(A Historia que não foi contada)
Juarez Chagas
I Parte
Um Contador de Histórias?
Meu nome é Adelino Sebastião. Mas, não adianta dizer o nome de batismo, pois todo mundo só me conhece como Bastião da Serra Grande, o contador de estórias. Sou mesmo e o quê que tem? Aprendi com meu avô, homem de rara inteligência no meio desse sertão afora. Lembro bem que aprendi a ler e a escrever por iniciativa dele que me levou pro único grupo escolar da região, num dia de chuva, puxado pelo braço. Naqueles tempos e no meio do sertão, lugarejo que tinha grupo escolar era privilegiado. Disarnei rápido. A professora Clara gostava de mim, porque me achava inteligente e desembaraçado. Em pouco tempo eu tava lendo cartilha, catecismo, Bíblia, cordel e frases de placa de caminhão, quando aparecia um, uma vez na vida, nas festas juninas e finais de ano. Ela pedia pra mim ler na classe, em pé em frente da turma. Eu me sentia importante, meu avô também...
Depois, quando cresci, passei a escrever cartas pro povo que tinha parentes distante, nas capitais das cidades do Brasil a fora, pondo emoção e história no papel. Muita gente chorava na minha frente. Às vezes até eu também. Mas, simulava dizendo que era cisco no olho. Não ficava bem, eu chorar de minha própria interpretação das cartas dos outros. Também lia as que eles recebiam. Aí sim, às vezes fazia uma impostação de voz...dava mais vida às palavras da carta. Quando o sujeito ou a comadre tava alegre ou triste demais, eu invertia o tom e aí eles riam e choravam ao mesmo tempo. Mas, eu respeitava a todos. Não é fácil ter uma pessoa querida longe da gente. E assim, andei por todo o sertão do meu Estado que conheço como a palma da minha mão. O Estado do Rio Grande do Norte. Eu gostava muito de ler esse nome em voz alta. Achava bonito. Enfatizava as palavras Estado, Rio, Grande e Norte, como se fosse uma louvação. E era mesmo. Não importava se alguém entendesse errado. Rio Grande do Norte! Afinal, tinha que enaltecer o lugar onde nasci, mesmo que fosse no meio do sertão, não é mesmo?
Bem, mas indo ao que interessa, tem estória que vale a pena contar, outras que vale a pena esquecer. Outras são de arrepiar, outras de fazer rir e outras ainda de fazer sofrer. Mas, a estória de hoje não é sobre mim e sim sobre um grande amigo meu e o punhal de Lampião. Sim, isso mesmo, o punhal de Lampião!
Por falar em Lampião, existem muitas histórias e estórias sobre ele, o gangaceiro mais temido do Sertão, em todos os tempos. Herói ou bandido? Injustiçado ou justiceiro? E quanto mais a história se espalha, mais detalhes e versões ela ganha. Já as estórias de Lampião resultam de verdadeiras ficções mal ou bem contadas. Então, vamos à minha estória de hoje e tire suas próprias conclusões sobre história e ficção, herói ou bandido.
Corre o ano de mil novecentos e noventa, em Salvador que, como sabemos é uma cidade agitada por natureza. Nesse momento acabam de inaugurar o “Museu folclore Estadual”, num dia de festa que se confunde com tantas outras, numa das capitais mais alegres do Brasil. No museu, além de grande acervo cultural, estão expostas, não somente réplicas em cera das cabeças de Lampião, Maria Bonita e de grande parte do bando de cangaceiros, mas também grande parte do material de sua história, como livros, fotos, indumentárias e outros objetos. O acervo do museu é itinerante e a idéia é atrair turistas e curiosos do assunto sobre o cangaço.
Em pé, de frente às cabeças expostas, fumando seu cigarro de palha, um velhinho com pouco mais de oitenta anos, observa atento, como se tudo aquilo lhe fosse familiar. De repente, alguns turistas, juntamente com uma equipe de filmagem, ocupam o espaço, afastando-o de lado, como se ele estivesse atrapalhando o local. A equipe começa a filmar as cabeças do bando e seu acervo. Um deles, provavelmente o diretor da equipe, começa a narrar a historia de Lampião, seguindo um roteiro que carrega na mão.
- “E, Lampião, tido como o mais temido bandido do sertão brasileiro, era um dos indivíduos mais cruéis que alguém já conheceu...” Foi, de pronto, interrompido pelo velhinho que, com autoridade corrige a frase.
- Mentira! Lampião não era perverso e nem bandido! Você não o conheceu pra dizer isso! “Corta!” Bradou o suposto Diretor, sob o olhar surpreso de todos e furioso por ter perdido a seqüência da filmagem e olhando o velhinho por um instante, com o indicador nos lábios, indicando silêncio, volta a se concentrar em seu trabalho. “Vamos repetir a cena e a fala. Câmara, Luz, Ação!”
- “...Na realidade, diz a história, o Rei do Cangaço, costumava matar inocentes e indefesos, como represálias às investidas da polícia”. O velho dá um passo à frente e, dedo em riste, retruca novamente.
- Não senhor!...O diretor brame outro “Corta!” e o velhinho continua...Virgulino era um homem justo. Embora valente e enérgico, mas justo. Ah, se esse país tivesse mais homens como ele! Alguém no meio da equipe, provavelmente o responsável pela equipe, interrompe tudo e assume o comando dos trabalhos cinematográficos.
- Um momento! Fala erguendo a mão esquerda e olhando o velho, atentamente, indaga ao grupo...será que vocês não perceberam que podemos estar diante de um precioso achado? Põe a mão direita no ombro do velho, enquanto todos o cercam curiosos, passando agora a dar-lhe a devida atenção, enquanto pergunta.
- Quem é o senhor?...o que sabe sobre Lampião?
O velhinho olha atento e, antes que possa responder, aparece alguém com uma cadeira, na qual quase lhe jogam sentado e, já sob as lentes da câmera, desconfiado, mas querendo ainda contestar a história, pigarreia a garganta enquanto lhe pedem pra falar.
- Bem, já que vocês insistem...mas, a história é diferente, ouviram bem?
- Isso vovô, pode contar o que sabe. Todos ficam atentos, aguardando o velhinho.
Surge um close no rosto do velho que abre um largo sorriso nervoso e sob a fumaça duma grande baforada em seu cigarro, seus olhos agora vêm uma cena de sessenta e pouco anos atrás. O tempo lhe jogou para um passado....(Continua).
Um Contador de Histórias?
Meu nome é Adelino Sebastião. Mas, não adianta dizer o nome de batismo, pois todo mundo só me conhece como Bastião da Serra Grande, o contador de estórias. Sou mesmo e o quê que tem? Aprendi com meu avô, homem de rara inteligência no meio desse sertão afora. Lembro bem que aprendi a ler e a escrever por iniciativa dele que me levou pro único grupo escolar da região, num dia de chuva, puxado pelo braço. Naqueles tempos e no meio do sertão, lugarejo que tinha grupo escolar era privilegiado. Disarnei rápido. A professora Clara gostava de mim, porque me achava inteligente e desembaraçado. Em pouco tempo eu tava lendo cartilha, catecismo, Bíblia, cordel e frases de placa de caminhão, quando aparecia um, uma vez na vida, nas festas juninas e finais de ano. Ela pedia pra mim ler na classe, em pé em frente da turma. Eu me sentia importante, meu avô também...
Depois, quando cresci, passei a escrever cartas pro povo que tinha parentes distante, nas capitais das cidades do Brasil a fora, pondo emoção e história no papel. Muita gente chorava na minha frente. Às vezes até eu também. Mas, simulava dizendo que era cisco no olho. Não ficava bem, eu chorar de minha própria interpretação das cartas dos outros. Também lia as que eles recebiam. Aí sim, às vezes fazia uma impostação de voz...dava mais vida às palavras da carta. Quando o sujeito ou a comadre tava alegre ou triste demais, eu invertia o tom e aí eles riam e choravam ao mesmo tempo. Mas, eu respeitava a todos. Não é fácil ter uma pessoa querida longe da gente. E assim, andei por todo o sertão do meu Estado que conheço como a palma da minha mão. O Estado do Rio Grande do Norte. Eu gostava muito de ler esse nome em voz alta. Achava bonito. Enfatizava as palavras Estado, Rio, Grande e Norte, como se fosse uma louvação. E era mesmo. Não importava se alguém entendesse errado. Rio Grande do Norte! Afinal, tinha que enaltecer o lugar onde nasci, mesmo que fosse no meio do sertão, não é mesmo?
Bem, mas indo ao que interessa, tem estória que vale a pena contar, outras que vale a pena esquecer. Outras são de arrepiar, outras de fazer rir e outras ainda de fazer sofrer. Mas, a estória de hoje não é sobre mim e sim sobre um grande amigo meu e o punhal de Lampião. Sim, isso mesmo, o punhal de Lampião!
Por falar em Lampião, existem muitas histórias e estórias sobre ele, o gangaceiro mais temido do Sertão, em todos os tempos. Herói ou bandido? Injustiçado ou justiceiro? E quanto mais a história se espalha, mais detalhes e versões ela ganha. Já as estórias de Lampião resultam de verdadeiras ficções mal ou bem contadas. Então, vamos à minha estória de hoje e tire suas próprias conclusões sobre história e ficção, herói ou bandido.
Corre o ano de mil novecentos e noventa, em Salvador que, como sabemos é uma cidade agitada por natureza. Nesse momento acabam de inaugurar o “Museu folclore Estadual”, num dia de festa que se confunde com tantas outras, numa das capitais mais alegres do Brasil. No museu, além de grande acervo cultural, estão expostas, não somente réplicas em cera das cabeças de Lampião, Maria Bonita e de grande parte do bando de cangaceiros, mas também grande parte do material de sua história, como livros, fotos, indumentárias e outros objetos. O acervo do museu é itinerante e a idéia é atrair turistas e curiosos do assunto sobre o cangaço.
Em pé, de frente às cabeças expostas, fumando seu cigarro de palha, um velhinho com pouco mais de oitenta anos, observa atento, como se tudo aquilo lhe fosse familiar. De repente, alguns turistas, juntamente com uma equipe de filmagem, ocupam o espaço, afastando-o de lado, como se ele estivesse atrapalhando o local. A equipe começa a filmar as cabeças do bando e seu acervo. Um deles, provavelmente o diretor da equipe, começa a narrar a historia de Lampião, seguindo um roteiro que carrega na mão.
- “E, Lampião, tido como o mais temido bandido do sertão brasileiro, era um dos indivíduos mais cruéis que alguém já conheceu...” Foi, de pronto, interrompido pelo velhinho que, com autoridade corrige a frase.
- Mentira! Lampião não era perverso e nem bandido! Você não o conheceu pra dizer isso! “Corta!” Bradou o suposto Diretor, sob o olhar surpreso de todos e furioso por ter perdido a seqüência da filmagem e olhando o velhinho por um instante, com o indicador nos lábios, indicando silêncio, volta a se concentrar em seu trabalho. “Vamos repetir a cena e a fala. Câmara, Luz, Ação!”
- “...Na realidade, diz a história, o Rei do Cangaço, costumava matar inocentes e indefesos, como represálias às investidas da polícia”. O velho dá um passo à frente e, dedo em riste, retruca novamente.
- Não senhor!...O diretor brame outro “Corta!” e o velhinho continua...Virgulino era um homem justo. Embora valente e enérgico, mas justo. Ah, se esse país tivesse mais homens como ele! Alguém no meio da equipe, provavelmente o responsável pela equipe, interrompe tudo e assume o comando dos trabalhos cinematográficos.
- Um momento! Fala erguendo a mão esquerda e olhando o velho, atentamente, indaga ao grupo...será que vocês não perceberam que podemos estar diante de um precioso achado? Põe a mão direita no ombro do velho, enquanto todos o cercam curiosos, passando agora a dar-lhe a devida atenção, enquanto pergunta.
- Quem é o senhor?...o que sabe sobre Lampião?
O velhinho olha atento e, antes que possa responder, aparece alguém com uma cadeira, na qual quase lhe jogam sentado e, já sob as lentes da câmera, desconfiado, mas querendo ainda contestar a história, pigarreia a garganta enquanto lhe pedem pra falar.
- Bem, já que vocês insistem...mas, a história é diferente, ouviram bem?
- Isso vovô, pode contar o que sabe. Todos ficam atentos, aguardando o velhinho.
Surge um close no rosto do velho que abre um largo sorriso nervoso e sob a fumaça duma grande baforada em seu cigarro, seus olhos agora vêm uma cena de sessenta e pouco anos atrás. O tempo lhe jogou para um passado....(Continua).
Um comentário:
olá, Juarez, mande-me fotos suas para postagem do lançamento do seu livro em meus blogues.
ABS.
L.Helena
poemar704@hotmail.com
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