu para mim com o olhar...olhar esse que me pareceu familiar. Eu
continuei sem ânimo e apreensiva. Fui saindo devagar da toca e, ele ao notar
que eu era uma rãzinha, quase toma um susto, e apressou-se em me tirar dali.
Foi gentil e solidário e, girando as costas, esperou que eu subisse em seu
dorso. Como eu hesitasse, com receio de não ser isso o que ele sugeria, parada
fiquei. Ele deu ré, com dois movimentos e girando a cabeça por cima do dorso
olhou para mim, como se ordenasse que eu subisse.
Nesse momento, senti
que seus olhos me diziam alguma coisa. Não consegui decifrar o que era, mas
senti como se fosse algo que ele agradecia. Mas, como pode alguém agradecer por
poder ajudar! Ao mesmo tempo, concordei: sim, é isso! Ele agradece por poder me
ajudar! Quem sabe, já não sofreu situação semelhante e por isso sente-se feliz
em ajudar! Foi então que subi em seu dorso e, o lagarto (que passei a chamar,
lagarto da sorte) escalou a colina, firme e gentilmente. E aqui, estou eu.
Urras se ouviu nesse
momento. Risos, abraços, euforia de todos. Estava ali, a grande lição da rãzinha
persistente. Exemplo para seus pares, todos os animais e, evidentemente, para
nos humanos também que, muitas vezes, não são solidários com a flora, com a
fauna, com o próximo e nem persistentes, muitas vezes.
Moral da história: se
acreditamos e fazemos nossa parte, teremos a possibilidade da Natureza e do
próximo conspirarem a nosso favor. Na pior das hipóteses, teremos a certeza de
não termos falhado conosco mesmo sem nada fazer! (Extraído do livro HORIZONTES
POSSÍVEIS, do mesmo Autor).
*Biólogo,
Psicólogo e Professor Universitário, também é autor dos livros: O Corpo Oculto,
Nos Bons Tempos da SCBEU-Viagem nas Memórias dos Anos Dourados de Natal,
articulista semanal de O Jornal de Hoje, desde 2004.
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