Que Saudade do Tirol daquela época! (I)
*Juarez Chagas
Falar do tempo de criança e adolescência dos Anos 60 e 70 em Natal, para mim, é tão prazeroso quanto igualmente fácil e saudoso. E, falar, do que movia e fazia a cabeça dos meninos, meninas e jovens daquela época, é mais fácil ainda e um prazer renovado, porque enquanto nosso presente armazena conteúdos para o futuro se tornar presente, o passado é a base do agora e, ninguém vive sem essas duas primeiras temporalidades referenciais. Portanto, recordar é, além de saudoso, misturar os tempos.
Voltar no tempo, nas asas do pensamento, das lembranças e emoções cronológicas que, vão aos poucos e gradativamente formando nossa história de uma Natal provinciana e tão calma de dar inveja a monge confinado é, aquela época e aquele lugar, que faz parte de minha subjetividade e concepções de infância, adolescência e amizades, quase iguais àquelas somente encontradas em contos de fadas e parábolas ou num mundo-de-faz-de-conta, parecido com aquele real em que vivíamos e não sabíamos que éramos tão felizes.
Entretanto, o que torna a saudade daquele tempo mais rica e mais aconchegante é quando a mesma é dividida, repartida, compartilhada e revivida por todos quantos tiveram a felicidade de serem os protagonistas e personagens reais de um tempo e histórias em comum que, mesmo o tempo não voltando atrás, o pensamento nos transporta ao passado de mão-dupla, fazendo-nos esquecer que há presente e futuro, por momentos. Ah, que saudade do Tirol daquela época!...
O Bairro do Tirol, numa simples visão topográfica, vai das margens das Dunas até, equidistantemente, a Prudente de Morais, ladeado pelas ruas Alexandrino de Alencar e Mossoró. Morei em duas ruas durante os anos 60 e 65. Na Rua Alberto Maranhão casa nº 924 (que por sinal, acaba de ser demolida, para ser substituída por mais uma especulação imobiliária) entre as ruas Rodrigues Alves e Afonso Pena e depois, na Rua Mossoró 528, já na fronteira com Petrópolis, entre Rodrigues Alves e Campos Sales. Quando lá cheguei pela primeira vez, tinha mais ou menos dez anos de idade, portanto a turma de minha geração tem entre 55 a 60 anos e, todos saudosos, como eu.
A comunidade do Tirol incluía muitas brincadeiras e atividades lúdicas, sendo nós mesmos, os protagonistas “construtores” da maioria dos próprios brinquedos, tais quais carros de latas (tanto das latas de leite ninho, atreladas umas às outras, por um arame, que comandávamos como se fosse um rolo compressor, quanto carros e caminhões feitos de flandres e madeira), pião, pipas (papagaios), times de botão de plástico, baquelite ou quenga de coco, baladeiras (fazíamos verdadeiras caçadas no sítio em frente à Lagoa Manoel Felipe, isso sem falar nos morros das dunas, onde íamos colher massaranduba e caçar passarinho e, nos assombrávamos quando conseguimos subir e descer completamente o morro, já nas imediações da praia de Ponta Negra. Sentíamo-nos verdadeiros desbravadores e destemidos, apesar do medo da distância percorrida e dos soldados do Exército que guardavam e protegiam a área militar.
O Tirol, como em qualquer outro bairro de Natal, tinha suas pequenas “subturmas” que, no final, formava uma grande turma. A propósito, as turmas de Natal daquela época, podiam ser dividas segundo seus bairros, como turma da Praça Augusto Leite, Turma do América, Turma do Aero Clube, Turma de Petrópolis (2 de Novembro), Turma das Rocas, Turma de Santos Reis, Turma da Tabica (que se concentrava mais no norte de Petrópolis), Turma da Alexandrino de Alencar, Turma da José de Alencar, Turma da Jaguarari e por aí ia...
A seleção também se fazia, naturalmente, por idade, vizinhança e afinidades de interesses e até domínio de território. Portanto, tudo isso valia e era o que mantinha a turma unida que, via de regra, normalmente também estudava na mesma escola ou colégio. A maioria, por exemplo, dos meninos e rapazes, nessa época, estudava no Ginásio 7 de Setembro, Marista, Escola Industrial ou Atheneu e, era comum, quando não pegávamos o circular, irmos todos juntos, a pé do Tirol até Petrópolis, onde ficava o 7 de Setembro (onde hoje Lembranças me vêem à mente, como a de nossa vizinha do lado esquerdo (muro com muro) onde morava D. Nésia, talvez, a primeira mulher, declarada e orgulhosamente, mais fanática por futebol que Natal já teve notícia em todos os tempos. Ou melhor, que o ABC já tenha tido em toda a sua trajetória de clube. Para nossa satisfação, ela não teve filhos. Tinha 3 filhas. Yaponira, Mércia e Núbia e, já naquela época dava exemplo às meninas, de emancipação social e dizia que futebol não era só hobby e paixão de homem, o que deixava bem claro para seu Luiz, seu marido que era coronel do exército que, no meio dessas quatro mulheres, usava bem a estratégia do silêncio.
Quisesse algum menino ou mesmo adulto arranjar uma briga ou inimizade com D. Nésia, bastava falar mal do ABC ou torcer pelo America, em sua frente. A reação era imediata e incontestável. Ela não economizava verbos, exclamações e até alguns palavrões que a idade lhe conferia direito. Há comentários de que ela própria teria feito uma música para o Mais Querido. Talvez, algum abcedista histórico saiba disso, melhor do que eu. Se ela realmente compôs a música não sei ao certo, mas sei que a ouvi muitas vezes cantarolar uma música (tipo carnavalesca) que, com certeza, não era o hino do ABC. Também a vi muitas vezes, ir sozinha ao Juvenal Lamartine, com uma bandeira do Mais Querido, três vezes maior do que ela, nas costas, cantando o Hino de seu clube, sozinha, porém, tão radiante como se estivesse sendo seguida por centenas de torcedores, fazendo coro com ela. O que uma paixão não faz!
Nossos vizinhos de frente, uma casa, totalmente dentro de um sítio que avançava a rua de areia (não era calçada nem de paralelepípedo), cujo quintal continuava com o sítio defronte da Lagoa Manoel Felipe (atual Cidade da Criança), moravam Zé Maria, Paulo e sua irmã Joana D´arc (além de seus pais, evidentemente). Gente muito boa, simples e solícita. Só que aconteceu um fato interessante que me chamou a atenção, já naquela época.
Paulo, além de baixo, era magro e caquético. Como a onda dos “marombeiros” já vinha do final dos anos 50, ele passou a ser um dos adeptos do “levantamento de ferro” e, em poucos meses, ficou mais “inchado” do que pão de padaria inflado a troco de bromato. Foi a primeira vez que vi que, o corpo humano podia se modificar do dia pra noite, mais rapidamente do que a gravidez natural das mulheres. Ficar “forte” naquela época era o máximo e dava status, pois a imagem dos “homens fortes” do cinema, como Tarzan, Maciste, Hércules e outros, começava a substituir os heróis do faroeste, gradativamente, onde a beleza do corpo passava a valer mais do que os revólveres dos mocinhos.
Se hoje os jovens gostam de exibir suas tatoos, os daquela época gostavam de mostrar os bíceps, peitorais e abdominais e, em contrapartida, ganhar o respeito dos adversários e a admiração das meninas.
Do lado direito de nossa casa, entre outros moradores, morava Marcão, irmão de Bebeto, que era grande atleta do Atheneu. Marcão, hoje Cirurgião-Dentista, pertencia à turma mais velha que a nossa (que incluía contemporâneos como Otacílio, Marcelo Coelho, Macarrão, Amador, dentre outros) e, por vezes, se achava no direito de se fazer “respeitado” pelos menores, de qualquer jeito. Então, ele arranjava um boné de soldado da polícia e, quando via os meninos da turma menor, bradava e corria atrás, gritando “Lá vem a polícia! Lá vem a polícia!! E Vamos levar todo mundo que ´tiver na rua!!” A correria da criançada era geral e imediata. Isso transformou Marcão que, pela sua própria estrutura física e modo de andar com as pernas abertas e passos mais largos do que as mesmas lhe permitia, já amedrontava a molecada, num tipo de censor e “bicho-papão” da área. Tempos depois, ele quis dar uma de bonzinho e desmistificar o estigma que criara, mas já era tarde. A molecada quando o via, corria mesmo que ele estivesse “sorrindo”sem o boné da polícia e sem dizer uma só palavra. Ossos da conquista.
Como não lembrar da hora do vendedor de geléia embaixo do pé de pitomba da casa de Wilson (Wilson Cardoso), onde cotidianamente se reunia parte da turma do Tirol? Lá encontrávamos Heriberto e Erivan, filhos de “seu Hermes”, o único que tinha o ônibus “Circular” que passava por Tirol e que arriscávamos “pegar morcego”!? Ele mesmo foi seu próprio motorista por um bom tempo. Lembro bem que o circular passava exatamente na Rua Alberto Maranhão, já tendo circulado pela Praça Augusto Leite, indo para Petrópolis, para depois circular pelas praias do meio, dos Artistas, ir até próximo da praia do Forte e depois voltar ao Tirol, ou seja, circular novamente.
Lá também apareciam costumeiramente os irmãos Rilke e Ranke, (Rubinho, Racine e Rui já faziam parte da turma um pouco mais velha, já citada antes), Mamá, Fafá, Eider, Laércio, Edinho e outros.
Mais na frente, já vizinho ao Grupo Escolar Dr. Manuel Dantas (por sua vez vizinho à Escola Rural de Natal), moravam Ivanaldo e seus irmãos, conhecidos todos como “os irmãos metralhas”, que, diga-se de passagem, gostavam de impor um certo domínio de território, mesmo entre os amigos. Isso, por vezes, gerava disputa e discussão, porém nada que não se resolvem por ali mesmo na base da amizade.
* Pisicólogo, Professor Universitário e Escritor, autor do Livro O Corpo Oculto.
juachagas@gmail.com, juarez@cb.ufrn.br
2 comentários:
Amigi Juarez, muito bom seu artigo. Ha nele um pequeno engado. A turma da Tabica tinha origem e reunia-se no final da Rua Floriano Peixoto. Não tinha nada a ver com Quintas e Alecrim. Eu andava muito com GIL, irmão de ARAGÃO que integrava a Tabiquinha.
Grabda abraço,
Ormuz
Hi Teacher !
Muito legal a sua cronica sobre o bairro do tirol dessa época...realmente Natal era uma cidade muitas vezes melhor para se morar e viver do que essa atual...
Ainda usufrui do glamour do bairro do Tirol e Petropolis nos anos 70/80...
Faltou dizer no seu perfil que vc foi "Professor de Ingles da SCBEU" e que é fã dos beatles e rolling stones.
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