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29 de mai. de 2008

A ROSA DA MORTE


A Rosa da Morte
(Publicado no Jornal de Hoje, anteriormente)

Juarez Chagas


É engraçado (não no sentido cômico) como o Ocidente combate a morte, oculta, vela e a mantém afastada do seu meio educacional e acadêmico como se a mesma fosse o pior monstro da humanidade (e o pior é que acabou sendo mesmo!), mantendo sempre seu arsenal marcial a postos lado-a-lado da ciência no confronto duma guerra sem fim.
Enquanto isso, algumas sociedades ocidentais, cruzam suas pernas e distendem os braços em posição de lótus, fecham seus olhos e, mesmo com eles fechados, observam a morte com prudência, respeito e até aceitação. Temos aí duas visões diferentes de entendimento e enfrentamento, no que diz respeito às diferentes filosofias de vida, de duas das mais distintas regiões continentais que compõem o planeta terra. Uma dogmática, espiritual e teológica e outra científica e pragmática. No meio disso, o valor da vida e do desenvolvimento humano permeia, muitas vezes sem idéia do seu verdadeiro destino e objetivo final como realização individual e coletiva.
Mas, não podemos desconhecer o pensamento de alguns filósofos ocidentais que divergem do que poder-se-ia imaginar “pensamento normal ou comum”. Podemos citar o exemplo de Arthur Schopenhauer em seu famoso ensaio sobre a morte. Claro, que a idéia principal da maioria de meus artigos que versam sobre a tanatologia é trazer a questão educacional sobre a finitude humana para que possamos, diante do inegável e milagroso processo biológico, do qual a morte faz parte, conhecer bem esse fenômeno, para que possamos viver melhor sem a idéia da ignorância e dos conflitos que esta gera.

Recentemente, completou sessenta anos, portanto mais de meio século, de morte em massa populacional, duma parte de nosso planeta. A quase total devastação de Hiroshima e Nagasaki pelas bombas nucleares de urânio que a América derramou morte e pânico sobre toda população e que, na verdade, continuaram ainda espalhando morte e, psicologicamente, pânico nos primeiros anos que se seguiram.

A bomba jogada em Hiroshima, às 8:15hs de uma manhã de sol indiferente, varreu a cidade por nove quilômetros quadrados devastando cada pedaço num clarão mortal nunca visto antes. Cerca de setenta mil pessoas morreram imediatamente e nas semanas seguintes o número quase triplicou. Um verdadeiro massacre humano! No céu se desenhou uma gigantesca “rosa” de fogo e fumaça que, mesmo quem a viu por fotografia, jamais esquecerá, passando a ser chamada de cogumelo ou Rosa de Iroshima. "É o maior acontecimento de toda a História", disse se vangloriando, o então presidente dos EEUU, Harry Truman, assim que soube do bombardeio, que ele mesmo havia, de sã consciência, autorizado. Três dias depois foi a vez de Nagasaki, quando às 11:02hs de 9 de agosto (horário japonês) foi também quase varrida do mapa.

É impressionante como a ciência e tecnologia, sob o desejo humano do domínio e do poder, investe bilhões de dólares, para manter esse poder, nem que para isso seja necessário acabar com a vida de milhares e milhares de pessoas inocentes. Nem que para isso seja necessário convocar a morte, a quem por outro lado tanto combate. É um dos contra-sensos humano que por si só se explica ou pelo menos, tenta.

Mesmo do outro lado do mundo e, não tendo sofrido essa horrenda e vergonhosa mortandade, como protesto e com sensibilidade poética, o grande poeta brasileiro Vinicius de Morais escreveu cortantes versos que, na voz de Ney Matogrosso, os Secos e Molhados derramaram poesia angustiante, transformando “A Rosa de Hiroshima”, a rosa da morte, em canção e canto cálido, nos saudosos anos 70. Foi exatamente assim que Vinicius escreveu e os Secos e Molhados cantaram:

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas,
Pensem nas meninas
Cegas inexatas,
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas,
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas.

Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa, da rosa!

Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor, sem perfume
Sem rosa, sem nada

Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa, da rosa!

Diferentemente dos versos da canção, eu apenas diria, que procuremos esquecer daquela rosa e procuremos cultivar uma outra rosa, a rosa do amor e da vida.

juachagas@gmail.com

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