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19 de mar. de 2009

A ESSÊNCIA DO SUJEITO

A Essência do Sujeito
*Juarez Chagas

Lendo o Método 5, A Humanidade da Humanidade, de Edgar Morin, cujo título original é La Méthode 5, L’humanité de L’humanité, lançado no Brasil pela editora Sulina (2005), o leitor encontra na segunda parte do livro que trata da identidade individual, o primeiro capítulo que discorre sobre “O Âmago do Sujeito”. O Método é sua principal obra e é constituída por seis volumes, tendo sido escrita ao longo de três décadas e meia. Trata-se de uma das maiores obras de epistemologia disponível e nele, podemos encontrar muitas referências de seus outros livros como O Paradigma Perdido: a Natureza Humana, O Homem e Morte, dentre outros.

Morin, sabiamente, como era de se esperar, inicia rebuscando a noção de sujeito, baseada tradição filosófica ocidental, apontando onde o sujeito “engessou”. Por isso ele faz um interessante trocadilho que sucinta sagaz reflexão: “Ser sujeito supõe um indivíduo, mas a noção de indivíduo só ganha sentido ao comportar a noção de sujeito”, e lá na frente ele conclui o parágrafo, enfatizando que “ser sujeito implica situar-se no centro do mundo para conhecer e agir”.

Edgar Morin, como já bem sabemos, é sociólogo, filósofo e um dos mais importantes pensadores da atualidade e um dos expoentes mais expressivos do pensamento mundial contemporâneo. É considerado um dos principais mentores do estudo sobre a complexidade e, para nosso deleite acadêmico, esteve em Natal por duas vezes, em maio de 1998 e em 2004, onde se encontrou com o pessoal do Grecom-Grupo de estudos da complexidade, na UFRN, onde proferiu palestras sobre o tema.

Na verdade, ele propaga seus estudos e pesquisas de caráter inter-poli-transdisciplinar sobre os problemas complexos que as sociedades contemporâneas hoje enfrentam, coletivas para resoluções e análises satisfatórias de tais complexidades.

Resumir o pensamento de Morin sobre a essência do sujeito, não é tarefa fácil nem tão pouco pretensão deste artigo. Entretanto, não deixa de ser interessante e, eu diria que, muito importante também, abordar tais considerações neste contexto, uma vez que o entendimento de sujeito, seu papel e lugar no contexto sociocultural muitas vezes é entendido de várias formas e percepções, o que concordamos, causa certa confusão. Além disso, há uma ampla visão, cujo entendimento sobre o âmago do sujeito, nos permite viajar em sua subjetividade, porém nada disso o impede de viver para si e para o outro dialogicamente, como aponta morin.

Por outro lado também, é interessante notar que na essência do sujeito, enquanto indivíduo, a subjetividade comporta a afetividade, evidentemente, fazendo com que o sujeito humano esteja destinado ao amor, à entrega, à amizade, à inveja, ao ódio e a todos os sentimentos e conteúdos que o movem na relação com o outro. E é fundamental não esquecer que a relação com o outro inscreve-se virtualmente na relação consigo mesmo. Essa reflexão nos faz lembrar Jean-Louis Vullierme quando o mesmo diz que “os sujeitos se auto-organizam em interação com outros sujeitos”.

Nesse sentido, chamo a atenção sobre um dos artigos que escrevi sobre Tanatologia, onde lembrava que a morte do outro é a morte de si próprio e entendemos melhor essa colocação quando aceitamos que a morte não é apenas a decomposição de um corpo, porém e igualmente o aniquilamento de um sujeito. Por isso é que a morte de um ente querido não aniquila apenas o outro, mas também o eu e o nós mais íntimos, abrindo, na quase totalidade das vezes, um insuperável e intransponível ferimento no âmago de sua subjetividade.

Na realidade, se todos nós entendêssemos nossa própria essência e a essência do outro, o mundo certamente teria melhores indivíduos, melhores sujeitos e ótimas pessoas.

* Professor do Centro de Biociência da UFRN (Juarez@cb.ufrn.br)

A MORTE SEGUNDO FREUD

Nós e a Morte, Segundo Freud
*Juarez Chagas

“Nós criaturas civilizadas tendemos a ignorar a morte como parte da vida...no fundo ninguém acredita na própria morte, nem consegue imaginá-la. Uma convenção inexplícita faz tratar com reservas a morte do próximo. Enfatizamos sempre o acaso: acidente, infecção, etc., num esforço de subtrair o caráter necessário da morte. Essa desatenção empobrece a vida...”.

O texto acima é de Sigmund Freud e é a introdução de sua palestra intitulada “Nós e a Morte”, proferida em 1916, a qual faz parte de sua obra “Considerações atuais sobre a Guerra e a Morte”, onde o psicanalista apresenta ao mundo científico da época, sua visão sobre a finitude humana e como ela deveria ser encarada por cada um de nós.

O texto de Freud tem a capacidade de nos conduzir a algumas reflexões nada rotineiras ou prazerosas, mas que todo ser consciente deveria fazer, porém no entanto, normalmente fugimos delas (reflexões).

Quem leu o trabalho de Freud “Nós e a Morte”, o qual originou-se de um ciclo de palestras proferido pelo mesmo em 1915, percebe que sua preocupação com a questão da morte tem base não apenas no declínio da condição biológica, mas também fortemente calcada na questão da guerra e sua capacidade destrutiva além da morte, algo que o afetou muito particularmente! Ele reporta-se, categoricamente, sobre o ato do homem matar seu inimigo desde sua época mais primitiva aos dias atuais, havendo um ponto comum entre o homem primitivo e o civilizado, no que diz respeito ao desejo de destruir quem o ameaça ou lhe oferece perigo, pois a consciência de que a guerra põe fim à atitude convencional ante a morte é planejada.

Interessante é que Freud diz que nosso inconsciente comporta-se de maneira semelhante ao do homem primitivo, pois este inconscientemente não acredita na própria morte, apesar de vê-la rondando e de abater seu próximo, constantemente. Por outro lado, sabemos que o consciente, como era de se esperar, apavora-se com a idéia da morte e, portanto, está aí gerado o conflito existencial. A propósito, Freud chama a atenção de que nossa atitude civilizada perante à morte é muito irreal e que “vivemos psicologicamente acima de nossos meios”, enquanto deveríamos conceder um espaço maior em nossas vidas para a morte, para que a vida se tornasse suportável conscientemente, embora sabendo de sua finitude e de suas conseqüências.

No meio de toda essa fantástica abordagem de Freud, me chama a atenção o fato dele se referir a “atitude civilizada” do homem frente à morte, mais de uma vez, como se admitisse ser uma obrigação para o homem moderno lidar melhor com sua terminalidade. É claro que fica evidente a comparação que o mesmo faz entre a maneira de encarar a morte e a guerra entre o homem primitivo e o homem civilizado, no entanto, observando a evolução humana através dos tempos, percebemos que a aceitação da morte como sendo parte da vida ou o fim desta, não avançou como deveria. É interessante observar que quanto mais moderno o homem, mais modernas suas guerras e suas mortes.

E sabido, não somente por causa da doença que o combalia, o definhava e o irritava cada vez mais, nos última anos de sua vida, mas também por cada vez mais admitir ser a finitude a última companheira do homem, que Freud defendia a idéia de que viver eternamente seria o maior fardo que o ser humano carregaria, se possível fosse. E isso não estava no seu inconsciente.


* Professor do Centro de Biociência da UFRN (Juarez@cb.ufrn.br)

RUA AUGUSTA

Rua Augusta
*Juarez Chagas

Em 2005, quando fui participar de um congresso de Tanatologia em São Paulo, realizei um simples e antigo desejo, relacionado à década de 60: percorrer a Rua Augusta, de seu início até o fim, no intuito de conhecê-la melhor, em toda a sua extensão.

Na verdade, eu já havia passado uma temporada
em SP quando estudava na Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), por ocasião do Mestrado, nesta universidade e que fica a, apenas, alguns quarteirões de distancia da mesma. Porém, naquela época, apesar de, eventualmente passar por esta rua, não havia tempo para conhecê-la melhor, como pretendia. As energias e e todos os meus horários, inclusive finais de semana eram somente destinados para os estudos.

Pra quem não sabe, a rua Augusta virou um marco histórico para a juventude brasileira daquela época e representou, na década de ouro dos Anos 60, para os jovens, especialmente, os paulistanos, glamour e diversão. Era ao mesmo tempo, obrigatório e livre ponto de encontro da juventude paulistana das décadas de 60 e 70, constituindo-se numa importante via arterial da cidade, unindo os jardins ao centro da cidade. Seu início, a partir da rua Martins Fontes com a rua Martinho Prado até o cruzamento com a Avenida Paulista, forma uma acentuada subida que a partir deste ponto desce até o seu término na Rua Colômbia, que é, na verdade, uma continuação da mesma, porém com outro nome.

Atualmente, o trecho que vai do início da rua até o cruzamento com a avenida Paulista, se localiza na região centrala de São Paulo, onde se pode encontrar boites, saunas , pequenos restaurantes e casas de espetáculos, porém sendo um dos pontos de meretrício na cidade, um marco nada orgulhoso para a maior cidade brasileira, nos dias de hoje, mas que faz parte de sua geografia e urbanismo.

Não é nenhuma novidade o estilo de vida dos jovens dos Anos 60, embora muitos ainda seguissem a filosofia dos “Rebeldes sem causa”, defendido pelo estilo James Dean, dos anos 50, ou de Brando e Presley, dentre outros e, no Brasil, especialmente nas cidades consideradas “grandes e avançadas”, não era diferente.

No caso da Rua Augusta daquele tempo, os jovens paulistanos exibiam seus carros em alta velocidade pelo asfalto, encontros de turmas, grupos, casais de namorados, onde a onda do Rock n Roll, ainda imperava. Era o frisson da época subir a Augusta, no sentido Avenida Paulista , fazendo “pegas e cavalo-de-pau” e apostando corridas em grupos de 10 a 15 carros, no estilo “Juventude Transviada”. Era um delírio para todos: os jovens se deleitavam com a adrenalina e os pais ficavam às raias de infartos e colapsos nervosos.

Evidentemente que tudo isso não tinha apenas que ser vivido pela juventude, mas também cantado. E, assim sendo, a música Rua Augusta (1963), de Hervé Cordovil e, cantada e interpretada por seu filho Ronnie Cord (Ronald Cordovil), retrata muito bem toda essa rebeldia da juventude paulistana. Posteriormente, a música foi imortalizada pela Jovem Guarda, com Erasmo Carlos (o Tremendão) tornando-se um dos maiores hits dos anos 60. Muitos outros artistas também regravaram esse sucesso marcante, como os Mutantes, em 1972 e Raul Seixas, nos anos 80, quando gravou um disco em tributo ao Rock.

Por falar nisso, o programa Jovem Guarda, um programa de auditório, da TV Record, surgido em 1965, comandado por Roberto Carlos, Erasmos Carlos e Wanderléia, contribui sobremaneira para que Rua Augusta ficasse nacionalmente famosa (Aliás, o maior e mais famoso programa de música pop que o país já teve). Tem até o episódio com Erasmos Carlos que, empolgado com toda a história da Rua Augusta, comprou um fusca cor de abacate para subir e descer a rua, ainda nos velhos bons tempos. Dizem que o apelido “Tremendão”, do Erasmo foi por causa dessa música. Dizem também que parte da juventude paulista da época encarava isso como um insulto, pois paulistas e cariocas sempre tiveram suas diferenças.

Relembremos o significado e clima que a canção Rua Augusta passava para todos na Época de Ouro da juventude brasileira:
I
Entrei na Rua Augusta
A 120 por hora
Botei a turma toda
Do passeio pra fora
\Com 3 pneus carecas
Sem usar a buzina
Parei a quatro dedos
Da esquina
Falou!
Vai! Vai! Johnny
Vai! Vai! Alfredo
Quem é da nossa gangue
Não tem medo...(2x)

I I
Meu carro não tem breque
Não tem luz
Não tem buzina
Tem 3 carburadores
Todos 3 envenenados
Só pára na subida
Quando falta gasolina
Só pára se tiver
Sinal fechado
Tremendão!

III
Toquei a 130
Com destino à cidade
No Anhangabaú
Botei mais velocidade
Com 3 pneus carecas
Derrapando na raia
Subi a Galeria Prestes Maia
Tremendão!
Vai! Vai! Johnny!
Vai! Vai! Alfredo!
Quem é da nossa gangue
Não tem medo...(2x)
É bom lembrar que, apesar da música dizer a 120 por hora, eles paravam no sinal fechado, coisa que muitos jovens de hoje não fazem, demonstrando outro tipo de rebeldia que conduz à morte em muitas ruas do país.

* Professor do Centro de Biociência da UFRN (juarez@cb.ufrn.br)

17 de fev. de 2009

TRANSITORIEDADE

Transitoriedade
*Juarez Chagas

Uma vez, num certo dia bonito e ensolarado, Freud fez um passeio em companhia de um amigo mal humorado e de um jovem poeta, ao redor de uma rica paisagem de verão. Como bom observador que era, não apenas por força do ofício, mas também por percepção própria, ele tudo percebia, prazerosa e cuidadosamente sobre as companhias e o ambiente do qual estavam desfrutando. O inverno estava perto de chegar...

O poeta, por sua vez, admirava a beleza do cenário à sua frente, entretanto, o sábio psicanalista percebia que o mesmo não se alegrava com tamanha beleza que a Natureza lhe proporcionava. Ao contrário, sentia-se perturbado pela idéia de que aquilo tudo logo se extinguiria, pois sabia que o inverno estava às portas e chegaria a qualquer momento, mudando todo aquele belo cenário.

Segundo sua observação, Freud, achava que o sofrimento do rapaz estava indo mais além do que ele mesmo esperava e, para piorar ainda mais seu pessimismo, este dizia saber que, analogamente, o mesmo também ocorria com toda a beleza humana e, tudo mais que de belo havia, assim como tudo de nobre e de bom que o homem criara, estava fadado ao despojo e relegado à transitoriedade, pois isso era o destino de tudo!

Freud via que tinha à sua frente, naquele momento, o conflito do ser humano, visto através do jovem e inquieto poeta (todos os poetas são inquietos), gerado pelo fato do belo e do perfeito se mostrarem tão frágeis e efêmeros, frente à imensa Natureza e ao tempo ao qual todas as coisas estão destinadas. Assim, sendo, ele rapidamente concluiu que este estado conflituoso provoca duas tendências na psiquê humana: uma que pode conduzir o estado de uma pessoa ao doloroso cansaço e desilusão do mundo, como o presenciado no jovem poeta e, a segunda, uma possível revolta contra tal constatação, por não poder mudar o estado das coisas perante o que elas são, como são e o destino de sua existência.

Na verdade, essa rebelião ocorre pela incapacidade da própria pessoa em conflito, não conseguir responder porque todas as maravilhas da Natureza, do trabalho humano, dos sentimentos e de todas as conquistas humanas, em um dado momento ou de repente, desfazem-se em absolutamente nada, como são determinadas por sua própria natureza. Era assim que Freud percebia o problema, não apenas do jovem poeta, mas de muitas outras pessoas com os iguais conflitos.

Assim sendo, nesse contexto e nesse ponto, cabe o desejo e a exigência da imortalidade perseguida pelo ser humano, frente à sua realidade nua e crua, que é sua própria terminalidade e de tudo aquilo que, de repente, lhe parece se tornar tão efêmero!

Mas...é aí que, conscientemente, deveríamos nos perguntar se não seria exatamente por essa razão, por tudo parecer ou ser transitório para o ser humano, que cada coisa, cada tempo, cada momento, cada conquista e a própria Natureza deveriam ter maior valorização?

Ainda bem que, ainda durante esse mesmo passeio e diante de tal postulação do jovem poeta, Freud contesta sua visão pessimista de que a transitoriedade deva ser desvalorizada, exatamente pela brevidade do seu tempo, atribuindo a esse comportamento um poderoso fator emocional em ação, causando uma revolta psíquica contra o luto por um sofrimento antecipado. Portanto, Freud conclui que “o valor da transitoriedade é o valor da escassez no tempo”, que poderíamos, de certa forma, na minha oponião, traduzir como, “quanto menor o tempo das coisas que amamos e que temos, mais devíamos valorizá-las e vivê-las eternenamente”

A propósito, essa questão nos lembra algumas considerações de Morin (Método 5, 2005), dentre as quais ele diz que “o indivíduo humano, na sua autonomia mesma, é, ao mesmo tempo 100% biológico e 100% cultural. Submete-se à autoridade do superego social e absorve a influência e a norma de uma cultura; vive, sem parar, na dialógica descoberta por Freud entre o superego, o id pulsional e o ego. O indivíduo encontra-se no nó das interferências da ordem biológica e da pulsão e da ordem social da cultura; é o ponto do holograma que contém o todo (da espécie, da sociedade) conservando-se irredutivelmente singular”.

Portanto, o individuo sempre esteve entre os nós das interferências, residindo no cerne da transitoriedade, da temporalidade e em todo o contexto da terminalidade. É este o Destino do homem como indivíduo e quem sabe, também como espécie, caso, quem sabe o processo de perpetuação da espécie seja um dia modificado e comprometido através da evolução ou involução, através do tempo que parece tudo mudar.

Nesse sentido, cabe uma reflexão e uma pergunta. A pergunta é: se tudo o que vemos, sentimos, amamos, queremos, conquistamos, admiramos...nos parece tão transitório, não deveríamos mais ainda e exatamente por essa razão, valorizar tudo isso e viver tudo isso como se tudo fosse “eterno”? Quanto à reflexão, fica por conta de cada um de nós.
Por sinal, o dia hoje está belo e ensolarado...

* Professor do Centro de Biociência da UFRN (Juarez@cb.ufrn.br)

14 de fev. de 2009

KISSING COUSINS


Kissings Cousings
(Publicado no O Jornal de Hoje com
o título: O Outro Elvis?)
* Juarez Chagas

Conheço no mínimo, dois fãs de Elvis Presley (na verdade um fã e uma fã) sobre o qual se você falar mal do rei do rock ‘n Roll, é melhor eles não estarem por perto. Mas, não há como negar que o pior filme de Elvis foi “Kissing Cousins”, gostem ou não eles desse fato, mesmo não significando essa constatação generalizada, falar mal do maior fenômeno mundial da música pop.

Quando assisti a comédia musical “Kissing Cousins” (Com Caipira Não se Brinca, MGM, 1964) era um jovem que acompanhava a trajetória do Rock, como tantos outros da época que curtiam esse gênero musical. E foi no Cinema Rex (Natal), que, como era de se esperar, estava lotado!

Em Natal, o Filme só passou quase dois anos depois de seu lançamento nos EEUU. Nessa época, Elvis Presley estava ainda no auge, embora num plateau linear do sucesso e os Beatles, que já viviam o glamour da beatlemania, ainda o consideravam a pura magia do Rock n' Roll e, é bom dizer que, Lennon ainda não tinha se arrependido de ter comprado o mais recente disco do Rei do Rock e nem de ter pedido uma audiência para a banda dos 4 cabeludos de Liverpool aos assessores de Elvis (isso tinha ocorrido há uns 5 anos atrás) para um simples e tímido encontro que se só se tornaria famoso anos depois.

Na verdade, era o esperado encontro (que Elvis já tinha evitado algumas vezes) entre as duas mais fantásticas gerações do Rock que sacudiu o mundo, cada um à sua maneira e ao seu tempo. Por isso mesmo, Elvis era o Rei do Rock, que só teve um e os Beatles os Reis do iê iê iê (ou yeah, yeah, yeah) que também foram os quatro únicos. O encontro, certamente, deu muito o que falar, principalmente para revistas e jornais fofoqueiros em busca de furos jornalísticos.

Mas, não é sobre Elvis em si que quero comentar e sim sobre um pouco de sua obra e, em específico, sobre este filme, na verdade o 14º de sua filmografia, pois como sempre há muita coisa por trás de uma obra até ela se transformar na mesma.

Entretanto, é bom que se saiba que Elvis foi realmente a primeira estrela oficial do Rock ‘n Roll, muito embora muitos outros tenham existido antes dele, e que lhes abriram as portas, como o inigualável Chuck Berry, por exemplo. No início, apenas um jovem branco do Sul que cantava blues misturado com gospel e música country, mesclando nas canções o lado negro e branco, algo praticamente impossível (e desejado por muitos) naquela época. Pelo menos, muita gente pôde ver isso, cinematograficamente, e constatar em King Creole (Balada Sangrenta, trilha sonora do filme do mesmo nome, lançado em 1958).

Porém, não era apenas a mistura desses gêneros que fez de Elvis um cantor especialmente admirado e criticado ao mesmo tempo, mas também seu balanço de quadril e jeito de cantar e dançar conduzido por seu ritmo inebriante, que levava as garotas à loucura (e seus pais também, justamente pelo motivo oposto). Na realidade, por causa de seus trejeitos e modo de dançar, enfatizando os movimentos do quadril, Elvis ganhou o apelido de The Pélvis (Mas, até mesmo o show de Ed Sullivan, na época o mais liberal, só mostrava Elvis cantando da cintura pra cima...). A juventude via nisso tudo e em seu jeito rebelde de interpretar suas músicas e personagens de seus filmes uma forma de liberação da rebeldia jovem reprimida dos anos 50 e 60 e que, por outro lado, a velha geração que via nisso tudo um atentado aos bons costumes sociais da época, viviam em permanente conflito de gerações. Por isso, James Dean em Juventude Transviada (Rebel Without a Cause, 1955) e , Marlon Brando, em O Selvagem (The Wild One, 1953) causaram tanto frisson e confusão.

“Com Caipira não se brinca” (título nacional) foi uma comédia musical de baixíssimo custo que, na verdade, serviu mais pra divulgar novas canções do rei do rock do que a dramaturgia cinematográfica propriamente. Nesse filme, Elvis atua papel duplo de um soldado americano, chamado Josh Morgan e um caipira de nome Jodie Tatum, que por sinal é seu primo e vive no meio do mato, perto das montanhas, onde o exército pretende instalar uma base militar. Há também na família Tatum, além dos pais, duas primas lindas que têm também amigas vizinhas, normalmente cortejadas pelo caipira Jodie. É no meio desse ambiente e pessoas que a trama do filme musical acontece, duma maneira que não convence. Mas, o que importa? A platéia estava ali por causa de Elvis e suas músicas e isso era o suficiente!
Por outro lado, na minha opinião o filme traz um acontecimento interessante para a vida pessoal de Elvis que é a oportunidade do mesmo ter atuado duplamente ele mesmo, ao interpretar o papel duplo do soldado e seu primo caipira. Isso, certamente, deve ter remetido ao próprio Elvis, o fato de ter tido um irmão gêmeo, cujo nome era Jesse Garon e que morreu no mesmo dia em que nasceu (8 de Janeiro de 1935). Além disso, no filme Jodie Tatum é um Elvis loiro, o que na verdade todo mundo sabe que Elvis era realmente loiro e pintava os cabelos de preto para causar mais impacto e lhe dar mais charme do que ele já tinha.

Nesse sentido, a 7ª Arte o permitiu viver nas telas o que o Destino o negou em vida: os “gêmeos” compartilharem na ficção o que não foi possível na realidade.

* Professor do Centro de Biociência da UFRN (Juarez@cb.ufrn.br)

3 de fev. de 2009

O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON


O Curioso Caso de Benjamin Button
(Publicado no O Jornal de Hoje)
* Juarez Chagas

Movido pela inquietude sobre a finitude humana, passando pela pesada trajetória do fardo do envelhecimento e declínio da vitalidade orgânica, David Fincher, debruçou-se sobre o romance de F. Scott Fitzgerald (1896-1940) “O Curioso Caso de Benjamin Button” (1920), para tratar, fictícia e cinematograficamente da questão da terminalidade do ser humano, vista no sentido inverso, ou seja, a história de um homem que já nasce velho e tem seu processo vital processado do senil para o infantil. Uma bela trama, enriquecida pela ficção, porém baseada no mais enigmático, assustador e real processo do desenvolvimento humano: a morte.

Francis Scott Fitzgerald é considerado um dos maiores escritores americanos do século XX. Sem falar de seus outros sucessos, quem não lembra de The Great Gatsby (O Grande Gatsby, 1925), seu terceiro livro e que foi escrito inteiramente na França dos anos 20? Um dos mais representativos romances americanos, o qual descreve a vida da alta sociedade, no sentido crítico da palavra. Este livro foi, na opinião dos críticos, um balde de água fria no high society americano da época. Mas, o mais interessante é que, já em 1920, o autor pretendia, de forma contundente, chamar a atenção da sociedade para a questão da terminalidade humana, fato na época, praticamente impossível de ser discutida com tal conotação social.

Retomando o filme homônimo dirigido por Fincher, na New Orleans de 1918, quando a Primeira Guerra está chegando ao fim, a estória começa tratando de um homem que, sem qualquer explicação, nasce um bebê velho e inexplicavelmente começa a rejuvenescer, para ter o seu final exatamente no início. Retrospectivamente, o filme começa pelo final, com a Sra. Daisy (Cate Blanchett) morrendo num leito de hospital, tendo a filha ao seu lado, acompanhando-a em sua despedida ao mundo dos vivos.

É interessante observar que, tanto a mãe quanto a filha, demonstram, nesse momento crítico, um inegável desejo de terem suas vontades atendidas. A filha querendo estar presente na despedida da mãe e, esta por sua vez, desejando contar sua verdadeira história, até o fim, antes que pereça. A câmera abre um close em zoom do rosto senil e sofrido da Sra. Daisy, balbuciando palavras quase imperceptíveis, sugerindo que vai sucumbir a qualquer momento.

- O que você está olhando, Caroline? Indaga à filha que está olhando pela janela.
- O vento, mamãe. Anunciaram que um furacão está chegando aqui. Responde deixando a janela e sentando-se à beira da cama (O Furacão Katrina estava ameaçando).
- Me sinto um barco à deriva.
- Posso ajudá-la de alguma forma, mamãe...para aliviá-la?
- Oh, querida. Não há nada o que fazer. Temos que aceitar. É difícil manter meus olhos abertos. Parece que há algodão na minha boca. Sente o peso e a dor do declínio orgânico e cada vez mais, a impossibilidade de manter vivo o próprio corpo.
- Quer mais remédio, mamãe? O Doutor disse que pode tomar o quanto quiser. Minha amiga disse que não teve a chance de se despedir de sua mãe. Eu queria...dizer que sentirei muitas saudades. Ambas se abraçam demoradamente e parecem chorar um pouco.
- Está com medo?
- Estou curiosa....o que acontece depois da vida?

É assim que começa o filme e, ambas conversam mais enquanto a Sra. Daisy manda sua filha pegar um diário em sua mala para que leia para ela. É o testamento e diário de Benjamin Button. Na verdade, a sua história, narrada por ele mesmo, envolvendo intimamente a história dessas três pessoas, numa só. Benjamin e Daisy tiveram um romance de infância que se estendeu por toda a vida, porém conturbado e fragmentado, tornando ambos tanto felizes quanto infelizes em sua trajetória amorosa. Essa perda, certamente, também fez parte do processo da finitude a qual todos estão fadados.

Como já foi dito anteriormente, Benjamin Button (Brad Pitt) vem ao mundo em circunstâncias extraordinárias, estranhas e incomuns exatamente no dia em que a Primeira Guerra Mundial termina. Sua mãe morre após o parto e seu, transtornado pai o abandona na porta de um asilo sendo acolhido por Queenie, a cuidadora do lugar, que julga ser este bebê idoso um milagre de Deus, criando-o como filho. "Eu nasci em circunstâncias incomuns." Costumava dizer Button, quando alguém lhe questionava seu estado e idade.

Enquanto vivia no asilo, sob os cuidados e proteção de Queenie , sua mãe de criação (Taraji P. Henson) Benjamin conhece Daisy, uma menina de apenas 5 anos por quem se apaixona de imediato. Assim sendo, apesar de seu aspecto de velho, ela também gosta do estranho amigo, por quem começa a desenvolver uma admiração oculta.
Com o passar dos anos, a relação entre os dois se torna próxima, mesmo quando Benjamin decide se tornar marinheiro, viajando o mundo em um rebocador, ou quando Daisy (Cate Blanchett) vira uma grande bailarina em Nova Iorque. Quando os dois se reencontram, porém, as diferenças entre eles se acentuam pelo tempo distante. Decididos a ficarem juntos e superar qualquer problema, logo eles percebem a dificuldade de um relacionamento em que a diferença de idade se torna cada vez maior

O filme lembra um pouco Forest Gump, não apenas por ter tido o mesmo roteirista Eric Roth, mas pela própria história fantástica contada quase como uma fábula. Mas, não chega a ter ironias cômicas, como no primeiro. As locações, a fotografia, a trilha sonora e os costumes da época, eu diria, são impecáveis. Algumas cenas foram tomadas no Canadá, onde quem já lá esteve, pode relembrar a neve, o gelo e as lindas paisagens frias do inverno que contrastam com alguns dias ensolarados de New Orleans Isso tudo além, de podermos ver, num determinado momento, o casal namorando ao som dos Beatles num show de tv dos anos 60.

Eu li vários comentários de muita gente sobre o filme, mas um dos que mais me chamou a atenção, embora nao concorde com o mesmo, foi do músico e comediante Sean Morey que disse o seguinte:
“A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade. Você vai para colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando. E termina tudo com um ótimo orgamos! Não seria perfeito?”.

Na verdade, F. Scott Fitzgerald inspirou-se na famosa frase de Mark Twain, que dizia: "A vida seria infinitamente mais feliz se pudéssemos nascer aos 80 anos e gradualmente chegar aos 18”. Nessa época, Twain achava que as pessoas se contentariam apenas em ser octogésimas. Oscar Niemeyer, que está quase com 102, não iria gostar da idéia, certamente

* Professor do Centro de Biociências da UFRN(juarez@cb.ufrn.br)

28 de jan. de 2009

Carne às Bactérias!
(Publicado no O Jornal de Hoje)
* Juarez Chagas

Eu já tinha ouvido falar, porém nunca constatado! Pela primeira vez vi pessoalmente algo do gênero: num caixa de um dos grandes supermercados da cidade, algum(a) cliente havia deixado 2ks de carne vermelha (crua) num carrinho abandonado de última hora, por ter desistido da compra. Na fila, uma senhora na minha frente e que estava sendo atendida, perguntou a moça do caixa se poderia levar a carne, pois havia gostado do produto desistido.

A moça prontamente disse que ela não poderia levar o produto abandonado. Indagada por que, ela foi incisiva ao dizer que a carne iria para o lixo e que não poderia mais ser consumida.

- Lixo?! Mas, por que? Está estragada?! Perguntou abismada a cliente.

Após algumas contestações da cliente pelo fato de estranhar porque esse produto, já que não podia ser mais vendido, não era doado para instituições de pessoas carentes, uma vez que isso ocorre com freqüência. Quanto mais a moça tentava explicar, segundo a orientação que lhe fora dada, mais a cliente se indignava.
- Não. Esses produtos vão direto para o lixo (não entrou em detalhes sob de que forma iria para o lixo, se moída, incinerada, enterrada...), mas justificou que é uma norma, pois o produto que não volta para o frigorífico em tempo hábil "poderia" contaminar as pessoas que o consumissem, finaliza a moça, despachando a cliente.

Mas, isso não é tudo e, nem tão pouco um caso isolado, pois segundo pesquisas recentes, o desperdício de comida no Brasil, assim como também em muitos outros países (apesar de habitantes de lugares como a Biafra viverem morrendo à míngua) é preocupante e não se tem ainda adotado uma política social adequada para esse problema. Para se ter uma idéia, anualmente o país joga no lixo cerca de 26 mil toneladas de alimento, que poderiam alimentar 10 milhões de brasileiros, que constitui apenas uma parcela do total da população que passa fome, literalmente.Por outro lado, restaurantes e abastecedores de supermercados (além dos próprios, como foi o caso citado) jogam fora sobras de comida, frutas, legumes, verduras que poderiam ser reaproveitados, caso houvesse uma política norteada para este fim.

Infelizmente, os políticos estão mais preocupados em aprovar leis outras que não algumas voltadas para o combate à fome e à miséria dos que os colocaram no poder, para se empanturrarem das melhores comidas, rirem, beberem, degustarem vinhos e caviar e olharem o horizonte acima da miséria que agoniza e destrói seu semelhante necessitado e que, principalmente lhes colocaram no poder que não pode para eles. Assim, esses políticos aguardam as novas eleições para promessas que passam longe da verdade. Ironia ou não, essa é uma realidade.

De acordo com uma organização não-governamental voltada para essa questão, os brasileiros jogam fora, diariamente, cerca de 40 mil toneladas de alimentos, que seriam suficientes para 20 milhões de pessoas aplacarem sua fome necessária e decentemente. Isso sem falar também no desperdício de comida das próprias famílias que não se conscientizam que, enquanto jogam comida no lixo, muita gente morre de fome por não ter o que comer.

Mas, assim como também há alguns sensibilizados donos de redes de supermercados, hotéis e restaurantes (e, ainda e felizmente, alguns bons políticos também), é importante observar também que existe boa vontade por parte de alguns deles que gostariam de doar sobra de comida e alimento ao invés de mandar para o lixo, porém esbarram em normas complicadas que os impedem desse ato de solidariedade, pois com medo de doar e alguém sofrer uma intoxicação alimentar que possa resultar em processo judicial, normalmente inutilizam os alimentos com produtos químicos e, posteriormente encaminham para o lixo ou aterro sanitário. Mais irônico ainda é que, os catadores de lixo "selecionam" restos de comida nos lixões onde comem ali mesmo e levam também para suas casas. Eu mesmo já vi essa triste cena que humilha a raça humana como um todo.

Na verdade, falta uma política que cuide dessa questão de uma forma mais prática e humana que, em consonância com normas de saúde e ambiente sustentável pudessem reavaliar esses alimentos, através de laboratórios bromatológicos ou quaisquer outros meios seguros para reciclagem de alimentos devidamente indicados para consumo, no sentido de aplacar a fome de muitos em nosso planeta que morrem diariamente por inanição.Todos sabemos que dos alimentos descartados, principalmente as carnes, são rapidamente destruídas pelas bactérias, mas poder-se-ia evitar que milhares de pessoas morressem antes do tempo e, ao invés de se alimentarem de comida que sobra, não servissem de alimento ao mundo dos vermes, antes do tempo.

Às vezes, nossa sociedade é tão hipócrita e paradoxal que, eventualmente, suas leis acabam sendo contra elas mesma. Isso me faz lembrar um adágio popular americano que é posto em prática no cotidiano dos humanos: "Necessity knows no Law" (Necessidade não conhece Leis). Por isso que chega um dia que os necessitados fazem valer suas próprias leis, doa em quem doer...algo perigoso para a sociedade, mas factível.


* Professor do Centro de Biociências da UFRN (juarez@cb.ufrn.br)