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17 de fev. de 2009

TRANSITORIEDADE

Transitoriedade
*Juarez Chagas

Uma vez, num certo dia bonito e ensolarado, Freud fez um passeio em companhia de um amigo mal humorado e de um jovem poeta, ao redor de uma rica paisagem de verão. Como bom observador que era, não apenas por força do ofício, mas também por percepção própria, ele tudo percebia, prazerosa e cuidadosamente sobre as companhias e o ambiente do qual estavam desfrutando. O inverno estava perto de chegar...

O poeta, por sua vez, admirava a beleza do cenário à sua frente, entretanto, o sábio psicanalista percebia que o mesmo não se alegrava com tamanha beleza que a Natureza lhe proporcionava. Ao contrário, sentia-se perturbado pela idéia de que aquilo tudo logo se extinguiria, pois sabia que o inverno estava às portas e chegaria a qualquer momento, mudando todo aquele belo cenário.

Segundo sua observação, Freud, achava que o sofrimento do rapaz estava indo mais além do que ele mesmo esperava e, para piorar ainda mais seu pessimismo, este dizia saber que, analogamente, o mesmo também ocorria com toda a beleza humana e, tudo mais que de belo havia, assim como tudo de nobre e de bom que o homem criara, estava fadado ao despojo e relegado à transitoriedade, pois isso era o destino de tudo!

Freud via que tinha à sua frente, naquele momento, o conflito do ser humano, visto através do jovem e inquieto poeta (todos os poetas são inquietos), gerado pelo fato do belo e do perfeito se mostrarem tão frágeis e efêmeros, frente à imensa Natureza e ao tempo ao qual todas as coisas estão destinadas. Assim, sendo, ele rapidamente concluiu que este estado conflituoso provoca duas tendências na psiquê humana: uma que pode conduzir o estado de uma pessoa ao doloroso cansaço e desilusão do mundo, como o presenciado no jovem poeta e, a segunda, uma possível revolta contra tal constatação, por não poder mudar o estado das coisas perante o que elas são, como são e o destino de sua existência.

Na verdade, essa rebelião ocorre pela incapacidade da própria pessoa em conflito, não conseguir responder porque todas as maravilhas da Natureza, do trabalho humano, dos sentimentos e de todas as conquistas humanas, em um dado momento ou de repente, desfazem-se em absolutamente nada, como são determinadas por sua própria natureza. Era assim que Freud percebia o problema, não apenas do jovem poeta, mas de muitas outras pessoas com os iguais conflitos.

Assim sendo, nesse contexto e nesse ponto, cabe o desejo e a exigência da imortalidade perseguida pelo ser humano, frente à sua realidade nua e crua, que é sua própria terminalidade e de tudo aquilo que, de repente, lhe parece se tornar tão efêmero!

Mas...é aí que, conscientemente, deveríamos nos perguntar se não seria exatamente por essa razão, por tudo parecer ou ser transitório para o ser humano, que cada coisa, cada tempo, cada momento, cada conquista e a própria Natureza deveriam ter maior valorização?

Ainda bem que, ainda durante esse mesmo passeio e diante de tal postulação do jovem poeta, Freud contesta sua visão pessimista de que a transitoriedade deva ser desvalorizada, exatamente pela brevidade do seu tempo, atribuindo a esse comportamento um poderoso fator emocional em ação, causando uma revolta psíquica contra o luto por um sofrimento antecipado. Portanto, Freud conclui que “o valor da transitoriedade é o valor da escassez no tempo”, que poderíamos, de certa forma, na minha oponião, traduzir como, “quanto menor o tempo das coisas que amamos e que temos, mais devíamos valorizá-las e vivê-las eternenamente”

A propósito, essa questão nos lembra algumas considerações de Morin (Método 5, 2005), dentre as quais ele diz que “o indivíduo humano, na sua autonomia mesma, é, ao mesmo tempo 100% biológico e 100% cultural. Submete-se à autoridade do superego social e absorve a influência e a norma de uma cultura; vive, sem parar, na dialógica descoberta por Freud entre o superego, o id pulsional e o ego. O indivíduo encontra-se no nó das interferências da ordem biológica e da pulsão e da ordem social da cultura; é o ponto do holograma que contém o todo (da espécie, da sociedade) conservando-se irredutivelmente singular”.

Portanto, o individuo sempre esteve entre os nós das interferências, residindo no cerne da transitoriedade, da temporalidade e em todo o contexto da terminalidade. É este o Destino do homem como indivíduo e quem sabe, também como espécie, caso, quem sabe o processo de perpetuação da espécie seja um dia modificado e comprometido através da evolução ou involução, através do tempo que parece tudo mudar.

Nesse sentido, cabe uma reflexão e uma pergunta. A pergunta é: se tudo o que vemos, sentimos, amamos, queremos, conquistamos, admiramos...nos parece tão transitório, não deveríamos mais ainda e exatamente por essa razão, valorizar tudo isso e viver tudo isso como se tudo fosse “eterno”? Quanto à reflexão, fica por conta de cada um de nós.
Por sinal, o dia hoje está belo e ensolarado...

* Professor do Centro de Biociência da UFRN (Juarez@cb.ufrn.br)

14 de fev. de 2009

KISSING COUSINS


Kissings Cousings
(Publicado no O Jornal de Hoje com
o título: O Outro Elvis?)
* Juarez Chagas

Conheço no mínimo, dois fãs de Elvis Presley (na verdade um fã e uma fã) sobre o qual se você falar mal do rei do rock ‘n Roll, é melhor eles não estarem por perto. Mas, não há como negar que o pior filme de Elvis foi “Kissing Cousins”, gostem ou não eles desse fato, mesmo não significando essa constatação generalizada, falar mal do maior fenômeno mundial da música pop.

Quando assisti a comédia musical “Kissing Cousins” (Com Caipira Não se Brinca, MGM, 1964) era um jovem que acompanhava a trajetória do Rock, como tantos outros da época que curtiam esse gênero musical. E foi no Cinema Rex (Natal), que, como era de se esperar, estava lotado!

Em Natal, o Filme só passou quase dois anos depois de seu lançamento nos EEUU. Nessa época, Elvis Presley estava ainda no auge, embora num plateau linear do sucesso e os Beatles, que já viviam o glamour da beatlemania, ainda o consideravam a pura magia do Rock n' Roll e, é bom dizer que, Lennon ainda não tinha se arrependido de ter comprado o mais recente disco do Rei do Rock e nem de ter pedido uma audiência para a banda dos 4 cabeludos de Liverpool aos assessores de Elvis (isso tinha ocorrido há uns 5 anos atrás) para um simples e tímido encontro que se só se tornaria famoso anos depois.

Na verdade, era o esperado encontro (que Elvis já tinha evitado algumas vezes) entre as duas mais fantásticas gerações do Rock que sacudiu o mundo, cada um à sua maneira e ao seu tempo. Por isso mesmo, Elvis era o Rei do Rock, que só teve um e os Beatles os Reis do iê iê iê (ou yeah, yeah, yeah) que também foram os quatro únicos. O encontro, certamente, deu muito o que falar, principalmente para revistas e jornais fofoqueiros em busca de furos jornalísticos.

Mas, não é sobre Elvis em si que quero comentar e sim sobre um pouco de sua obra e, em específico, sobre este filme, na verdade o 14º de sua filmografia, pois como sempre há muita coisa por trás de uma obra até ela se transformar na mesma.

Entretanto, é bom que se saiba que Elvis foi realmente a primeira estrela oficial do Rock ‘n Roll, muito embora muitos outros tenham existido antes dele, e que lhes abriram as portas, como o inigualável Chuck Berry, por exemplo. No início, apenas um jovem branco do Sul que cantava blues misturado com gospel e música country, mesclando nas canções o lado negro e branco, algo praticamente impossível (e desejado por muitos) naquela época. Pelo menos, muita gente pôde ver isso, cinematograficamente, e constatar em King Creole (Balada Sangrenta, trilha sonora do filme do mesmo nome, lançado em 1958).

Porém, não era apenas a mistura desses gêneros que fez de Elvis um cantor especialmente admirado e criticado ao mesmo tempo, mas também seu balanço de quadril e jeito de cantar e dançar conduzido por seu ritmo inebriante, que levava as garotas à loucura (e seus pais também, justamente pelo motivo oposto). Na realidade, por causa de seus trejeitos e modo de dançar, enfatizando os movimentos do quadril, Elvis ganhou o apelido de The Pélvis (Mas, até mesmo o show de Ed Sullivan, na época o mais liberal, só mostrava Elvis cantando da cintura pra cima...). A juventude via nisso tudo e em seu jeito rebelde de interpretar suas músicas e personagens de seus filmes uma forma de liberação da rebeldia jovem reprimida dos anos 50 e 60 e que, por outro lado, a velha geração que via nisso tudo um atentado aos bons costumes sociais da época, viviam em permanente conflito de gerações. Por isso, James Dean em Juventude Transviada (Rebel Without a Cause, 1955) e , Marlon Brando, em O Selvagem (The Wild One, 1953) causaram tanto frisson e confusão.

“Com Caipira não se brinca” (título nacional) foi uma comédia musical de baixíssimo custo que, na verdade, serviu mais pra divulgar novas canções do rei do rock do que a dramaturgia cinematográfica propriamente. Nesse filme, Elvis atua papel duplo de um soldado americano, chamado Josh Morgan e um caipira de nome Jodie Tatum, que por sinal é seu primo e vive no meio do mato, perto das montanhas, onde o exército pretende instalar uma base militar. Há também na família Tatum, além dos pais, duas primas lindas que têm também amigas vizinhas, normalmente cortejadas pelo caipira Jodie. É no meio desse ambiente e pessoas que a trama do filme musical acontece, duma maneira que não convence. Mas, o que importa? A platéia estava ali por causa de Elvis e suas músicas e isso era o suficiente!
Por outro lado, na minha opinião o filme traz um acontecimento interessante para a vida pessoal de Elvis que é a oportunidade do mesmo ter atuado duplamente ele mesmo, ao interpretar o papel duplo do soldado e seu primo caipira. Isso, certamente, deve ter remetido ao próprio Elvis, o fato de ter tido um irmão gêmeo, cujo nome era Jesse Garon e que morreu no mesmo dia em que nasceu (8 de Janeiro de 1935). Além disso, no filme Jodie Tatum é um Elvis loiro, o que na verdade todo mundo sabe que Elvis era realmente loiro e pintava os cabelos de preto para causar mais impacto e lhe dar mais charme do que ele já tinha.

Nesse sentido, a 7ª Arte o permitiu viver nas telas o que o Destino o negou em vida: os “gêmeos” compartilharem na ficção o que não foi possível na realidade.

* Professor do Centro de Biociência da UFRN (Juarez@cb.ufrn.br)

3 de fev. de 2009

O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON


O Curioso Caso de Benjamin Button
(Publicado no O Jornal de Hoje)
* Juarez Chagas

Movido pela inquietude sobre a finitude humana, passando pela pesada trajetória do fardo do envelhecimento e declínio da vitalidade orgânica, David Fincher, debruçou-se sobre o romance de F. Scott Fitzgerald (1896-1940) “O Curioso Caso de Benjamin Button” (1920), para tratar, fictícia e cinematograficamente da questão da terminalidade do ser humano, vista no sentido inverso, ou seja, a história de um homem que já nasce velho e tem seu processo vital processado do senil para o infantil. Uma bela trama, enriquecida pela ficção, porém baseada no mais enigmático, assustador e real processo do desenvolvimento humano: a morte.

Francis Scott Fitzgerald é considerado um dos maiores escritores americanos do século XX. Sem falar de seus outros sucessos, quem não lembra de The Great Gatsby (O Grande Gatsby, 1925), seu terceiro livro e que foi escrito inteiramente na França dos anos 20? Um dos mais representativos romances americanos, o qual descreve a vida da alta sociedade, no sentido crítico da palavra. Este livro foi, na opinião dos críticos, um balde de água fria no high society americano da época. Mas, o mais interessante é que, já em 1920, o autor pretendia, de forma contundente, chamar a atenção da sociedade para a questão da terminalidade humana, fato na época, praticamente impossível de ser discutida com tal conotação social.

Retomando o filme homônimo dirigido por Fincher, na New Orleans de 1918, quando a Primeira Guerra está chegando ao fim, a estória começa tratando de um homem que, sem qualquer explicação, nasce um bebê velho e inexplicavelmente começa a rejuvenescer, para ter o seu final exatamente no início. Retrospectivamente, o filme começa pelo final, com a Sra. Daisy (Cate Blanchett) morrendo num leito de hospital, tendo a filha ao seu lado, acompanhando-a em sua despedida ao mundo dos vivos.

É interessante observar que, tanto a mãe quanto a filha, demonstram, nesse momento crítico, um inegável desejo de terem suas vontades atendidas. A filha querendo estar presente na despedida da mãe e, esta por sua vez, desejando contar sua verdadeira história, até o fim, antes que pereça. A câmera abre um close em zoom do rosto senil e sofrido da Sra. Daisy, balbuciando palavras quase imperceptíveis, sugerindo que vai sucumbir a qualquer momento.

- O que você está olhando, Caroline? Indaga à filha que está olhando pela janela.
- O vento, mamãe. Anunciaram que um furacão está chegando aqui. Responde deixando a janela e sentando-se à beira da cama (O Furacão Katrina estava ameaçando).
- Me sinto um barco à deriva.
- Posso ajudá-la de alguma forma, mamãe...para aliviá-la?
- Oh, querida. Não há nada o que fazer. Temos que aceitar. É difícil manter meus olhos abertos. Parece que há algodão na minha boca. Sente o peso e a dor do declínio orgânico e cada vez mais, a impossibilidade de manter vivo o próprio corpo.
- Quer mais remédio, mamãe? O Doutor disse que pode tomar o quanto quiser. Minha amiga disse que não teve a chance de se despedir de sua mãe. Eu queria...dizer que sentirei muitas saudades. Ambas se abraçam demoradamente e parecem chorar um pouco.
- Está com medo?
- Estou curiosa....o que acontece depois da vida?

É assim que começa o filme e, ambas conversam mais enquanto a Sra. Daisy manda sua filha pegar um diário em sua mala para que leia para ela. É o testamento e diário de Benjamin Button. Na verdade, a sua história, narrada por ele mesmo, envolvendo intimamente a história dessas três pessoas, numa só. Benjamin e Daisy tiveram um romance de infância que se estendeu por toda a vida, porém conturbado e fragmentado, tornando ambos tanto felizes quanto infelizes em sua trajetória amorosa. Essa perda, certamente, também fez parte do processo da finitude a qual todos estão fadados.

Como já foi dito anteriormente, Benjamin Button (Brad Pitt) vem ao mundo em circunstâncias extraordinárias, estranhas e incomuns exatamente no dia em que a Primeira Guerra Mundial termina. Sua mãe morre após o parto e seu, transtornado pai o abandona na porta de um asilo sendo acolhido por Queenie, a cuidadora do lugar, que julga ser este bebê idoso um milagre de Deus, criando-o como filho. "Eu nasci em circunstâncias incomuns." Costumava dizer Button, quando alguém lhe questionava seu estado e idade.

Enquanto vivia no asilo, sob os cuidados e proteção de Queenie , sua mãe de criação (Taraji P. Henson) Benjamin conhece Daisy, uma menina de apenas 5 anos por quem se apaixona de imediato. Assim sendo, apesar de seu aspecto de velho, ela também gosta do estranho amigo, por quem começa a desenvolver uma admiração oculta.
Com o passar dos anos, a relação entre os dois se torna próxima, mesmo quando Benjamin decide se tornar marinheiro, viajando o mundo em um rebocador, ou quando Daisy (Cate Blanchett) vira uma grande bailarina em Nova Iorque. Quando os dois se reencontram, porém, as diferenças entre eles se acentuam pelo tempo distante. Decididos a ficarem juntos e superar qualquer problema, logo eles percebem a dificuldade de um relacionamento em que a diferença de idade se torna cada vez maior

O filme lembra um pouco Forest Gump, não apenas por ter tido o mesmo roteirista Eric Roth, mas pela própria história fantástica contada quase como uma fábula. Mas, não chega a ter ironias cômicas, como no primeiro. As locações, a fotografia, a trilha sonora e os costumes da época, eu diria, são impecáveis. Algumas cenas foram tomadas no Canadá, onde quem já lá esteve, pode relembrar a neve, o gelo e as lindas paisagens frias do inverno que contrastam com alguns dias ensolarados de New Orleans Isso tudo além, de podermos ver, num determinado momento, o casal namorando ao som dos Beatles num show de tv dos anos 60.

Eu li vários comentários de muita gente sobre o filme, mas um dos que mais me chamou a atenção, embora nao concorde com o mesmo, foi do músico e comediante Sean Morey que disse o seguinte:
“A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade. Você vai para colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando. E termina tudo com um ótimo orgamos! Não seria perfeito?”.

Na verdade, F. Scott Fitzgerald inspirou-se na famosa frase de Mark Twain, que dizia: "A vida seria infinitamente mais feliz se pudéssemos nascer aos 80 anos e gradualmente chegar aos 18”. Nessa época, Twain achava que as pessoas se contentariam apenas em ser octogésimas. Oscar Niemeyer, que está quase com 102, não iria gostar da idéia, certamente

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)

28 de jan. de 2009

Carne às Bactérias!
(Publicado no O Jornal de Hoje)
* Juarez Chagas

Eu já tinha ouvido falar, porém nunca constatado! Pela primeira vez vi pessoalmente algo do gênero: num caixa de um dos grandes supermercados da cidade, algum(a) cliente havia deixado 2ks de carne vermelha (crua) num carrinho abandonado de última hora, por ter desistido da compra. Na fila, uma senhora na minha frente e que estava sendo atendida, perguntou a moça do caixa se poderia levar a carne, pois havia gostado do produto desistido.

A moça prontamente disse que ela não poderia levar o produto abandonado. Indagada por que, ela foi incisiva ao dizer que a carne iria para o lixo e que não poderia mais ser consumida.

- Lixo?! Mas, por que? Está estragada?! Perguntou abismada a cliente.

Após algumas contestações da cliente pelo fato de estranhar porque esse produto, já que não podia ser mais vendido, não era doado para instituições de pessoas carentes, uma vez que isso ocorre com freqüência. Quanto mais a moça tentava explicar, segundo a orientação que lhe fora dada, mais a cliente se indignava.
- Não. Esses produtos vão direto para o lixo (não entrou em detalhes sob de que forma iria para o lixo, se moída, incinerada, enterrada...), mas justificou que é uma norma, pois o produto que não volta para o frigorífico em tempo hábil "poderia" contaminar as pessoas que o consumissem, finaliza a moça, despachando a cliente.

Mas, isso não é tudo e, nem tão pouco um caso isolado, pois segundo pesquisas recentes, o desperdício de comida no Brasil, assim como também em muitos outros países (apesar de habitantes de lugares como a Biafra viverem morrendo à míngua) é preocupante e não se tem ainda adotado uma política social adequada para esse problema. Para se ter uma idéia, anualmente o país joga no lixo cerca de 26 mil toneladas de alimento, que poderiam alimentar 10 milhões de brasileiros, que constitui apenas uma parcela do total da população que passa fome, literalmente.Por outro lado, restaurantes e abastecedores de supermercados (além dos próprios, como foi o caso citado) jogam fora sobras de comida, frutas, legumes, verduras que poderiam ser reaproveitados, caso houvesse uma política norteada para este fim.

Infelizmente, os políticos estão mais preocupados em aprovar leis outras que não algumas voltadas para o combate à fome e à miséria dos que os colocaram no poder, para se empanturrarem das melhores comidas, rirem, beberem, degustarem vinhos e caviar e olharem o horizonte acima da miséria que agoniza e destrói seu semelhante necessitado e que, principalmente lhes colocaram no poder que não pode para eles. Assim, esses políticos aguardam as novas eleições para promessas que passam longe da verdade. Ironia ou não, essa é uma realidade.

De acordo com uma organização não-governamental voltada para essa questão, os brasileiros jogam fora, diariamente, cerca de 40 mil toneladas de alimentos, que seriam suficientes para 20 milhões de pessoas aplacarem sua fome necessária e decentemente. Isso sem falar também no desperdício de comida das próprias famílias que não se conscientizam que, enquanto jogam comida no lixo, muita gente morre de fome por não ter o que comer.

Mas, assim como também há alguns sensibilizados donos de redes de supermercados, hotéis e restaurantes (e, ainda e felizmente, alguns bons políticos também), é importante observar também que existe boa vontade por parte de alguns deles que gostariam de doar sobra de comida e alimento ao invés de mandar para o lixo, porém esbarram em normas complicadas que os impedem desse ato de solidariedade, pois com medo de doar e alguém sofrer uma intoxicação alimentar que possa resultar em processo judicial, normalmente inutilizam os alimentos com produtos químicos e, posteriormente encaminham para o lixo ou aterro sanitário. Mais irônico ainda é que, os catadores de lixo "selecionam" restos de comida nos lixões onde comem ali mesmo e levam também para suas casas. Eu mesmo já vi essa triste cena que humilha a raça humana como um todo.

Na verdade, falta uma política que cuide dessa questão de uma forma mais prática e humana que, em consonância com normas de saúde e ambiente sustentável pudessem reavaliar esses alimentos, através de laboratórios bromatológicos ou quaisquer outros meios seguros para reciclagem de alimentos devidamente indicados para consumo, no sentido de aplacar a fome de muitos em nosso planeta que morrem diariamente por inanição.Todos sabemos que dos alimentos descartados, principalmente as carnes, são rapidamente destruídas pelas bactérias, mas poder-se-ia evitar que milhares de pessoas morressem antes do tempo e, ao invés de se alimentarem de comida que sobra, não servissem de alimento ao mundo dos vermes, antes do tempo.

Às vezes, nossa sociedade é tão hipócrita e paradoxal que, eventualmente, suas leis acabam sendo contra elas mesma. Isso me faz lembrar um adágio popular americano que é posto em prática no cotidiano dos humanos: "Necessity knows no Law" (Necessidade não conhece Leis). Por isso que chega um dia que os necessitados fazem valer suas próprias leis, doa em quem doer...algo perigoso para a sociedade, mas factível.


* Professor do Centro de Biociências da UFRN (juarez@cb.ufrn.br)

SOLIDARIEDADE

Solidariedade
(Publicado no O Jornal de Hoje)
* Juarez Chagas

No artigo anterior me reportei sobre a questão do desperdício de alimentos por parte de supermercados, restaurantes, padarias, centros de abastecimentos alimentícios e, também famílias que, todos somados, jogam diariamente no lixo toneladas de alimentos que dariam para alimentar milhares de pessoas famintas, em todo o mundo.

Apontei, não somente essa dura realidade (inclusive por ter presenciado um exemplo local), como também a falta de normas e leis que pudessem permitir condições éticas, sanitárias e, principalmente questões humanas e solidárias para o reaproveitamento e reciclagem de alimentos em prol dos que passam fome e causam vergonha pelas gritantes desigualdades sociais numa mesma população de seres humanos que vivem num mesmo ambiente.

A famosa frase “All men are created equal” (Todos os homens são criados iguais, de 4 de Julho de 1776), usada por Thomas Jefferson como principal eco para a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, baseada na tríade vida, liberdade e direito à felicidade. Infelizmente, isso não reflete na prática, principalmente nos dias de hoje, o que realmente diz o seu contexto.

A verdade estaria mais para Rousseau que aponta que “a natureza estabeleceu igualdade entre os homens e estes estabeleceram desigualdade”. Convenhamos e não alimentemos a hipocrisia aspirando total igualdade entre os seres humanos, pois as diferenças também são leis naturais e devem igualmente ser respeitadas, porém não podemos admitir tanta desigualdade social, especialmente no que diz respeito aos direitos humanos, onde uns poucos têm tudo e a quase totalidade, quase nada. O resultado será o homem contra o próprio homem, indiscutivelmente.

Sobre aquele artigo, recebi alguns emails e comentários, inclusive no meu blog, dentre os quais gostaria de transcrever, na íntegra, um especial para que possa ilustrar como excelente exemplo de que ainda há pessoas e organizações solidárias (embora contemos nos dedos das mãos) que, não só defendem irmandade, cidadania e melhores condições sociais entre as pessoas, mas mostra que, se cada um fizesse sua parte, o mundo seria bem melhor:

“Meu caro Professor Juarez,
Tive o prazer de ler o seu, muito bem posto artigo, sobre o desperdício e o crime que se produz no Brasil no trato com alimentos. É sem dúvida, um crime em todos os aspectos que possamos considerar. Suas colocações são extremamente bem postas e quero lhe dizer que a mim, revolta também.
No entanto, algumas poucas entidades e empresas no Brasil, lutam para minorar este descaso gritante. Uma delas é o nosso SESC(serviço social do comércio) que através de suas unidades em todo o país , sustenta um programa , intitulado MESA BRASIL SESC, que cuida de evitar o desperdício de alimentos e inclusive a forma de manuseio para evitar contaminação e consequente desperdício dos alimentos em processo. Gostaria que o prezado , Professor nos desse a honra de conhecer nosso programa que está em operação, no nosso estado, montado nas cidades de Natal, Caicó e Mossoró, desde 2003.
Só para citar numeros, quero informar que , no ano de 2008 conseguimos distribuir pelas entidades de caridade espalhadas por essas cidades, o total de 885.000Kg , ou seja conseguimos salvar 885 toneladas de alimentos , entre frutas , carnes , peixes, camarões, castanhas, farinha de mandioca, ovos ,leite e etc , que iriam para o lixo e com isso conseguimos complementar 2.812.126 refeições. Toda essa matéria prima, nós recolhemos em fazendas, fábricas, supermercados, lanchonetes, restaurantes, frigoríficos, padarias, cooperativas de laticínios etc, com uma frota de 3 caminhoes frigoríficos, duas kombis e um caminhão normal e uma equipe própria de dezoito, colaboradores.
Com isto concluo , renovando o convite para que nos conheça e ao programa. Com um abraço, MARCONI MARINHO DE FIGUERÊDO, diretor regional do SESC/RN O telefone do MESA é 3201-3083, a Nutricionista responsável é Sra EVELINE”.

Não poderia deixar de agradecer a Marconi Marinho pelo seu email e, a toda a sua equipe, pelo exemplar trabalho que deveria ser seguido por muitos outros. É muito bom saber que o pensamento de Thomas Jefferson, não ecoa sozinho no mundo e que, aqui e acolá, há quem escute.

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)

14 de jan. de 2009

A CASA MAIS FAMOSA DO BRASIL?

A casa mais famosa do Brasil ?
(Publicado no O Jornal de Hoje)
* Juarez Chagas

Começou ontem, 13/01/2009 (infelizmente), a 9ª versão do BBB (Big Brother Brasil), um dos maiores (senão o maior) engodo televisivo dos últimos tempos, eu diria. Não falo aqui gratuita e simplesmente como alguém que não gosta do programa pelo simples fato de não gostar, ou por outro lado como alguém que conspira contra este mega “empreendimento” que alicia, e, por incrível que pareça, se estabelece cada vez mais como um programa televiso moderno, porém vendendo a imagem duma falsa “esperança” de sucesso, fama e riqueza fáceis, mas por trás duma atroz ganância de mídia, onde o ser humano é um simples animal de laboratório, cujo comportamento passa a ser teleguiado para atender a resultados que, resumindo, iriam contra o bom senso e a ética sobre o ser humano, pois instiga a inveja, falsidade e egoísmo, sob a propaganda do entretenimento escolhido pelo povo.

Os próprios organizadores fazem declarações estonteantes sobre o programa que, inegavelmente é de grande audiência e sucesso (pois tem mais que público para isso), infelizmente, submete o público que acompanha a se tornar cada vez mais parceiro desse projeto que, no fundo, submete os participantes a uma ilusão “possível” do preço da fama e do dinheiro, a desnudarem seu próprio self negativamente ou aceitarem ser o que não gostariam de ser, em suas condições normais de vida do dia-a-dia.

Pra se ter uma idéia da dimensão do programa, só a seleção desta 9ª versão contou com 160 mil inscritos. O absurdo começa no processo de seleção dos candidatos ao “confinamento estilizado”, amplamente divulgado meses antes de várias formas e estilos, como se “sugerisse” que seus participantes selecionados entrarão no “paraíso”, almejado por muitos e conquistado por poucos. Aos selecionados e selecionadas, providenciam uma recepção digna de fama, glamour e estrelismo, muitas vezes superiores aos proporcionados às verdadeiras celebridades da sétima arte, que chegam à sede do BBB em carros estilizados, com a imprensa fazendo alarde e dando total cobertura, assistida por cordões de pessoas recepcionando-os, como em estado de uma “comoção fabricada”. Uma estrutura digna dos mais importantes eventos da modernidade é cuidadosamente montada e aparelhada, no sentido de se colher todos os objetivos previamente traçados, quais sejam, divulgar e “vender” a mediocridade, infantilidade, desespero pela fama, subserviência e dignidade humana, sob a idéia de provar até onde pode ir o comportamento humano quando se trata de sucesso fácil.

Na verdade, confinam pessoas numa casa onde a privacidade é quase que totalmente invadida por centenas de câmeras. Boninho, o diretor do programa, diz abertamente que “o BBB não é um estudo científico sobre relacionamento humano, não é um estudo antropológico, não é telecurso. O BBB é um jogo, um programa feito para entreter, para despertar ódio e amores”. Sem comentários...

Agora analisemos o absurdo associado, ou seja, dos organizadores e do povo que acolhe este projeto. Você sabia que em apenas uma noite, quase trinta milhões de pessoas votam para indicar um dos candidatos ao paredão? Estes são dados fornecidos pelos próprios organizadores. Multiplique isso vezes RS 0,30 (ou outro valor atual) e teremos cifras em milhões. É óbvio que o contrato da Globo com a telefonia garante o prêmio do vencedor (isso sem falar nos demais patrocinadores (cujos produtos vez ou outra aparecem “discretamente” na tela) e ainda sobra muito dinheiro para seus cofres, tornando mais pobre as classes menos cultas e favorecidas que são, diga-se de passagem, as que mais votam. Tudo isso a troco de que? Que tipo de formação este programa contribui, ditando comportamentos, linguajar e manias nada pertinentes que muitos candidatos passam para o telespectador? Já podemos admitir que há até uma “geração BBB”, a qual dependendo de quantas versões ainda virão, estarão completando 10, 11, 12...anos, muito em breve, provavelmente querendo também participar deste “grande desafio”.

Confesso que o que ainda me fez reportar a esse assunto publicamente, mais uma vez, foi eu ter ficado surpreso com a repercussão de um artigo meu, ano passado num site (internacional) para escritores (http://pt.shvoong.com/humanities/1745709-montanha dos sete abutres), onde faço uma analogia de um antigo filme com este reality show. Pela quantidade de emails e comentários que recebi (o artigo ainda está online) , ficou muito claro que muita gente também acha que esse programa é mais tendencioso do que se possa imaginar. E além do mais, a casa mais famosa do Brasil, como gosta de apregoar os dirigentes do BBB, não é uma Casa da Moeda ou uma Casa de Rui Barbosa, nem a Biblioteca Nacional, nem uma ong para cuidar de velhinhos, nem nada semelhante...

* Professor do Centro de Biociência da UFRN(Juarez@cb.ufrn.br)

8 de jan. de 2009

A FESTA DE SANTOS REIS

A Festa
de Santos Reis
*Juarez Chagas
Para os que ouviram neste feriado de Dia Reis, apenas como jingle comemorativo, a alegre música “A Festa de Santos Reis” com o vozeirão de um jovem cantor na época, já conhecido e famoso com seu segundo LP (a música é de 1971), senão não acompanhou a trajetória musical de um dos nossos mais importantes cantores e compositores, ele é simplesmente Tim Maia (1942-1998).

A Festa de Santos Reis é uma antiga tradição advinda do século IV, quando a Igreja nomeou os magos como reis e santos. É uma festa tradicional portuguesa, que chegou ao Brasil em meados do século XVIII, tendo em Portugal um caráter mais popular, já no Brasil assumiu aspecto mais religioso. As imagens dos Reis Magos do Santuário Arquidiocesano chegaram de Portugal por volta de 1755, porém a primeira festa de Santos Reis foi celebrada dentro do Forte, no dia 06 de janeiro de 1599, para simbolizar encontro dos Reis Magos com o menino Jesus recém-nascido, para o qual entregaram seus presentes. Portanto, a tradição de troca de presentes entre as pessoas no Natal, é uma tradição milenar.

Acredito que, o que levou Tim Maia a compor e gravar A Festa de Santos Reis tenha sido o caráter alegre e popular desta folia desenvolvida no Brasil com características próprias, com manifestação de rara beleza e preciosos versos, cantados e acompanhados por viola, violão, sanfona, reco-reco, chocalho, cavaquinho, triângulo, pandeiro e outros instrumentos. Além do mais, em seu primeiro LP (1970) o cantor homenageou o Nordeste com outras músicas como Coroné Antonio Bento, por exemplo.

Fruto de uma geração contestadora e em busca de conquistas e afirmações, Sebastião Rodrigues Maia, penúltimo filho duma família de 19 irmãos, iniciou suas primeiras composições ainda criança e começou na música tocando bateria, porém logo mudou para o violão e, em 1957, fundou no RJ, bairro da Tijuca, o grupo de rock Os Sputniks (1957), do qual participaram Roberto e Erasmo Carlos. Em seguida foi para os Estados Unidos, onde integrou uma banda local e incorporou o soul music ao seu estilo musical. Aliás, contam alguns defensores que o Erasmo é que teria fundado o conjunto, mas não parece ser essa a verdade. Na realidade, com esse feito, Tim Maia praticamente lançou Roberto Carlos no mundo do Rock, suporte indispensável para a futura Jovem Guarda, que marcaria os anos 60 ou os Anos Dourados no cenário comportamental e musical da juventude brasileira.

Na verdade, mesmo tendo tido, posteriormente, algumas desavenças com RC, Tim foi uma peça fundamental em sua carreira, tendo sido inclusive baterista do primeiro conjunto do Roberto, o RC7 e também compositor de alguns de seus sucessos, como, por exemplo, Não Vou Ficar, gravada também por famosas bandas e cantores nacionais.

Em homenagem às festividades de Santos Reis, tendo no Brasil, Natal como sua principal representante e, para os que não conhecem, assim como para os que queiram relembrar, segue a letra de A Festa do Santo Reis:

Hoje é o dia de Santo Reis
Anda meio esquecido
Mas é o dia da festa de Santo Reis
Hoje é o dia de Santo Reis
Anda meio esquisito
Mas é o dia da festa de Santo Reis...
Eles chegam tocando
Sanfona e violão
Os pandeiros de fita
Carregam sempre na mão
Eles vão levando
Levando o que pode
Se deixar com eles
Eles levam até os bodes...
É os bodes da gente
É os bodes, mééé
É os bodes da gente
É os bodes, mééé...

Hoje é o dia de Santo
ReisHoje é o dia de Santo Reis
Hoje é o dia de Santo Reis, hié! hié!

Agora, parece que depois do Natal, Ano Novo e Festa de Santos Reis, Natal voltará ao seu ritmo normal...quer dizer, depois do Carnaval!

Professor do Centro de Biociência da UFRN(Juarez@cb.ufrn.br)