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29 de mai. de 2008

Quantas Vezes Morremos Antes de Tanathos Chegar?

Quantas Vezes Morremos Antes de Tanathos Chegar?
(Publicado no Jornal de Hoje, anteriormente e no pt.shvoong.com/humanities/1752550)

Juarez Chagas


Estudos sobre a morte, depois de séculos de hibernação ainda iniciada na idade média, hibernação esta causada pelo medo, pavor, pânico que velaram este tão importante tema que diz respeito às nossas vidas e mais especificamente ainda, ao nosso comportamento frente ao social, finalmente, vêm chamando a atenção da comunidade acadêmica e, esperamos que muito em breve, saia do “anonimato paradoxalmente tão popular” para às esferas das discussões mais ecléticas possíveis.

O interesse em saber quem é essa personagem viva, embora sendo morte, cuja imagem personificada de esqueleto em seu cavalo, aflige e ceifa vidas com sua foice impiedosa e que, cedo ou tarde, nunca falha, sempre foi um dos mais complexos mistérios no consciente e inconsciente individual e coletivo do ser humano. Porém cabe uma simples pergunta lógica: se o interesse é tão vital, por que a morte ainda permanece um tabu, figura velada, oculta e intocável em seu misterioso mundo dos mortos, mas bem no âmago da vida humana, já que todos os dias, senão a todo instante, a vemos, temos contato com ela, através de suas ações? A resposta também parece simples e lógica: medo. Sim, é o medo que ela alastra mesmo antes de nos causar a própria morte! Pior ainda, pânico para muitos e angústia para tantos outros. Como diz a velha frase de William Dunbar: Timor mortis conturban me”, ou seja, a morte me deixa morto de medo.

A discussão, no entanto pode parecer contraditória, quando concordamos que um dos desejos da sociedade, sempre ávida por descobrir a verdade nua e crua de segredos e mistérios que tanta importância têm para o ser humano, por que a morte permanece ainda um tabu estigmatizado? Talvez a resposta esteja nas diferentes culturas, crenças, religiões que ao longo do tempo têm mantido esse assunto sob mantos de mistérios.

A morte surgiu com a vida e seria arriscado e impreciso afirmar o tempo de sua existência mesmo com as estimativas cronológicas apresentadas por fundamentações empíricas, teóricas e científicas sobre os fenômenos da Natureza. Entretanto, não é apenas o fato do morrer simplesmente que aflige o ser humano e sim quantas vezes morremos antes de sucumbirmos definitivamente.

Uma pesquisa recentemente realizada nesse sentido revelou a já esperada constatação de que não morremos apenas uma vez e sim várias vezes, pois existem mais do que razões para acreditarmos que antes de morrermos definitivamente, morremos inúmeras vezes, mesmo que não percebamos isso claramente. Essa constatação encontra embasamento, coerência e sustentação no incontestável fato de que a morte é uma separação, uma perda definitiva, uma infinita distância do ser e do ter. É a mais brusca e fatal das separações já experimentada pelo ser humano.
Mas, existem também outras separações e perdas no decorrer da vida do indivíduo que, se não o aniquila como a morte-mor o faz, conduzindo-o à lápide dos mortos, mata dentro de si, na alma, na mente, na sua subjetividade e até nos orgânicos processos vitais, que se caracterizam como outros tipos de mortes. Portanto, a pergunta do título “Quantas vezes morremos antes de Tanathos chegar?”, realmente procede, pois bem sabemos que, mitologicamente, Tanathos sendo o deus da morte, teria domínio sobre a vida das pessoas. Daí, tanatologia significar o estudo da morte, enquanto Eros é amor, vida.

Não é foco deste simples artigo discorrer sobre a cronologia da morte, seus tipos e suas causas, porém é importante dizer que o conceito e a personificação da morte é algo bastante diversificado, segundo as diversas sociedades e suas culturas. Por outro lado, isso tem dificultado sobremaneira um estudo linear e mais direto sobre o tema, fazendo com que a morte permaneça escondida em seu misterioso mundo oculto, isso porque nós mesmos a ocultamos, na esperança dela nos afastarmos e dela nos livrarmos.

Porém, retomando a questão abordada sobre as várias mortes pelas quais o indivíduo está fadado a passar e vivenciar ao longo de sua existência, tomemos o exemplo da Pequena Lucy, uma criança de família brasileira urbana, de classe média.

A pequena Lucy amava sua bonequinha de pano Florzinha, a qual ganhara quando completou três anos de idade. Até os oito anos nunca havia passado uma só noite que as duas não estivesse lado a lado, na cama trocando confidências, segredos e mistérios comuns ao mundo mágico das crianças. Mas, um dia Florzinha foi roubada por uma colega de escola de Lucy que viera, juntamente com outras amigas, fazer uma tarefa lúdica em sua casa. Ã noite, na hora de dormir, Lucy não encontrou Florzinha. Desesperada, depois de revirar quase todo o quarto e não encontrá-la, ela desoladamente diz, em prantos, para sua mãe. “Quero Florzinha! Quero minha boneca! Quero morrer!”. Com o passar dos dias e da certeza da perda de sua boneca, não apenas justificava suas frases, como algo já morrera em Lucy, dado o amor que ela dedicava a mesma. Amor este agora perdido. Ela passou a viver acabrunhada, triste e totalmente sem ânimo. Na verdade, a perda é uma morte, pois algo morrera em si...

Assim como o caso da pequena Lucy, todos os dias, a toda hora exemplos semelhantes estão acontecendo em todo o mundo. Separações de casais, amores perdidos ou desfeitos, desilusões e sonhos acabados, morte de mitos e heróis e inclusive a morte do outro, o outro com quem se tem laços, tudo isso constitui em tipos de morte. Ainda não sabemos, do ponto de vista científico, a dimensão exata que essas mortes podem causar, pois elas afetam profundamente nossa subjetividade, desorganizam e desequilibram devastadoramente nossa psiché e desestruturam nossa mente, afetando normalmente também o somático, fazendo como que todo esse processo se arraste, na maioria dos casos, até a morte definitiva, para não dizer por toda a vida. Então, podemos dizer, sem sombra de dúvidas que morremos muitas vezes antes de Tanathos chegar!

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