Total de visualizações de página

30 de jun. de 2009

HANG ON SLOOPY


Hang on Sloopy
*Juarez Chagas

A canção Hang on Sloopy, dos The McCoys, foi apenas uma das musicas pop cuja historia reflete um pouco do comportamento da geração dos Anos Dourados, em amplo sentido, não apenas discografica ou artisticamente falando, porem por sua representação social do momento e seu significado como fazendo parte do movimento contestador de toda uma geração pop que eclodiria, nos EEUU, definitivamente no final dos anos 60, com o Festival de Woodstock (69).

Evidentemente que este movimento cultural jovem já era conseqüência e resultado de uma serie de fatores contra os quais os jovens e grupos rebeldes setorizados demonstravam suas atitudes contra o establismentarianism, tendo a musica em si como pano de fundo, onde dentre alguns símbolos marcantes do movimento, podia se ver logomarcas de uma pomba descansando no braço duma guitarra ou flores saindo do cano duma metralhadora ou de um tanque de guerra, ou mesmo o punho cerrado com os dedos indicador e médio em V, substituindo a frase Peace and Love que, se transformariam em marcas de grife, camisetas (T Shirts), toalhas, bottons, chapéus, cintos, enfim, tudo o que o marketing da época pudesse fazer para divulgar e barganhar em cima duma realidade que, diga-se de passagem, parecia um sonho.

A frase “O Sonho não Acabou...” (The dream is not over), a qual tornou-se uma esperança latente e usada por muitos, posteriormente, vem dessa unidade que parecia paradoxal, mas que na verdade, era uma coisa só, composta de muitos conteúdos representando o coletivo e o individual, não apenas no imaginário de uma geração jovem, mas de grande parte de uma sociedade que vivia novos tempos.

Entretanto, ate então, genuínos “rockers”, tendo a frente Chuck Berry (cujo titulo de inventor e pai do rock é justíssimo!) conduziam sabia e marcantemente o Rock and Roll, somente depois seguido por Elvis Presley e uma gama de jovens talentos responsáveis por não deixarem o velho Rock ‘n Roll se transformar em apenas um rotulo, principalmente os 4 cabeludos de Liverpool que ainda se contentavam em viver a era Chuck e beber em sua fonte original, muito embora filtrando a ‘água. Este era mais ou menos o cenário de então.

A batida seca, cadenciada e forte, porem sugestiva e melódica ao mesmo tempo, do rock Hang on Sloopy, chegou ao Brasil como uma euforia contagiante, que logo se espalhou não só pelo cenário musical da mídia da época, mas também nas festinhas (em Natal eram os inesquecíveis “assustados” e matinés em clubes ou teatros), boates, reuniões de grupos e bandas de cantores atentos ao que ocorria na terra do Tio Sam, principalmente.

A parte lírica da musica também é muito rica e, inclusive pra mostrar que na poesia mais vale a concordância da rima ou do sentido da mensagem, do que a própria semântica, temos também o exemplo do erro proposital da concordância verbal, quando a estrofe “Sloopy I don’t care what your Daddy do” - sabemos que Daddy é um sujeito na 3ª pessoa do singular, portanto o verbo usado deveria ser “does” e não “do” - (Sloopy eu não ligo para o que seu pai faz, o que Leno sabiamente versou como “A mim não interessa quem sejam seus pais...), para que pudesse rimar com “ ‘Cause you know Sloopy girl, I’ m in love with you (porque você sabe Sloopy, que tou apaixonado por você).

Leno, por sua vez, iniciando a formação da dupla Leno & Lílian, filtrou como ninguém a idéia da música e, numa versão muito feliz, fez o sucesso da mesma no Brasil e, a partir daí passou a mostrar a todo o pais verde e amarelo, os sucessos da própria dupla.

A propósito da velha batida do Rock ‘n Roll, cravada com o irretocável solo estridente, contundente ou meloso, segundo a história e significado de cada música, como por exemplo Day Tripper (The Beatles), Satisfaction (The Rolling Stones) ou Hang Sloopy (The McCoys) e outros mais recentes como Up Around The Bend (Credence Clearwater Revival), as guitarras quase “falavam as expressões sonoras” que, sem exagero algum, já diziam mais que a metade da própria musica. Nesse contexto, George Harrison foi ao lado de, ninguém mais ninguém menos que Hendrix, precursor de solos e riffs, que depois puderam ser imitados por meio mundo do rock, com solos que mostravam ir alem de sua capacidade e restrição musical, sugerindo inclusive uma segunda voz inspirada nessa vertente.

Como dissemos no artigo anterior, quando The McCoys gravaram Hang on Sloopy, em 1965, jamais poderiam imaginar que anos mais tarde esta música também pudesse se transformar em sinônimo do Time de Futebol (americano) de Ohio, constituindo-se num incontestável fenômeno para as torcidas organizadas e público em geral. Na verdade, a canção tornou-se parte da tradição ritualística dos eventos do time, onde nenhuma outra música representa, pois é considerada “a musica de Ohio”.

Relembremos (quem viveu a época) HANG ON SLOOPY ou vejamos (quem não eh da época) como o significado da canção tem sentido ambíguo e, por vezes, metafórico:

Hang on Sloopy

Hang on sloopy, sloopy hang on (Agüente firme, Sloopy, Sloopy, agüente firme)
Sloopy lives in a very bad part of town (Sloopy mora no lado ruim da cidade)
Everybody yeah, tries to put my sloopy down (Todo mundo tenta humilhar minha Sloopy)
Sloopy I don't care, what your daddy do (Sloopy, eu não ligo pra o que seu pai faz)
’Cause you know sloopy, girl, I'm in love with you (Porque você sabe, garota, tou apaixonado por você)

And so I’m sigging now

Hang on sloopy, sloopy hang on (Agüente firme, Sloopy, Sloopy, agüente firme)
Hang on sloopy, sloopy hang on(yeah) (yeah) (yeah) (yeah) (yeah) (yeah)
Wo, uh, wo, uh, wo, uh, wo, uh

Sloopy let your hair down, girl (Sloopy, deixe seu cabelo solto)
Let it hang down on me (deixe-o solto sobre mim)
Sloopy let your hair down, girl (Sloopy, deixe seu cabelo solto)
Let it hang down on me (deixe-o solto sobre mim)

Come on sloopy (come on, come on)
Come on sloopy (come on, come onSo come on sloopy
(come on, come on)Come on sloopy (come on, come on)
Well it feels so good (come on, come on)You know it feels so good
(come on, come on)
Well shake it, shake it, shake it sloopy (come on, come on)

Well shake it, shake it, shake it yeah, yeah, yeah (come on, come on)
Hang on sloopy, sloopy hang on(yeah) (yeah) (yeah) (yeah)
Hang on sloopy, sloopy hang on(yeah) (yeah) (yeah) (yeah)
Hang on sloopy, sloopy hang on(yeah) (yeah) (yeah) (yeah)

Por essa e outras razoes, os Anos Dourados foram real e incontestavelmente, dourados, cujo brilho é sempre reavivado quando neles se fala.

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(Juarez@cb.ufrn.br)

16 de abr. de 2009

DE FRENTE PARA O SOL

De frente para o Sol
(Publicado no O Jornal de Hoje)
*Juarez Chagas

Esse é o título do novo livro de Irvin Yalom, o mesmo autor de “Quando Nietzsche chorou”(1992), este por sua vez, seu primeiro romance e de bastante sucesso, que romantiza a vida de Friedrich Nietzsche e Josef Breuer, e que é muito conhecido, não somente no âmbito da Psicologia, mas como nas áreas de humanas, filosóficas e afins.

De frente para o Sol (Staring at the Sun, 2008, editado no Brasil pela editora Agir, 230 pgs) está sendo muito comentado, especialmente nos EEUU e Europa e, especificamente no âmbito da Tanatologia que é o objetivo de Yalom, neste trabalho, onde ele, através de seu livro mais pessoal até hoje escrito, aponta, discute e discorre sobre suas crenças íntimas, como uma forma de interação como psicoterapeuta e escritor.

O autor, agora com 78 anos de idade e mais introspectivo, é um escritor americano, filho de imigrantes russos, formado em psiquiatria, pela Universidade de Stanford que, surpreendentemente, alcançou a lista de livros mais vendidos nos Estados Unidos com Love's Executioner and Other Tales of Psychotherapy (no Brasil traduzido como Love’s Carrasco & Outras Histórias de Psicoterapia,1989), passando a partir daí a chamar a atenção da crítica literária para deslumbramento de seus seguidores e antipatia e resmungos de seus desafetos. Yalom, não iria querer ficar famoso sem ter que enfrentar a indisposição de invejosos que, só pelo sucesso de seu próximo, sentem-se incomodados e vingativos.
Falar sobre o novo livro de Yalom, que acabo de ler recentemente, não apenas como consulta para pesquisa sobre Tanatologia, porém também como interesse pessoal, implica em algumas considerações que, por mais que tentemos evitar, acaba tendo também conotações próprias, fato este, praticamente impossível de se evitar para quem se aprofunda nas obras e seus autores, sempre com a intenção de captar mais sobre o contexto e suas nuances. Ler um livro como um simples leitor é uma coisa e ler um livro como um pesquisador do autor e sua obra é outra coisa. E, confesso, não sei qual o melhor ou pior entre os dois. Talvez, quem sabe, ler o mesmo duas vezes com objetivos diferentes, seja o ideal.
De frente para o Sol, título escolhido pelo próprio Yalom como uma analogia à situação de que nem o sol e nem a morte podem ser encarados de frente (não considerar o quase pleonasmo, pois encarar tem que ser de frente mesmo), mas inspirada numa frase de François de La Rochefoucauld (não confundir com Michel Foulcault), que diz que “Nem o sol nem a morte podem ser olhados fixadamente” (Le soleil ni la mort ne se peuvent regarder en face).
Pra quem já leu o livro, admite que uma das primeiras coisas a se notar é que o autor faz questão de imprimir uma opinião pessoal de sua visão particular perante a morte e, acima de tudo, inspirada em seus predecessores intelectuais como, tanto os do século XIX quanto os do século XX, Pinel, Freud, Jung, Pavlov, Skinner, dentre outros, isso sem falar na própria filosofia de Epicuro sobre a morte, na qual ele tem se inspirado profundamente.
Mas, Yalom admite também ter tido alguns problemas com sua posição pessoal de ateu, assim como também com sua maneira individual de ver a sua própria angústia e o fantasma da morte e de sua inevitabilidade. Por outro lado, entende o papel das religiões em nos oferecer uma resposta para nossa existência, sobre a morte e todas as nossas construções imaginárias até então feitas pelo homem, mesmo contestando a questão da fé. Porém, prega que a morte não deve ser temida e discorre sobre uma série de exemplos, vividos em seu próprio consultório, de terapia para ajudar pacientes com angústia de morte. Diga-se de passagem, uma área dominada por poucos.
Na verdade, Yalom mostra, ao longo do livro, através de vários casos e histórias de seus próprios pacientes e, sobretudo através dos ensinamentos de seus mestres e sua larga experiência de meio século sobre como encarar a finitude humana, que novas perspectivas se abrem para transformar a idéia da morte, mesmo sendo algo insuportável como a luz ofuscante do sol, em energia vital e imprescindível para o ser humano, pelo menos como um raio de luz que vislumbre a trajetória do ser humano e que o mesmo não caminhe tão às escuras como vivia o homem das cavernas.
Entretanto, se formos mesmo comparar o homem de Neardental com o atual, em termos de atitudes perante o próximo e o coletivo, apesar de todo utensílio tecnológico e suas ferramentas de última geração, confesso que talvez o primeiro fosse menos animal...

*Professor do Centro de Biociências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)

A GALINHA DOS OVOS DE PÁSCOA

A Galinha dos Ovos de Páscoa
(Publicado no O Jornal de Hoje)
* Juarez Chagas

É a segunda vez que passo a Páscoa em Lisboa e, confesso, apesar da tradição européia pela data, “não se faz cá mais Páscoa como antigamente”, como dizem os patrícios. É verdade que o almoço e jantar são especiais para o momento entre as famílias e amigos e, indiscutivelmente, os melhores vinhos para degustar e dar rumo às conversas. Mesmo assim, sou muito mais nossa Páscoa simples e habitual de Natal, mesmo que o calor da Cidade do Sol, nesta época, quase derreta os ovos de chocolate, enquanto o frio da Europa quase os petrifique, concomitantemente.

É evidente que não me refiro aos festejos tradicionais comemorativos que ainda existem em algumas regiões típicas e que valem a pena serem vistas, como é o caso da “Festa das Tochas em Flor”, em São Brás de Alportel, na região da Serra de Algarvia, em Faro, já ao sul de Portugal, mais ou menos a uns 180km de Lisboa, onde uma bela procissão de Aleluia, em honra de Cristo, é feita com flores colocadas em tochas, ao invés de postas em andores e, o chão é também coberto de flores por onde passa a procissão. É um espetáculo belo de se ver, sem falar nas missas tradicionais, repletas de fies e curiosos.

Mas, a representação simbólica dos ovos de chocolate é referente aos ovos de galinha ou de coelho? De galinha, claro. Coelho é mamífero e mamíferos não põem ovos, exceto o esquisito ornitorrico que confundiu até George Cuvier, Darwin e outros evolucionistas da época e ainda intrigam os mais famosos cientistas, especialmente os geneticistas, até hoje, e que, diga-se de passagem, põe ovos de verdade! Ninguém sabe se este gênero de mamífero está em extinção, transição ou evolução. Coisas que só a Natureza explica.

Por causa de suas características peculiares, o bicho merece um parágrafo a mais, para melhor entendimento, pois é realmente um animal estranho com pele, pêlos, bico de pato, rabo de castor e patas interdigitais, recentemente citado pela revista Nature como uma mistura de réptil, pássaro e mamífero. Na verdade, não quiseram arriscar reclassificá-lo. Esse animal exótico vive na Austrália e na Tasmâmia, às margens dos rios, mede de 40 a 50 cm de cumprimento, sendo que a fêmea tem tetas e produz leite para alimentar os filhotes, porém paradoxalmente são ovíparos. Sua pele é adaptada à vida na água e o macho possui um veneno comparável ao das serpentes. Claro, diferentemente do coelho, não tem qualquer relação com a Páscoa, a não ser a palavra ovo.

Mas...como era a Páscoa antigamente, então? Pra saber, vale a pena rebuscar no passado, pois a idéia de trocar ovos de chocolate surgiu na França, quando antes disso, eram usados ovos de galinha para celebrar a data. Assim sendo, a tradição de presentear com ovos verdadeiros é muito, muito antiga e as galinhas dos ovos de páscoa deviam ser escolhidas a dedo, suponho. Na Ucrânia, por exemplo, centenas de anos antes da era cristã já se trocavam ovos pintados com temas sugerindo homenagem à celebração da chegada da primavera.

Os chineses e os povos do Mediterrâneo também tinham como hábito dar ovos uns aos outros para comemorar a estação do ano. Para deixá-los coloridos, cozinhavam-nos com beterrabas.

Mas os ovos não eram para ser comidos. Eram apenas presentes que simbolizavam o início da vida. A tradição de homenagear essa estação do ano continuou durante a Idade Média entre os povos pagãos da Europa. Eles celebravam Ostera, considerada a deusa da primavera, então simbolizada por uma mulher que segurava um ovo em sua mão e ao seu lado tinha um coelho a pular alegremente ao redor de seus pés, representando a fertilidade. Foi assim que o coelho entrou na história da Páscoa por sua reprodutividade e valor de renovação da vida.

Por outro lado, Os cristãos apropriaram-se da imagem do ovo para festejar a Páscoa, celebrando a ressurreição de Jesus. Na época, pintavam os ovos, geralmente de galinha (mas podia ser de outras aves domésticas, também), com imagens de figuras religiosas, como o próprio Jesus e Maria, sua mãe.

A partir de toda essa tradição e idéia, e nos tempos modernos, um espertinho qualquer com tino comercial, usou o chocolate para representar os ovos, a data e ficar rico, evidentemente, além de brindar o sucesso comendo o chocolate e fazendo com que todos, levados pelo espírito da renovação, numa maneira gostosa, troquem ovos de chocolate, carinhos e afetividade, desejando-se mutuamente uma Feliz Páscoa para todos.

Também “aproveitando” a ocasião da data muitas instituições e muitos políticos desejam “Feliz Páscoa” para todas as crianças e pessoas de todo o mundo (maioria das quais sequer podem comer um pão com ovo, como única refeição ao dia), ao invés de defenderem políticas públicas (cevam a galinha dos ovos de ouro só para eles), onde a vida fosse mais justa socialmente e a fome fosse varrida deste planeta e não fosse uma das mais deprimentes causa mortis em todo o mundo.

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)

1 de abr. de 2009

APRIL FOOL'S DAY

April Fool’s Day
(publicado no O Jornal de Hoje)

*Juarez Chagas

Hoje é 1º de Abril, dia da mentira, ou April Fool’s Day (Dia dos tolos, melhor traduzindo), como queiram os americanos, um dos povos que mais cultuam datas comemorativas, não necessariamente, oficiais, mas já enraizadas na cultura popular, como Valentine’s Day (Dia dos Namorados), Holloween (Dia das Bruxas), entre outras.

A história do Dia da Mentira tem origem incerta, mas uma coisa ninguém pode duvidar: deve ter sido inventada por um grande espertalhão e gozador ou, por sua vez, inspirado no tipo.

Uma das versões para a explicação da origem do dia da mentira (entenda-se bem: uma das versões para a origem e não a data da origem, pois a mentira, assim como a verdade, é tão antiga quanto o homem) remonta o período romano, onde contam que durante o reinado de Constatino, quando um grupo de palhaços e bobos da corte disse, em sua irreverência, ao imperador romano que eles poderiam conduzir o império melhor do que o próprio imperador. Constantino, num flash de gracejo e desafio, permitiu a um dos tolos que fosse rei por um dia e, uma vez no poder, o tolo decretou o dia do absurdo, onde mentir era permitido! Bem...não é preciso dizer que o reinado do bobo foi apenas um dia, mas o da mentira durou ad eternum! Acho que depois dessa versão, as outras ficariam prejudicadas se fossem contadas...

Trazendo a questão para o âmbito do comportamento humano como um fator social, cujas conseqüências são, por vezes, desastrosas, comprometedoras e até criminosas, a mentira tornou-se, através dos tempos, um dos mais graves problemas sócio-comportamentais do ser humano. E, nesse sentido, cabe a pergunta do estudo de David Livingstone Smith, Psicólogo e antropologista cognitivo, a qual é título do seu livro sobre o tema: Por que mentimos e por que somos tão bons nisso? Ele mesmo responde, sinteticamente: porque funciona.

Livingstone nos lembra que o ato de mentir permeia a vida humana e é uma habilidade que brota das profundezas de nosso ser, e nós a usamos sem cerimônia e, pior ainda, muita gente não pode viver sem. É interessante também a idéia secular de Mark Twain, que diz o seguinte: "Todos mentem... todo dia, toda hora, acordado, dormindo, em sonhos, nos momentos de alegria, nos momentos de tristeza. Ainda que a boca permaneça calada, as mãos, os pés, os olhos, a atitude transmitem falsidade". Na verdade, Twain era convicto de que enganar é fundamental para a condição humana e por isso, muitas vezes a mentira permeava seus romances. Hoje, estudos e pesquisas científicas, constatam que o sábio escritor continua certo.

A mentira, especialmente a que causa danos, muitas vezes irreparáveis, tanto para o mentiroso quanto para, pior ainda, quem nele acredita, pode ser compulsiva e patológica. Analogamente, poderíamos comparar com a megalomania (mania de grandeza), o que já é, além de uma patologia, um tipo de mentira. Pois tem gente que quanto mais mente, mais na sua própria mentira acredita, não importando as consequências. Não é incomum pessoas procurarem ajuda psicológica por causas de problemas que, à primeira vista, nada têm a ver com a mentira, mas que na verdade foram causadas por ela.

Nesses casos o psicoterapeuta procura ter, além da ética, o bom senso, na relação com seus pacientes, sempre apresentando uma intervenção não-punitiva, ou seja, ouvir e não julgar, ouvir e não criticar, ouvir e não punir. Essa atitude, além de profissional e acolhedora (de modo algum conivente), torna possível uma relação aberta e verdadeira, podendo o tratamento ter êxito e sucesso, em virtude da correção pela verdade. Ou seja, vale aí a velha máxima: a cura está na causa e não na sintomatologia. E isso é uma verdade!

A propósito, o homem parece designado, resignado e destinado a viver sempre entre as dualidades da vida, tais quais o bem e o mal, o belo e o feio, o positivo e o negativo, o triste e o feliz, a verdade e a mentira...e, a propósito, escolhi uma das inúmeras frases sobre a mentira que, diga-se de passagem, até que ela seja descoberta, quase aniquila a verdade, parecendo ser a própria, muita vezes tornando um amigo em inimigo. Vejamos, pois o que Adlai Stevenson disse, inteligentemente: "Se meus inimigos pararem de dizer mentiras a meu respeito, eu paro de dizer verdades a respeito deles." A frase sucinta que a inveja é também uma grande mentora da mentira.

É vasta a literatura sobre a mentira e mais vasta ainda a própria mentira. Eu, particularmente, duvido, mesmo sabendo ser no sentido de brincadeira ou descontração, se foi bom a “instituição” do dia da mentira, pois para muita gente todo dia é 1º de Abril. E, considerando a real tradução da palavra “fool” ( tolo, bobo), April Fool’s Day não seria o dia da mentira e sim o dia do tolo, enaltecendo mais ainda que a mentira vence por sempre haver um tolo que nela acredita.

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)

19 de mar. de 2009

A ESSÊNCIA DO SUJEITO

A Essência do Sujeito
*Juarez Chagas

Lendo o Método 5, A Humanidade da Humanidade, de Edgar Morin, cujo título original é La Méthode 5, L’humanité de L’humanité, lançado no Brasil pela editora Sulina (2005), o leitor encontra na segunda parte do livro que trata da identidade individual, o primeiro capítulo que discorre sobre “O Âmago do Sujeito”. O Método é sua principal obra e é constituída por seis volumes, tendo sido escrita ao longo de três décadas e meia. Trata-se de uma das maiores obras de epistemologia disponível e nele, podemos encontrar muitas referências de seus outros livros como O Paradigma Perdido: a Natureza Humana, O Homem e Morte, dentre outros.

Morin, sabiamente, como era de se esperar, inicia rebuscando a noção de sujeito, baseada tradição filosófica ocidental, apontando onde o sujeito “engessou”. Por isso ele faz um interessante trocadilho que sucinta sagaz reflexão: “Ser sujeito supõe um indivíduo, mas a noção de indivíduo só ganha sentido ao comportar a noção de sujeito”, e lá na frente ele conclui o parágrafo, enfatizando que “ser sujeito implica situar-se no centro do mundo para conhecer e agir”.

Edgar Morin, como já bem sabemos, é sociólogo, filósofo e um dos mais importantes pensadores da atualidade e um dos expoentes mais expressivos do pensamento mundial contemporâneo. É considerado um dos principais mentores do estudo sobre a complexidade e, para nosso deleite acadêmico, esteve em Natal por duas vezes, em maio de 1998 e em 2004, onde se encontrou com o pessoal do Grecom-Grupo de estudos da complexidade, na UFRN, onde proferiu palestras sobre o tema.

Na verdade, ele propaga seus estudos e pesquisas de caráter inter-poli-transdisciplinar sobre os problemas complexos que as sociedades contemporâneas hoje enfrentam, coletivas para resoluções e análises satisfatórias de tais complexidades.

Resumir o pensamento de Morin sobre a essência do sujeito, não é tarefa fácil nem tão pouco pretensão deste artigo. Entretanto, não deixa de ser interessante e, eu diria que, muito importante também, abordar tais considerações neste contexto, uma vez que o entendimento de sujeito, seu papel e lugar no contexto sociocultural muitas vezes é entendido de várias formas e percepções, o que concordamos, causa certa confusão. Além disso, há uma ampla visão, cujo entendimento sobre o âmago do sujeito, nos permite viajar em sua subjetividade, porém nada disso o impede de viver para si e para o outro dialogicamente, como aponta morin.

Por outro lado também, é interessante notar que na essência do sujeito, enquanto indivíduo, a subjetividade comporta a afetividade, evidentemente, fazendo com que o sujeito humano esteja destinado ao amor, à entrega, à amizade, à inveja, ao ódio e a todos os sentimentos e conteúdos que o movem na relação com o outro. E é fundamental não esquecer que a relação com o outro inscreve-se virtualmente na relação consigo mesmo. Essa reflexão nos faz lembrar Jean-Louis Vullierme quando o mesmo diz que “os sujeitos se auto-organizam em interação com outros sujeitos”.

Nesse sentido, chamo a atenção sobre um dos artigos que escrevi sobre Tanatologia, onde lembrava que a morte do outro é a morte de si próprio e entendemos melhor essa colocação quando aceitamos que a morte não é apenas a decomposição de um corpo, porém e igualmente o aniquilamento de um sujeito. Por isso é que a morte de um ente querido não aniquila apenas o outro, mas também o eu e o nós mais íntimos, abrindo, na quase totalidade das vezes, um insuperável e intransponível ferimento no âmago de sua subjetividade.

Na realidade, se todos nós entendêssemos nossa própria essência e a essência do outro, o mundo certamente teria melhores indivíduos, melhores sujeitos e ótimas pessoas.

* Professor do Centro de Biociência da UFRN (Juarez@cb.ufrn.br)

A MORTE SEGUNDO FREUD

Nós e a Morte, Segundo Freud
*Juarez Chagas

“Nós criaturas civilizadas tendemos a ignorar a morte como parte da vida...no fundo ninguém acredita na própria morte, nem consegue imaginá-la. Uma convenção inexplícita faz tratar com reservas a morte do próximo. Enfatizamos sempre o acaso: acidente, infecção, etc., num esforço de subtrair o caráter necessário da morte. Essa desatenção empobrece a vida...”.

O texto acima é de Sigmund Freud e é a introdução de sua palestra intitulada “Nós e a Morte”, proferida em 1916, a qual faz parte de sua obra “Considerações atuais sobre a Guerra e a Morte”, onde o psicanalista apresenta ao mundo científico da época, sua visão sobre a finitude humana e como ela deveria ser encarada por cada um de nós.

O texto de Freud tem a capacidade de nos conduzir a algumas reflexões nada rotineiras ou prazerosas, mas que todo ser consciente deveria fazer, porém no entanto, normalmente fugimos delas (reflexões).

Quem leu o trabalho de Freud “Nós e a Morte”, o qual originou-se de um ciclo de palestras proferido pelo mesmo em 1915, percebe que sua preocupação com a questão da morte tem base não apenas no declínio da condição biológica, mas também fortemente calcada na questão da guerra e sua capacidade destrutiva além da morte, algo que o afetou muito particularmente! Ele reporta-se, categoricamente, sobre o ato do homem matar seu inimigo desde sua época mais primitiva aos dias atuais, havendo um ponto comum entre o homem primitivo e o civilizado, no que diz respeito ao desejo de destruir quem o ameaça ou lhe oferece perigo, pois a consciência de que a guerra põe fim à atitude convencional ante a morte é planejada.

Interessante é que Freud diz que nosso inconsciente comporta-se de maneira semelhante ao do homem primitivo, pois este inconscientemente não acredita na própria morte, apesar de vê-la rondando e de abater seu próximo, constantemente. Por outro lado, sabemos que o consciente, como era de se esperar, apavora-se com a idéia da morte e, portanto, está aí gerado o conflito existencial. A propósito, Freud chama a atenção de que nossa atitude civilizada perante à morte é muito irreal e que “vivemos psicologicamente acima de nossos meios”, enquanto deveríamos conceder um espaço maior em nossas vidas para a morte, para que a vida se tornasse suportável conscientemente, embora sabendo de sua finitude e de suas conseqüências.

No meio de toda essa fantástica abordagem de Freud, me chama a atenção o fato dele se referir a “atitude civilizada” do homem frente à morte, mais de uma vez, como se admitisse ser uma obrigação para o homem moderno lidar melhor com sua terminalidade. É claro que fica evidente a comparação que o mesmo faz entre a maneira de encarar a morte e a guerra entre o homem primitivo e o homem civilizado, no entanto, observando a evolução humana através dos tempos, percebemos que a aceitação da morte como sendo parte da vida ou o fim desta, não avançou como deveria. É interessante observar que quanto mais moderno o homem, mais modernas suas guerras e suas mortes.

E sabido, não somente por causa da doença que o combalia, o definhava e o irritava cada vez mais, nos última anos de sua vida, mas também por cada vez mais admitir ser a finitude a última companheira do homem, que Freud defendia a idéia de que viver eternamente seria o maior fardo que o ser humano carregaria, se possível fosse. E isso não estava no seu inconsciente.


* Professor do Centro de Biociência da UFRN (Juarez@cb.ufrn.br)

RUA AUGUSTA

Rua Augusta
*Juarez Chagas

Em 2005, quando fui participar de um congresso de Tanatologia em São Paulo, realizei um simples e antigo desejo, relacionado à década de 60: percorrer a Rua Augusta, de seu início até o fim, no intuito de conhecê-la melhor, em toda a sua extensão.

Na verdade, eu já havia passado uma temporada
em SP quando estudava na Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), por ocasião do Mestrado, nesta universidade e que fica a, apenas, alguns quarteirões de distancia da mesma. Porém, naquela época, apesar de, eventualmente passar por esta rua, não havia tempo para conhecê-la melhor, como pretendia. As energias e e todos os meus horários, inclusive finais de semana eram somente destinados para os estudos.

Pra quem não sabe, a rua Augusta virou um marco histórico para a juventude brasileira daquela época e representou, na década de ouro dos Anos 60, para os jovens, especialmente, os paulistanos, glamour e diversão. Era ao mesmo tempo, obrigatório e livre ponto de encontro da juventude paulistana das décadas de 60 e 70, constituindo-se numa importante via arterial da cidade, unindo os jardins ao centro da cidade. Seu início, a partir da rua Martins Fontes com a rua Martinho Prado até o cruzamento com a Avenida Paulista, forma uma acentuada subida que a partir deste ponto desce até o seu término na Rua Colômbia, que é, na verdade, uma continuação da mesma, porém com outro nome.

Atualmente, o trecho que vai do início da rua até o cruzamento com a avenida Paulista, se localiza na região centrala de São Paulo, onde se pode encontrar boites, saunas , pequenos restaurantes e casas de espetáculos, porém sendo um dos pontos de meretrício na cidade, um marco nada orgulhoso para a maior cidade brasileira, nos dias de hoje, mas que faz parte de sua geografia e urbanismo.

Não é nenhuma novidade o estilo de vida dos jovens dos Anos 60, embora muitos ainda seguissem a filosofia dos “Rebeldes sem causa”, defendido pelo estilo James Dean, dos anos 50, ou de Brando e Presley, dentre outros e, no Brasil, especialmente nas cidades consideradas “grandes e avançadas”, não era diferente.

No caso da Rua Augusta daquele tempo, os jovens paulistanos exibiam seus carros em alta velocidade pelo asfalto, encontros de turmas, grupos, casais de namorados, onde a onda do Rock n Roll, ainda imperava. Era o frisson da época subir a Augusta, no sentido Avenida Paulista , fazendo “pegas e cavalo-de-pau” e apostando corridas em grupos de 10 a 15 carros, no estilo “Juventude Transviada”. Era um delírio para todos: os jovens se deleitavam com a adrenalina e os pais ficavam às raias de infartos e colapsos nervosos.

Evidentemente que tudo isso não tinha apenas que ser vivido pela juventude, mas também cantado. E, assim sendo, a música Rua Augusta (1963), de Hervé Cordovil e, cantada e interpretada por seu filho Ronnie Cord (Ronald Cordovil), retrata muito bem toda essa rebeldia da juventude paulistana. Posteriormente, a música foi imortalizada pela Jovem Guarda, com Erasmo Carlos (o Tremendão) tornando-se um dos maiores hits dos anos 60. Muitos outros artistas também regravaram esse sucesso marcante, como os Mutantes, em 1972 e Raul Seixas, nos anos 80, quando gravou um disco em tributo ao Rock.

Por falar nisso, o programa Jovem Guarda, um programa de auditório, da TV Record, surgido em 1965, comandado por Roberto Carlos, Erasmos Carlos e Wanderléia, contribui sobremaneira para que Rua Augusta ficasse nacionalmente famosa (Aliás, o maior e mais famoso programa de música pop que o país já teve). Tem até o episódio com Erasmos Carlos que, empolgado com toda a história da Rua Augusta, comprou um fusca cor de abacate para subir e descer a rua, ainda nos velhos bons tempos. Dizem que o apelido “Tremendão”, do Erasmo foi por causa dessa música. Dizem também que parte da juventude paulista da época encarava isso como um insulto, pois paulistas e cariocas sempre tiveram suas diferenças.

Relembremos o significado e clima que a canção Rua Augusta passava para todos na Época de Ouro da juventude brasileira:
I
Entrei na Rua Augusta
A 120 por hora
Botei a turma toda
Do passeio pra fora
\Com 3 pneus carecas
Sem usar a buzina
Parei a quatro dedos
Da esquina
Falou!
Vai! Vai! Johnny
Vai! Vai! Alfredo
Quem é da nossa gangue
Não tem medo...(2x)

I I
Meu carro não tem breque
Não tem luz
Não tem buzina
Tem 3 carburadores
Todos 3 envenenados
Só pára na subida
Quando falta gasolina
Só pára se tiver
Sinal fechado
Tremendão!

III
Toquei a 130
Com destino à cidade
No Anhangabaú
Botei mais velocidade
Com 3 pneus carecas
Derrapando na raia
Subi a Galeria Prestes Maia
Tremendão!
Vai! Vai! Johnny!
Vai! Vai! Alfredo!
Quem é da nossa gangue
Não tem medo...(2x)
É bom lembrar que, apesar da música dizer a 120 por hora, eles paravam no sinal fechado, coisa que muitos jovens de hoje não fazem, demonstrando outro tipo de rebeldia que conduz à morte em muitas ruas do país.

* Professor do Centro de Biociência da UFRN (juarez@cb.ufrn.br)