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6 de ago. de 2009

ELIZABETH KLÜBER-ROSS

Klüber-Ross
*Juarez Chagas

Falar, nos dias de hoje, sobre a finitude humana, seus cuidados e suas conseqüências biopsicossociais e não mencionar Elizabeth Klüber-Ross (Zurique/Suíça 1926 - Arizona/EUA 2004) como uma das principais referencia contemporânea, é no mínimo um grave descaso. Antigamente, quando se abordava questões sobre o mesmo tema, ninguém o fazia sem antes citar Schopenhauer, Durkeheim, Foucault, Freud e tantos outros, isso sem falar nos filósofos como Platão, Epicuro e, tantos outros, igualmente. Klüber-Ross tinha a Medicina como sonho e passou mais de três décadas fazendo pesquisa sobre a morte e o morrer, divulgando seus trabalhos, principalmente na Europa e Estados Unidos, onde morreu aos 78 anos de idade.

É importante dizer que Klüber-Ross vivia num “centro de uma controvérsia medica e teológica”, como ela mesma costumava dizer. Essa controvérsia, iria se evidenciar mais enfaticamente durante os últimos anos de sua vida, quando passou a afirmar que a morte não existe. Entretanto, a rica trajetória e experiência dessa pequena mulher obstinada (eu diria, fazendo uma analogia ao personagem de Dustin Hofman no filme O Pequeno Grande Homen, ter sido ela The Little Big Woman da Medicina) nos deixou um legado inestimável e, sobretudo, um exemplo a seguir no que se refere `as atitudes perante a morte.

Mas, para chegar ate aonde chegou, principalmente explorando e divulgando um assunto tão árido quanto assustador, encapuzado pelo tabu da ignorância e pavor social, Klüber-Ross quebrou barreiras, preconceitos, obstáculos e, principalmente, descaso de homens e instituições. Mas ela guardava em si uma das mais fortes e nobres qualidades do ser humano perante os óbices: a persistência e crença no que se propunha. É dela a frase que costumava dizer a si mesma quando queria fraquejar: “As adversidades somente nos tornam mais fortes, pois não há alegria sem dificuldades, não existe prazer sem dor”.

Quem leu seu ultimo livro, A Roda da Vida, o qual alem de seu trabalho e pesquisas, também nos remete quase a uma biografia pessoal, surpreende-se claramente ao perceber que ela era uma medica tão humana que sofria com e pelos pacientes, rezava e chorava com eles quando não tinha outro jeito e, nem por isso, tornou-se menos medica. Muito pelo contrario, valorizou, principalmente, o paciente terminal, cuja esperança seria morrer melhor acolhido, como um ser humano, com a identidade com a qual viveu durante toda sua vida.

E interessante frisar que Klüber-Ross teve inúmeros problemas ate conseguir ser um novo modelo na medicina no que diz respeito ao cuidar do paciente, pois enfrentou o descrédito de seus colegas de medicina quando se dedicou a entender o fenômeno do "morrer" em pacientes terminais. Submetendo-se ao ridículo quando orava junto a seus pacientes que lhe solicitavam. E a pergunta que mais ouvia nos corredores dos hospitais era: como pode uma profissional treinada para salvar vidas destinar seu tempo com aqueles com quem cuja vida se esvai, sem qualquer chance de devolvê-la?

Sua resposta viria mais tarde com o sofrimento e com o tempo, pois foi experenciando o morrer de seus pacientes que foi capaz de descrever em seu livro "Sobre a morte e o morrer", os principais estágios pelos quais passavam seus pacientes. Na verdade, através de sua forma humana de ser e atuar, teve a coragem de quebrar padrões e tradições estigmatizadas ao longo do tempo pela sociedade e imprimir uma revolucionaria forma de humanização no atendimento e cuidado do paciente, especialmente o paciente terminal, cuja esperança final reside no acolhimento da família e amigos, em seus últimos dias de vida.

Sobre uma importante experiência e lição que ela teve com uma faxineira de um hospital onde trabalhou, costumava dizer que “Nenhuma teoria ou ciência do mundo ajuda tanto uma pessoa quanto um outro ser humano que não tem medo de abrir o coração para seu semelhante”. Nesse hospital ela observou que esta faxineira conversava com seus pacientes terminais e, percebeu que quando a faxineira saía, os pacientes se sentiam mais animados e apresentavam atitudes mais otimistas. Começava aí a passos firmes de sua trajetória do entendimento e o estudo sobre a morte e o morrer que, posteriormente, viria a ser conhecido como Tanatologia.

Mas, essa fase seria apenas a base de seus estudos, pois viria muita coisa pela frente, assim como, muitos obstáculos também a serem enfrentados e vencidos. Aos poucos a experiência ganhava um sentido acadêmico único que somente a Dra. Klüber-Ross experienciava naquele momento. Ela via nitidamente que todos os seus pacientes terminais e, igualmente, todas as pessoas que sofrem uma perda, passavam por estágios semelhantes. Surgiam assim os cinco estágios (posteriormente conhecido como Modelo Klüber-Ross) através dos quais as pessoas passam ao lidar com a perda, o luto e a tragédia, segundo suas observações: 1. Negação (isolamento); 2. Cólera (raiva); 3. Negociação (barganha); 4. Depressão (reação ao conflito); 5. Aceitação (resignação).

Klüber-Ross, pode ser considerada hoje a mulher e médica que mudou a maneira como o mundo cientifico via e pensava sobre a morte e o morrer e este modelo se popularizou e se tornou conhecido como “Os Cinco Estágios do Luto ou da Dor da Morte ou da Perspectiva da Morte , encontra-se detalhadamente descrito no livro da autora intitulado A Roda da Vida – Memórias do viver e do morrer (The Wheel of Life - 1997 - Ed. Sextante - 313p), fonte imprescindível para quem busca um melhor entendimento para a questão da finitude humana, especialmente para profissionais da área. Cada um desses estágios, hoje muito bem aceitos pelos profissionais da saúde que cuidam, especialmente de pacientes terminais e idosos que se sentem desiludidos com a vida, tem um significado especial e nem sempre segue a mesma seqüência.

Gostaria de transcrever um texto do próprio livro de Klüber-Ross, tal qual ela expressa sua visão e sentimento sobre o obstáculo de enfrentar a morte e como a medicina tem esquecido essa realidade, ao longo do tempo:
“Talvez o maior obstáculo a enfrentar quando se procura compreender a morte seja o fato de que é impossível para o inconsciente imaginar um fim para sua própria vida. O inconsciente só é capaz de compreender a morte sob uma perspectiva: uma súbita e assustadora interrupção da vida por meio de uma morte trágica, um assassinato ou uma das muitas doenças horríveis que existem. Na mente de um médico, a morte significa outra coisa. Significa colapso, falência, declínio. Eu não podia deixar de observar como todos no hospital evitavam o assunto.

Naquele hospital moderno, a morte era um acontecimento triste, solitário e impessoal. Os pacientes terminais eram encaminhados para os quartos dos fundos. Na sala de emergência, os pacientes ficavam em total isolamento, enquanto médicos e parentes discutiam se deveriam ou não contar a eles o que havia de errado. Para mim, havia sempre uma única pergunta que precisava ser feita: “De que modo vamos todos, nós e ele, compartilhar essa informação?” Se alguém me perguntasse qual é a situação ideal para um paciente que vai morrer, eu voltaria à minha infância e descreveria a morte do fazendeiro que foi para casa morrer junta da família e dos amigos. A verdade é sempre a melhor opção.

Os grandes avanços da medicina haviam convencido as pessoas de que a vida deveria ser indolor. Como a morte estava associada à dor, o assunto era evitado. Os adultos raramente faziam referência a qualquer coisa que estivesse relacionada com a morte. As crianças eram despachadas para outros cômodos da casa quando o assunto era inevitável na conversa. Mas fatos são fatos. A morte é parte da vida, a parte mais importante da vida. Médicos brilhantes que sabiam como prolongar a vida não compreendiam que a morte era parte dessa mesma vida. Quando não se tem uma boa vida, estando aí incluídos todos os momentos finais, não se pode ter uma boa morte. A necessidade de explorar essas questões de um ponto de vista acadêmico, cientifico, era tão grande quanto era inevitável...”


Com a transcrição deste texto, na verdade, parte do cap 19 (Sobre a morte e o morrer), temos a essência do trabalho de Klüber-Ross que deveria ser parte de qualquer reflexão sobre a finitude humana, seja do ponto de vista cientifico, teológico ou filosófico.

É interessante lembrar que os pacientes que mais mereceram sua atenção e cuidado foram os pacientes considerados terminais e idosos em institutos de repouso, mas que se sentiam abandonados e desiludidos com a vida (falo com conhecimento de causa, pois durante o ano que passei num instituto para idosos como psicólogo clinico, pude vivenciar e aprender mais sobre a temporalidade e finitude do ser humano do que qualquer livro ou cursos puderam me ensinar), lamentavelmente é verdade que Kluber-Ross, que tanto cuidou de pacientes nessas condições, morreu abandonada e sozinha.

Exemplos como este, nos faz acreditar em ironia do Destino. Nesse caso não foi apenas um grave descaso referencial, foi um descaso com a própria dignidade humana

*Professor do Centro de Biociências da UFRN(Juarez@cb.ufrn.br)

2 de jul. de 2009

O GAFANHOTO VOA




O Gafanhoto Voa
* Juarez Chagas

Quando li sobre a morte de David Carradine (1936-2009), no ultimo dia 4 deste mês, a principio não pensei escrever este artigo, talvez para que o mesmo não sugerisse apenas comentários oportunos, focado no ocorrido. Entretanto, a mídia continua a divulgar o assunto (principalmente nos EEUU e Europa) inclusive, porque pairam duvidas e suspeitas sobre a causa mortis do ator, então com 72 anos, onde alguns tablóides ficam divididos entre os motivos suicídio e jogos eróticos sexuais, uma vez que seu corpo teria sido encontrado nu e dependurado numa corda, num luxuoso apartamento de um hotel em Bangkok, na Tailândia. Carradine estava em Bangkok para as filmagens de "Stretch".

Eu prefiro me reportar ao que a pessoa e ator David Carradine significam para o mundo das artes cênicas, incluindo aí teatro, televisão e cinema pois o mesmo, independentemente de sua vida pessoal, tornou-se um invejável ícone, ao longo de mais de quatro décadas, com uma filmografia que soma quase 200 filmes e 30 seriados de tv.

Na verdade, David Carradine, pertence a uma família de atores, cujo sobrenome tornou-se uma importante marca no meio cinematográfico, a começar por seu pai, o velho John Carradine (um dos atores preferidos de John Ford, principalmente em papeis secundários) que acabou trazendo quase toda a família para as tela de TV e cinema.

É inegável que Carradine tenha ficado conhecido internacionalmente por causa do famoso seriado de TV intitulado Kung-Fu (1972-1975), marcando toda uma geração ocidentalizada que, de repente, resolve absorver princípios filosóficos do Oriente, através de uma historia (imagine só, baseada num dos mais famosos westerns americanos: Shane).

Na serie, Carradine interpreta Kwai Chang Caine, um andarilho criado por monges do Templo Shaolin, para se tornar um mestre de Artes Marciais (simplesmente chamado de Caine, ou Gafanhoto, por seu mestre, portanto observe a semelhança do nome, com Shane), tendo sido, pelo tamanho sucesso, indicado para os prêmios Emmy e Globo de Ouro. Temos que admitir que o americano faz cinema como ninguém e, suas formulas, algumas vezes absurdas, acabam transformando atores em verdadeiros padrões estigmatizados ou não. Carradine, por sua vez, transformou-se num ícone da televisão americana dos anos 70.

Sobre o seriado Kung Fu, há algumas considerações a fazer. Primeiro, o Kung Fu não chegou na América através de Carradine. Este apenas pegou uma carona no boom das Artes Marciais que invadiu a América no final dos anos 50, com seu auge nos Anos 60 e toda a década de 70, com a imigração de Japoneses e Chineses que estabeleceram sua cultura, sendo as Artes Marciais uma de suas principais bandeiras. Nesse contexto, como não podia deixar de lembrar, entra o Pequeno Dragão, Bruce Lee que, com sua arte e persistência conquistou, não apenas os EEUU, mas todo o mundo.

Porem, a historia de Lee Siu Lung (1940-1973) é uma das mais impressionantes historias de sucesso de um artista marcial na sociedade contemporânea. Entretanto, como não poderia deixar de ser, teve igualmente seus percalços, controvérsias e contradições. Na verdade, Bruce nasceu em São Francisco, Califórnia, quando seu pai passava por essa cidade, acompanhando uma opera de teatro chinês, da qual fazia parte. Bruce, só voltaria a América aos 19 anos para estudar Filosofia, na Universidade de Washington. Embora cidadão americano, o inicio de sua vida nos EEUU não foi fácil e, foi discriminado, trabalhou duro ate conseguir abrir sua escola de artes marciais. Porem, alem de seus alunos comuns, dava aulas particulares a celebridades como Steve MacQueen, James Coburn, Roman Polansky, Kareem Abdul Jabar, dentre outros. Isso foi o caminho para a tv e o cinema. Começava, então sua trajetória não apenas nas artes marciais, mas também cênicas.

Assim, em 1966 Bruce estréia, ao lado de Van Williams, no famoso seriado de TV, The Green Hornet (O Besouro Verde, 1966/1967), produzido por William Dozier (1908-1991), o mesmo produtor do seriado Batman. O seriado foi interrompido porque Kato (Bruce Lee), o motorista do Besouro Verde (Van Williams), com suas habilidades marciais, passou a ser mais famoso do que a personagem principal e, portanto, iria de encontro ao enredo original da historia. Resultado: fim do seriado e tristeza geral de todos.

Mas, em 1971, Bruce que colaborava com o projeto do seriado The Warrior (O Guerreiro), que viria a ser depois simplesmente Kung Fu, recebe um telegrama notificando que ele não seria o escolhido para o seriado e sim David Carradine. Isso, evidentemente, o indignou, como também aos fans, pois Carradine não sabia sequer, amarrar uma faixa de kimono, no entanto iria protagonizar um dos mais importantes seriados de TV da América.

De qualquer forma, o Destino já estava tomando suas providencias e, Lee passou direto para filmes lançados em Hong Kong, depois EEUU e Europa, com estrondoso sucesso, ate que veio sua consagração definitiva com Operação Dragão (Enter The Dragon, WB 1973), conquistando Holywood, como tanto sonhava. Resultado: as Artes Marciais vivem seu segundo boom! Foi lamentável o Pequeno Dragão não ter vivido para ver.

Carradine, por sua vez, também notabilizou o seriado que não perdeu sua forca e nem filosofia, muito pelo contrario, quem ganhou foi a TV e o cinema, e o publico, respectivamente. O Pequeno Dragão, deixou de lançar suas chamas em 20 de Julho de 1973 e agora o Gafanhoto voa.

*Professor do Centro de Biociências da UFRN(Juarez@cb.ufrn.br)

1 de jul. de 2009

POBRE MENINA


Pobre Menina
* Juarez Chagas

A importância do cenário musical pop dos Anos 60, sobre a qual tenho também eventualmente escrito alguma passagem, que merece recordação sobre os Anos Dourados, realmente permanece viva no imaginário individual e coletivo de toda aquela geração. Acho que por causa de eventuais referências a essa importante época, alguns leitores as vezes que nos acompanham, solicitam mais dados sobre o assunto.

O legado desta riquíssima época de ebulição, libertação cultural e sobretudo de uma conquista de novos valores através de pensamentos, atitudes, ideologia e novas realizações através da arte, música, literatura e outros movimentos e expressões sociais legítimos e autênticas, permanece até hoje como inspiração dos Anos Dourados, seja no âmbito fonográfico, artístico, cultural e, por que não dizer, em todos eles, ao mesmo tempo. E por esta razão, sempre emociona os participantes desse período único, tenham sido eles atores ou publico, pois um não existiria sem o outro e, ambos protagonistas do mesmo palco que foi a época. Por essa razão que fluiu a magia lírica e poética, embora algumas vezes pela rebeldia, marca própria da juventude.

O artigo intitulado “É Papo Firme”, sobre a música homônima do RC (JH de 22/4/2009, edição vespertina), rendeu também uma cobrança de um leitor, o qual comenta o artigo e pergunta se eu visitei o site oficial de Leno (http://www.leno.com.br/), sobre quem o leitor tem grande admiração. O mesmo lembra a musica Pobre Menina e faz questão de dizer que esta foi a musica dedicada a sua namorada, na época (hoje sua esposa), embora pelo que eu saiba, ela não fosse nada pobre, nem ele tão pouco e a musica muito menos. É por isso que, muitas vezes, o entendimento reside no oposto e no paradoxal...

Realmente, a música “Pobre Menina” (1966), inesquecível, marcante e importantíssima versão de Leno & Lilian da canção Hang On Sloopy, dos The McCoys (1965), não somente foi um dos maiores sucessos da época, como teve um forte sentido para a juventude brasileira e, em especial para a juventude natalense dos Anos 60, pois sendo Leno de Natal (o que nunca negou, muito pelo contrario, diferentemente de muitos outros artistas nascidos na capital potiguar), sentiam-se mais orgulhosos e identificados com tudo o que esta música representava.

Porem, antes de comentar mais sobre Pobre Menina, deve-se fazer justiça sobre sua inspiradora original que foi Hang on Sloopy, do grupo de rock, The McCoys, como já disse. The McCoys foi um grupo de pop rock da cidade de Indiana, EEUU, surgido em 1962 e que tem em Hang on Sloopy seu sucesso absoluto, através do qual ficou conhecido mundialmente. Entretanto, como todo grande sucesso tem uma trajetória peculiar, não foi diferente com "Hang on Sloopy" que foi gravada originalmente com o titulo de "My Girl Sloopy" pela banda The Vibrations em 1964, ficando entre as 30 músicas mais tocadas na época. Mas, a consagração viria com The McCoys, tornando-se sucesso absoluto e regravada por varias bandas, concomitantemente, inclusive pelos The Yardbirds, num estilo a lá Stones (bom lembrar que The Yardbirds teve ninguém menos que os feras Eric Clapton e Jeff Beck e depois Jimmy Page antes de fundar o Led Zeppelin. O grupo surgiu em Londres em 1963, e uns 5 anos depois já dividiam o comando dos palcos com bandas como The Animals e os The Rolling Stones).

Outro sucesso da música Hang on Sloopy é que esta se tornou a musica oficial do time de futebol Ohio State Football, desde o inicio de seu sucesso, sendo considerado hoje o hino que incita o time durante o intervalo dos jogos, fazendo parte também das “Canções da Universidade de Ohio”.

Outra curiosidade e ao mesmo tempo informação é que apesar de muitos tentarem traduzir o titulo da música esbarrarão apenas no apelido da cantora de jazz de Ohio, Dorothy Sloop (1913-1998) que usava o nome Sloopy, nos palcos e a quem a música homenageia (na verdade, a palavra Sloop significa corveta ou pequeno cruzador dos mares. No sentido literário, quem sabe algo pequeno que viesse a vencer grandes torrentes...). Outra nuance que se pode atribuir a canção é que esta foi composta no meado dos anos 60, portanto durante o movimento dos direitos civis e humanos, guerra do Vietnam, movimento Hippie e liberação da Mulher e, portanto, talvez traga um pouco de tudo isso em sua letra, pois o refrão “Hang on Sloopy, Sloopy hang on”, quer dizer “Aguenta firme Sloopy...segura a barra,” embora, se formos ver e ouvir o clip original com mais atenção é possível perceber também indução à liberação feminina no final do coro.

Ao fazer a versão de Pobre Menina, Leno não apenas foi sensível como inteligente, pois o lado simples e lírico da musica é contagiante, oportuno e falava a todos como um conto de fadas, mostrando que nos Anos Dourados, o romantismo era forte, inclusive no Rock ‘ n Roll. Pobre Menina foi e ainda é uma das músicas mais ricas da dupla Leno & Lílian.
Vejamos a versao da musica e a originalidade da dupla em algumas estrofes, o que caracterizou seu estilo inconfundivel do que diz respeito a sua letra e melodia:
Pobre Menina
Leno e Lilian
Composição: Farrel - Vrs. Leno / Wess

Refrao x 2
E aba eaba
Pobre menina não tem ninguém
Pobrezinha ela mora em um barracão
E todo mundo quer magoar seu coração
A mim não interessa quem sejam seus pais
Porque pobre menina eu te quero demais
Refrao
E aba eaba
Pobre menina não tem ninguém
Vive mal vestida em seu bairro a vagar
E em toda sua vida só tem feito chorar
Como num conto de fadas nós vamos casar
E então toda tristeza vai acabarAvai acabar
Refrao
E aba eaba
Pobre menina não tem ninguém
E, respondendo ao amigo leitor, vi sim o site de Leno, também admiro seu trabalho e recomendo a todos, especialmente aqueles que viveram os Anos Dourados.

*Professor do Centro de Biociências da UFRN(Juarez@cb.ufrn.br)

30 de jun. de 2009

HANG ON SLOOPY


Hang on Sloopy
*Juarez Chagas

A canção Hang on Sloopy, dos The McCoys, foi apenas uma das musicas pop cuja historia reflete um pouco do comportamento da geração dos Anos Dourados, em amplo sentido, não apenas discografica ou artisticamente falando, porem por sua representação social do momento e seu significado como fazendo parte do movimento contestador de toda uma geração pop que eclodiria, nos EEUU, definitivamente no final dos anos 60, com o Festival de Woodstock (69).

Evidentemente que este movimento cultural jovem já era conseqüência e resultado de uma serie de fatores contra os quais os jovens e grupos rebeldes setorizados demonstravam suas atitudes contra o establismentarianism, tendo a musica em si como pano de fundo, onde dentre alguns símbolos marcantes do movimento, podia se ver logomarcas de uma pomba descansando no braço duma guitarra ou flores saindo do cano duma metralhadora ou de um tanque de guerra, ou mesmo o punho cerrado com os dedos indicador e médio em V, substituindo a frase Peace and Love que, se transformariam em marcas de grife, camisetas (T Shirts), toalhas, bottons, chapéus, cintos, enfim, tudo o que o marketing da época pudesse fazer para divulgar e barganhar em cima duma realidade que, diga-se de passagem, parecia um sonho.

A frase “O Sonho não Acabou...” (The dream is not over), a qual tornou-se uma esperança latente e usada por muitos, posteriormente, vem dessa unidade que parecia paradoxal, mas que na verdade, era uma coisa só, composta de muitos conteúdos representando o coletivo e o individual, não apenas no imaginário de uma geração jovem, mas de grande parte de uma sociedade que vivia novos tempos.

Entretanto, ate então, genuínos “rockers”, tendo a frente Chuck Berry (cujo titulo de inventor e pai do rock é justíssimo!) conduziam sabia e marcantemente o Rock and Roll, somente depois seguido por Elvis Presley e uma gama de jovens talentos responsáveis por não deixarem o velho Rock ‘n Roll se transformar em apenas um rotulo, principalmente os 4 cabeludos de Liverpool que ainda se contentavam em viver a era Chuck e beber em sua fonte original, muito embora filtrando a ‘água. Este era mais ou menos o cenário de então.

A batida seca, cadenciada e forte, porem sugestiva e melódica ao mesmo tempo, do rock Hang on Sloopy, chegou ao Brasil como uma euforia contagiante, que logo se espalhou não só pelo cenário musical da mídia da época, mas também nas festinhas (em Natal eram os inesquecíveis “assustados” e matinés em clubes ou teatros), boates, reuniões de grupos e bandas de cantores atentos ao que ocorria na terra do Tio Sam, principalmente.

A parte lírica da musica também é muito rica e, inclusive pra mostrar que na poesia mais vale a concordância da rima ou do sentido da mensagem, do que a própria semântica, temos também o exemplo do erro proposital da concordância verbal, quando a estrofe “Sloopy I don’t care what your Daddy do” - sabemos que Daddy é um sujeito na 3ª pessoa do singular, portanto o verbo usado deveria ser “does” e não “do” - (Sloopy eu não ligo para o que seu pai faz, o que Leno sabiamente versou como “A mim não interessa quem sejam seus pais...), para que pudesse rimar com “ ‘Cause you know Sloopy girl, I’ m in love with you (porque você sabe Sloopy, que tou apaixonado por você).

Leno, por sua vez, iniciando a formação da dupla Leno & Lílian, filtrou como ninguém a idéia da música e, numa versão muito feliz, fez o sucesso da mesma no Brasil e, a partir daí passou a mostrar a todo o pais verde e amarelo, os sucessos da própria dupla.

A propósito da velha batida do Rock ‘n Roll, cravada com o irretocável solo estridente, contundente ou meloso, segundo a história e significado de cada música, como por exemplo Day Tripper (The Beatles), Satisfaction (The Rolling Stones) ou Hang Sloopy (The McCoys) e outros mais recentes como Up Around The Bend (Credence Clearwater Revival), as guitarras quase “falavam as expressões sonoras” que, sem exagero algum, já diziam mais que a metade da própria musica. Nesse contexto, George Harrison foi ao lado de, ninguém mais ninguém menos que Hendrix, precursor de solos e riffs, que depois puderam ser imitados por meio mundo do rock, com solos que mostravam ir alem de sua capacidade e restrição musical, sugerindo inclusive uma segunda voz inspirada nessa vertente.

Como dissemos no artigo anterior, quando The McCoys gravaram Hang on Sloopy, em 1965, jamais poderiam imaginar que anos mais tarde esta música também pudesse se transformar em sinônimo do Time de Futebol (americano) de Ohio, constituindo-se num incontestável fenômeno para as torcidas organizadas e público em geral. Na verdade, a canção tornou-se parte da tradição ritualística dos eventos do time, onde nenhuma outra música representa, pois é considerada “a musica de Ohio”.

Relembremos (quem viveu a época) HANG ON SLOOPY ou vejamos (quem não eh da época) como o significado da canção tem sentido ambíguo e, por vezes, metafórico:

Hang on Sloopy

Hang on sloopy, sloopy hang on (Agüente firme, Sloopy, Sloopy, agüente firme)
Sloopy lives in a very bad part of town (Sloopy mora no lado ruim da cidade)
Everybody yeah, tries to put my sloopy down (Todo mundo tenta humilhar minha Sloopy)
Sloopy I don't care, what your daddy do (Sloopy, eu não ligo pra o que seu pai faz)
’Cause you know sloopy, girl, I'm in love with you (Porque você sabe, garota, tou apaixonado por você)

And so I’m sigging now

Hang on sloopy, sloopy hang on (Agüente firme, Sloopy, Sloopy, agüente firme)
Hang on sloopy, sloopy hang on(yeah) (yeah) (yeah) (yeah) (yeah) (yeah)
Wo, uh, wo, uh, wo, uh, wo, uh

Sloopy let your hair down, girl (Sloopy, deixe seu cabelo solto)
Let it hang down on me (deixe-o solto sobre mim)
Sloopy let your hair down, girl (Sloopy, deixe seu cabelo solto)
Let it hang down on me (deixe-o solto sobre mim)

Come on sloopy (come on, come on)
Come on sloopy (come on, come onSo come on sloopy
(come on, come on)Come on sloopy (come on, come on)
Well it feels so good (come on, come on)You know it feels so good
(come on, come on)
Well shake it, shake it, shake it sloopy (come on, come on)

Well shake it, shake it, shake it yeah, yeah, yeah (come on, come on)
Hang on sloopy, sloopy hang on(yeah) (yeah) (yeah) (yeah)
Hang on sloopy, sloopy hang on(yeah) (yeah) (yeah) (yeah)
Hang on sloopy, sloopy hang on(yeah) (yeah) (yeah) (yeah)

Por essa e outras razoes, os Anos Dourados foram real e incontestavelmente, dourados, cujo brilho é sempre reavivado quando neles se fala.

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(Juarez@cb.ufrn.br)

16 de abr. de 2009

DE FRENTE PARA O SOL

De frente para o Sol
(Publicado no O Jornal de Hoje)
*Juarez Chagas

Esse é o título do novo livro de Irvin Yalom, o mesmo autor de “Quando Nietzsche chorou”(1992), este por sua vez, seu primeiro romance e de bastante sucesso, que romantiza a vida de Friedrich Nietzsche e Josef Breuer, e que é muito conhecido, não somente no âmbito da Psicologia, mas como nas áreas de humanas, filosóficas e afins.

De frente para o Sol (Staring at the Sun, 2008, editado no Brasil pela editora Agir, 230 pgs) está sendo muito comentado, especialmente nos EEUU e Europa e, especificamente no âmbito da Tanatologia que é o objetivo de Yalom, neste trabalho, onde ele, através de seu livro mais pessoal até hoje escrito, aponta, discute e discorre sobre suas crenças íntimas, como uma forma de interação como psicoterapeuta e escritor.

O autor, agora com 78 anos de idade e mais introspectivo, é um escritor americano, filho de imigrantes russos, formado em psiquiatria, pela Universidade de Stanford que, surpreendentemente, alcançou a lista de livros mais vendidos nos Estados Unidos com Love's Executioner and Other Tales of Psychotherapy (no Brasil traduzido como Love’s Carrasco & Outras Histórias de Psicoterapia,1989), passando a partir daí a chamar a atenção da crítica literária para deslumbramento de seus seguidores e antipatia e resmungos de seus desafetos. Yalom, não iria querer ficar famoso sem ter que enfrentar a indisposição de invejosos que, só pelo sucesso de seu próximo, sentem-se incomodados e vingativos.
Falar sobre o novo livro de Yalom, que acabo de ler recentemente, não apenas como consulta para pesquisa sobre Tanatologia, porém também como interesse pessoal, implica em algumas considerações que, por mais que tentemos evitar, acaba tendo também conotações próprias, fato este, praticamente impossível de se evitar para quem se aprofunda nas obras e seus autores, sempre com a intenção de captar mais sobre o contexto e suas nuances. Ler um livro como um simples leitor é uma coisa e ler um livro como um pesquisador do autor e sua obra é outra coisa. E, confesso, não sei qual o melhor ou pior entre os dois. Talvez, quem sabe, ler o mesmo duas vezes com objetivos diferentes, seja o ideal.
De frente para o Sol, título escolhido pelo próprio Yalom como uma analogia à situação de que nem o sol e nem a morte podem ser encarados de frente (não considerar o quase pleonasmo, pois encarar tem que ser de frente mesmo), mas inspirada numa frase de François de La Rochefoucauld (não confundir com Michel Foulcault), que diz que “Nem o sol nem a morte podem ser olhados fixadamente” (Le soleil ni la mort ne se peuvent regarder en face).
Pra quem já leu o livro, admite que uma das primeiras coisas a se notar é que o autor faz questão de imprimir uma opinião pessoal de sua visão particular perante a morte e, acima de tudo, inspirada em seus predecessores intelectuais como, tanto os do século XIX quanto os do século XX, Pinel, Freud, Jung, Pavlov, Skinner, dentre outros, isso sem falar na própria filosofia de Epicuro sobre a morte, na qual ele tem se inspirado profundamente.
Mas, Yalom admite também ter tido alguns problemas com sua posição pessoal de ateu, assim como também com sua maneira individual de ver a sua própria angústia e o fantasma da morte e de sua inevitabilidade. Por outro lado, entende o papel das religiões em nos oferecer uma resposta para nossa existência, sobre a morte e todas as nossas construções imaginárias até então feitas pelo homem, mesmo contestando a questão da fé. Porém, prega que a morte não deve ser temida e discorre sobre uma série de exemplos, vividos em seu próprio consultório, de terapia para ajudar pacientes com angústia de morte. Diga-se de passagem, uma área dominada por poucos.
Na verdade, Yalom mostra, ao longo do livro, através de vários casos e histórias de seus próprios pacientes e, sobretudo através dos ensinamentos de seus mestres e sua larga experiência de meio século sobre como encarar a finitude humana, que novas perspectivas se abrem para transformar a idéia da morte, mesmo sendo algo insuportável como a luz ofuscante do sol, em energia vital e imprescindível para o ser humano, pelo menos como um raio de luz que vislumbre a trajetória do ser humano e que o mesmo não caminhe tão às escuras como vivia o homem das cavernas.
Entretanto, se formos mesmo comparar o homem de Neardental com o atual, em termos de atitudes perante o próximo e o coletivo, apesar de todo utensílio tecnológico e suas ferramentas de última geração, confesso que talvez o primeiro fosse menos animal...

*Professor do Centro de Biociências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)

A GALINHA DOS OVOS DE PÁSCOA

A Galinha dos Ovos de Páscoa
(Publicado no O Jornal de Hoje)
* Juarez Chagas

É a segunda vez que passo a Páscoa em Lisboa e, confesso, apesar da tradição européia pela data, “não se faz cá mais Páscoa como antigamente”, como dizem os patrícios. É verdade que o almoço e jantar são especiais para o momento entre as famílias e amigos e, indiscutivelmente, os melhores vinhos para degustar e dar rumo às conversas. Mesmo assim, sou muito mais nossa Páscoa simples e habitual de Natal, mesmo que o calor da Cidade do Sol, nesta época, quase derreta os ovos de chocolate, enquanto o frio da Europa quase os petrifique, concomitantemente.

É evidente que não me refiro aos festejos tradicionais comemorativos que ainda existem em algumas regiões típicas e que valem a pena serem vistas, como é o caso da “Festa das Tochas em Flor”, em São Brás de Alportel, na região da Serra de Algarvia, em Faro, já ao sul de Portugal, mais ou menos a uns 180km de Lisboa, onde uma bela procissão de Aleluia, em honra de Cristo, é feita com flores colocadas em tochas, ao invés de postas em andores e, o chão é também coberto de flores por onde passa a procissão. É um espetáculo belo de se ver, sem falar nas missas tradicionais, repletas de fies e curiosos.

Mas, a representação simbólica dos ovos de chocolate é referente aos ovos de galinha ou de coelho? De galinha, claro. Coelho é mamífero e mamíferos não põem ovos, exceto o esquisito ornitorrico que confundiu até George Cuvier, Darwin e outros evolucionistas da época e ainda intrigam os mais famosos cientistas, especialmente os geneticistas, até hoje, e que, diga-se de passagem, põe ovos de verdade! Ninguém sabe se este gênero de mamífero está em extinção, transição ou evolução. Coisas que só a Natureza explica.

Por causa de suas características peculiares, o bicho merece um parágrafo a mais, para melhor entendimento, pois é realmente um animal estranho com pele, pêlos, bico de pato, rabo de castor e patas interdigitais, recentemente citado pela revista Nature como uma mistura de réptil, pássaro e mamífero. Na verdade, não quiseram arriscar reclassificá-lo. Esse animal exótico vive na Austrália e na Tasmâmia, às margens dos rios, mede de 40 a 50 cm de cumprimento, sendo que a fêmea tem tetas e produz leite para alimentar os filhotes, porém paradoxalmente são ovíparos. Sua pele é adaptada à vida na água e o macho possui um veneno comparável ao das serpentes. Claro, diferentemente do coelho, não tem qualquer relação com a Páscoa, a não ser a palavra ovo.

Mas...como era a Páscoa antigamente, então? Pra saber, vale a pena rebuscar no passado, pois a idéia de trocar ovos de chocolate surgiu na França, quando antes disso, eram usados ovos de galinha para celebrar a data. Assim sendo, a tradição de presentear com ovos verdadeiros é muito, muito antiga e as galinhas dos ovos de páscoa deviam ser escolhidas a dedo, suponho. Na Ucrânia, por exemplo, centenas de anos antes da era cristã já se trocavam ovos pintados com temas sugerindo homenagem à celebração da chegada da primavera.

Os chineses e os povos do Mediterrâneo também tinham como hábito dar ovos uns aos outros para comemorar a estação do ano. Para deixá-los coloridos, cozinhavam-nos com beterrabas.

Mas os ovos não eram para ser comidos. Eram apenas presentes que simbolizavam o início da vida. A tradição de homenagear essa estação do ano continuou durante a Idade Média entre os povos pagãos da Europa. Eles celebravam Ostera, considerada a deusa da primavera, então simbolizada por uma mulher que segurava um ovo em sua mão e ao seu lado tinha um coelho a pular alegremente ao redor de seus pés, representando a fertilidade. Foi assim que o coelho entrou na história da Páscoa por sua reprodutividade e valor de renovação da vida.

Por outro lado, Os cristãos apropriaram-se da imagem do ovo para festejar a Páscoa, celebrando a ressurreição de Jesus. Na época, pintavam os ovos, geralmente de galinha (mas podia ser de outras aves domésticas, também), com imagens de figuras religiosas, como o próprio Jesus e Maria, sua mãe.

A partir de toda essa tradição e idéia, e nos tempos modernos, um espertinho qualquer com tino comercial, usou o chocolate para representar os ovos, a data e ficar rico, evidentemente, além de brindar o sucesso comendo o chocolate e fazendo com que todos, levados pelo espírito da renovação, numa maneira gostosa, troquem ovos de chocolate, carinhos e afetividade, desejando-se mutuamente uma Feliz Páscoa para todos.

Também “aproveitando” a ocasião da data muitas instituições e muitos políticos desejam “Feliz Páscoa” para todas as crianças e pessoas de todo o mundo (maioria das quais sequer podem comer um pão com ovo, como única refeição ao dia), ao invés de defenderem políticas públicas (cevam a galinha dos ovos de ouro só para eles), onde a vida fosse mais justa socialmente e a fome fosse varrida deste planeta e não fosse uma das mais deprimentes causa mortis em todo o mundo.

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)

1 de abr. de 2009

APRIL FOOL'S DAY

April Fool’s Day
(publicado no O Jornal de Hoje)

*Juarez Chagas

Hoje é 1º de Abril, dia da mentira, ou April Fool’s Day (Dia dos tolos, melhor traduzindo), como queiram os americanos, um dos povos que mais cultuam datas comemorativas, não necessariamente, oficiais, mas já enraizadas na cultura popular, como Valentine’s Day (Dia dos Namorados), Holloween (Dia das Bruxas), entre outras.

A história do Dia da Mentira tem origem incerta, mas uma coisa ninguém pode duvidar: deve ter sido inventada por um grande espertalhão e gozador ou, por sua vez, inspirado no tipo.

Uma das versões para a explicação da origem do dia da mentira (entenda-se bem: uma das versões para a origem e não a data da origem, pois a mentira, assim como a verdade, é tão antiga quanto o homem) remonta o período romano, onde contam que durante o reinado de Constatino, quando um grupo de palhaços e bobos da corte disse, em sua irreverência, ao imperador romano que eles poderiam conduzir o império melhor do que o próprio imperador. Constantino, num flash de gracejo e desafio, permitiu a um dos tolos que fosse rei por um dia e, uma vez no poder, o tolo decretou o dia do absurdo, onde mentir era permitido! Bem...não é preciso dizer que o reinado do bobo foi apenas um dia, mas o da mentira durou ad eternum! Acho que depois dessa versão, as outras ficariam prejudicadas se fossem contadas...

Trazendo a questão para o âmbito do comportamento humano como um fator social, cujas conseqüências são, por vezes, desastrosas, comprometedoras e até criminosas, a mentira tornou-se, através dos tempos, um dos mais graves problemas sócio-comportamentais do ser humano. E, nesse sentido, cabe a pergunta do estudo de David Livingstone Smith, Psicólogo e antropologista cognitivo, a qual é título do seu livro sobre o tema: Por que mentimos e por que somos tão bons nisso? Ele mesmo responde, sinteticamente: porque funciona.

Livingstone nos lembra que o ato de mentir permeia a vida humana e é uma habilidade que brota das profundezas de nosso ser, e nós a usamos sem cerimônia e, pior ainda, muita gente não pode viver sem. É interessante também a idéia secular de Mark Twain, que diz o seguinte: "Todos mentem... todo dia, toda hora, acordado, dormindo, em sonhos, nos momentos de alegria, nos momentos de tristeza. Ainda que a boca permaneça calada, as mãos, os pés, os olhos, a atitude transmitem falsidade". Na verdade, Twain era convicto de que enganar é fundamental para a condição humana e por isso, muitas vezes a mentira permeava seus romances. Hoje, estudos e pesquisas científicas, constatam que o sábio escritor continua certo.

A mentira, especialmente a que causa danos, muitas vezes irreparáveis, tanto para o mentiroso quanto para, pior ainda, quem nele acredita, pode ser compulsiva e patológica. Analogamente, poderíamos comparar com a megalomania (mania de grandeza), o que já é, além de uma patologia, um tipo de mentira. Pois tem gente que quanto mais mente, mais na sua própria mentira acredita, não importando as consequências. Não é incomum pessoas procurarem ajuda psicológica por causas de problemas que, à primeira vista, nada têm a ver com a mentira, mas que na verdade foram causadas por ela.

Nesses casos o psicoterapeuta procura ter, além da ética, o bom senso, na relação com seus pacientes, sempre apresentando uma intervenção não-punitiva, ou seja, ouvir e não julgar, ouvir e não criticar, ouvir e não punir. Essa atitude, além de profissional e acolhedora (de modo algum conivente), torna possível uma relação aberta e verdadeira, podendo o tratamento ter êxito e sucesso, em virtude da correção pela verdade. Ou seja, vale aí a velha máxima: a cura está na causa e não na sintomatologia. E isso é uma verdade!

A propósito, o homem parece designado, resignado e destinado a viver sempre entre as dualidades da vida, tais quais o bem e o mal, o belo e o feio, o positivo e o negativo, o triste e o feliz, a verdade e a mentira...e, a propósito, escolhi uma das inúmeras frases sobre a mentira que, diga-se de passagem, até que ela seja descoberta, quase aniquila a verdade, parecendo ser a própria, muita vezes tornando um amigo em inimigo. Vejamos, pois o que Adlai Stevenson disse, inteligentemente: "Se meus inimigos pararem de dizer mentiras a meu respeito, eu paro de dizer verdades a respeito deles." A frase sucinta que a inveja é também uma grande mentora da mentira.

É vasta a literatura sobre a mentira e mais vasta ainda a própria mentira. Eu, particularmente, duvido, mesmo sabendo ser no sentido de brincadeira ou descontração, se foi bom a “instituição” do dia da mentira, pois para muita gente todo dia é 1º de Abril. E, considerando a real tradução da palavra “fool” ( tolo, bobo), April Fool’s Day não seria o dia da mentira e sim o dia do tolo, enaltecendo mais ainda que a mentira vence por sempre haver um tolo que nela acredita.

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)